O ano de 2017 foi notável para os mercados. Os índices S&P e Dow aumentaram 18% e 19%, respectivamente. Mas essa alta não se baseia em fundamentos sólidos de negócios. Os lucros trimestrais aumentaram apenas 5% desde 2012, mas as avaliações dos investidores desses lucros (medida conforme o lucro por ação) aumentaram 59% no mesmo período. O que está por trás dessa desconexão? Alguns autores argumentam que os lucros estagnaram devido ao pensamento de curto prazo, e que décadas de foco nos lucros imediatos, em vez de nas inovações de longo prazo, teriam resultado em empresas desvalorizadas.
De fato, um estudo de Rachelle Sampson e Yuan Shi revelou que o foco no curto prazo está correlacionado negativamente com a inovação, medida pelo QP (“quociente de pesquisa”, uma medida do retorno sobre investimentos de P&D). Os investidores punem as empresas orientadas para o curto prazo, aplicando taxas de juros mais elevadas, o que aumenta o custo do capital para essas empresas. Em contrapartida, as empresas orientadas para o longo prazo são recompensadas com um custo de capital menor, o que lhes permite oferecer mais inovações, e formando um ciclo virtuoso.
A maioria das tentativas de combater o curto prazo falha porque se concentra em mudar o comportamento dos CEOs por meio de uma combinação de demandas e incentivos. Embora bem intencionados, esses esforços não consideram que o comportamento do CEO está, em grande parte, circunscrito à estrutura da empresa. Mais especificamente, há três tendências estruturais abrangentes e inter-relacionadas que fomentaram o foco no curto prazo e uma menor inovação corporativa: aumento na contratação de CEOs externos (especialmente a partir do final da década de 1980 e ao longo da recessão de 2008); a descentralização da P&D (em um período de tempo similar); e foco no lado do “desenvolvimento” em vez da “pesquisa” da P&D. Abaixo, ampliarei cada uma das tendências e explicarei como invertê-las pode reduzir o curto prazo e reavivar o crescimento.
Em vez de contratar CEOs externos, contrate alguém da casa — ou, pelo menos, alguém com conhecimento de área.
Uma tendência que contribuiu para a ênfase no curto prazo e uma menor inovação foi o aumento da prevalência de CEOs externos. De 1970 a 2004, a porcentagem de CEOs contratados de fora da empresa aumentou de 12% para 39%.
Embora os CEOs externos sejam valorizados porque trazem uma nova perspectiva, eu e meu colega Trey Cummings acreditamos que eles acarretam um custo oculto para a inovação em empresas cujo crescimento deriva de P&D (aproximadamente 49% das empresas). Chegamos a essa conclusão por meio de entrevistas com CTOs em uma variedade de setores, realizadas como parte de um estudo da National Science Foundation (NSF) cujo objetivo é identificar fatores que expliquem as diferenças no QP das empresas.
Um tema recorrente nessas entrevistas foram as críticas às grandes mudanças na estratégia de P&D que ocorreram devido à nova liderança, muitas vezes externa. Nessas histórias, empresas que viam a P&D como o motor de crescimento passavam a vê-la como uma despesa. Como consequência dessa mudança houve um declínio constante na intensidade de P&D (P&D/Vendas ) e um declínio correspondente na capacidade de P&D das empresas. Em outras palavras, o desinvestimento do novo líder cortou a carne junto com a gordura.
Embora a identidade das empresas entrevistadas seja confidencial, é fácil encontrar exemplos de relatos semelhantes disponíveis publicamente em outras empresas. Veja a GE durante o mandato de Jack Welch, a Trimble Navigation sob Steve Berglund, ou a IBM sob Lou Gerstner. Nos três casos, nossa análise mostra que houve um declínio no investimento em P&D, seguido de uma queda nos retornos desse investimento (QP).
Também conhecemos alguns detalhes sobre como a estratégia de P&D mudou nesses casos: a GE passou a desinvestir de negócios nos quais não estava em primeiro ou segundo lugar no mercado (televisores, semicondutores e aeroespacial) e expandir para empresas que não se apoiavam em P&D (NBC, GE capital); a Trimble que antes desenvolvia sua própria tecnologia passou a adquirir outras empresas por sua tecnologia; e a IBM passou a reduzir a P&D enquanto patenteava o estoque da inovações existentes (aumentando as patentes em quase 500%). A nova política de patentes não visava proteger as inovações, mas licenciá-las e/ou usá-las como moeda de troca para obter acesso à tecnologia de outras empresas.
Por que essas mudanças ocorrem? Acreditamos — e hoje existem evidências para apoiar essa correlação — que elas ocorrem porque os CEOs externos geralmente não possuem o conhecimento tecnológico de área, necessário para impulsionar o crescimento de P&D. CEOs que não possuem esses conhecimentos são mais propensos a gerir a P&D “pelos números”, embora esses números sejam mais difíceis de compreender do que os de capital e de publicidade. Na verdade, descobrimos que as empresas com CEOs externos têm menos inovação, de acordo com o QP, e que esses efeitos são mais acentuados em empresas intensivas em P&D e quando há uma grande diferença tecnológica com a empresa anterior do CEO.
Observe que a solução não é evitar CEOs externos. Há muitas razões pelas quais as empresas se beneficiam da contratação de alguém de fora, como a capacidade de efetivar mudanças. Além disso, nem todos os CEOs externos possuem conhecimentos de área insuficientes (por exemplo, CEOs de empresas concorrentes). Por outro lado, nem todos os CEOs internos possuem esse conhecimento (como CEOs com origem na área financeira). Em vez disso, a solução é assegurar que as empresas cujo crescimento deriva de P&D contratem CEOs com experiência tecnológica de área.
Em vez de descentralizar a P&D, recentralize-a.
Fora a questão dos CEOs, uma das mudanças sobre a qual aprendemos é a descentralização da P&D. A descentralização é uma consequência natural de gestão por números porque transfere as decisões de investimento em P&D para as divisões, onde é mais fácil relacionar os investimentos em P&D com os resultados. O problema de deixar o controle da P&D com os gestores é que sua remuneração geralmente é baseada nos lucros da divisão (controladas em grande parte por eles), e não no valor de mercado da empresa (sobre o qual eles têm pouco controle).
A distinção entre lucros atuais e valor de mercado é importante porque o valor de mercado leva em conta os lucros futuros, logo, em princípio, ele captura os retornos de longo prazo da P&D. Por outro lado, os lucros atuais penalizam a P&D, porque as regras contábeis exigem que a P&D seja contabilizada. Isso significa que todos os custos de P&D são subtraídos da receita operacional no ano corrente, enquanto as recompensas da P&D só chegam depois. Assim, quanto mais distantes os frutos da P&D, menor é a probabilidade de que ela seja conduzida pelas divisões operacionais.
Minha pesquisa indica que as empresas nas quais a P&D é descentralizada possuem QP de 40% a 65% menor do que as empresas com P&D centralizada. Isso significa que elas geram menos receita, lucro e valor de mercado por dólar de P&D. E um estudo de Nick Argyres e Brian Silverman descobriu algo talvez ainda mais problemático: a P&D descentralizada produz inovações com um impacto menor e mais limitado nas inovações subsequentes.
Em vez de focar demais no “desenvolvimento”, direcione o portfólio para a “pesquisa”.
A lógica subjacente ao incentivo à descentralização e maior relevância da P&D é que a P&D realizada pelas divisões terá mais relação com o que o cliente deseja. Enquanto atender ao cliente pareça algo incontestável, a citação de Steve Jobs revela bem sua vulnerabilidade: “Muitas vezes, as pessoas não sabem o que querem até você mostrar a elas”.
Quando a P&D é dirigida pelas divisões, a empresa deixa de investir nas tecnologias iniciais que criam novas oportunidades. Como dito acima, isso ocorre porque o salário do gestor de divisão está vinculado aos lucros da divisão. Assim, além de fazer com que a P&D favoreça desproporcionalmente o desenvolvimento ao invés de pesquisa, também resulta em paroquialismo da P&D em relação à divisão de financiamento. Isso ocorre porque há pouco incentivo para realizar atividades de P&D que beneficiem múltiplas divisões.
Um exemplo concreto desse paroquialismo vem da iniciativa “Organization 2005” da Procter and Gamble (P&G). A iniciativa descentralizou a P&D em um esforço para fazer com que a grande empresa “se sentisse pequena” (por exemplo, para proporcionar maior controle de gestão e quebrar a inércia burocrática), além de atender melhor às necessidades dos clientes.
O resultado foi uma mudança dramática na P&G de um controle de P&D 90% centralizado na década de 1990 para um controle de P& D 90% descentralizado em 2008. Nas palavras do então chefe de P&D, Bruce Brown, tornar os líderes de unidades de negócios responsáveis pelo desenvolvimento de novos itens diminuiu inadvertidamente a inovação ao associar de forma mais estreita os gastos de pesquisa e as preocupações de lucro imediato. Além disso, levou a inovações menores e mais incrementais. Embora o número de inovações tenha duplicado, a receita por inovação diminuiu em 50%.
Uma razão pela qual a receita por inovação diminuiu foi que a pesquisa em fases iniciais diminuiu. Antes da descentralização, a P&G era conhecida por criar categorias de produtos totalmente novas: primeiro detergente sintético (o Dreft, em 1933), primeira pasta de dente com flúor (a Crest, em 1955) e, mais recentemente: o aromatizador de ambiente Febreeze (1998), Swiffer (1999) e Crest Whitestrips (2001). Após a descentralização, e a diminuição da pesquisa, a P&G não conseguiu lançar um único sucesso.
Isso não surpreende. Um estudo realizado por mim e meu colega Carl Vieregger revela que entre as cinco configurações mais comuns de alocação de P&D, aquela com o QP mais alto aloca o dobro do investimento total de P&D em pesquisa básica e aplicada em relação a média das empresas.
Embora um longo horizonte de tempo seja necessário para a inovação e o crescimento das empresas (assim como o da economia), é improvável que um apelo contra as forças do curto prazo surta efeitos. Isso porque o curto prazo já está incorporado à estrutura das empresas, devido ao aumento de CEOs externos, a tendência de descentralizar a P&D e o afastamento da pesquisa básica. Por si só, cada uma dessas tendências está associada a um menor QP. Além disso, as tendências são inter-relacionadas: os CEOs externos tendem a descentralizar a P&D e a descentralização tende a diminuir a pesquisa básica.
Mas, felizmente, essas tendências podem ser revertidas. Os conselhos de empresas cujo crescimento deriva da P&D podem começar a levar o conhecimento de área em conta na contratação de CEOs. Além disso, as empresas podem começar a recentralizar a P&D e aumentar os níveis de pesquisa básica e aplicada. A aplicação criteriosa dessas prescrições deve aumentar o QP da empresa e, consequentemente, suas receitas, lucro e valor de mercado derivados de P&D. Isso vai gerar um crescimento fundamental das empresas, e não apenas um crescimento na avaliação.
Anne Marie Knott é professora da cátedra Robert and Barbara Frick da Olin Business School, na Washington University, em St. Louis, e autora do livro “How Innovation Really Works”.
Fonte HBR