Não é fácil chegar ao topo de uma organização: QI alto, inteligência emocional, competência técnica e uma variedade de características pessoais, como coragem e resiliência. Mesmo com essas qualidades, muitos líderes fracassam quando assumem cargos no alto escalão — em geral porque não sabem como persuadir a empresa a fazer o que eles desejam.
Esses líderes — ao contrário dos líderes de sucesso — não possuem o que chamamos de inteligência organizacional. A inteligência organizacional, ou quociente organizacional (QO), cuja sigla usaremos ao longo do texto, engloba cinco competências: enviar mensagens que reforcem a estratégia, estimular um ethos, estabelecer uma “estratégia de ação”, escolher as batalhas que deseja travar e fazer uma cena teatral no momento certo. Vamos analisar cada uma delas, usando exemplos nossos e de conhecidos líderes bem-sucedidos.
Líderes com alto QO enviam mensagens que reforçam a estratégia — e colocam outras mensagens em segundo plano.
Não são os CEOs e os demais executivos do alto escalão que implementam as estratégias, mas, sim, as inúmeras pessoas que escolhem, todos os dias, se irão apoiar ou ignorar o que a alta administração deseja alcançar. Quando falamos de QO, é importante enviar mensagens que reforcem a estratégia. Quanto mais simples e claras, melhor. No ambiente organizacional, funcionários em todos os níveis sofrem com a sobrecarga de informação. Portanto, os líderes precisam ser seletivos em relação a quais mensagens enviar.
Como reitor da Rotterdam School of Management (RSM), George estabeleceu o objetivo estratégico de persuadir os membros do corpo docente a fazer publicações em periódicos profissionais como o HBR e o MIT Sloan Management Review, além de periódicos acadêmicos. (Ele acreditava que publicações acadêmicas eram uma condição necessária, mas não suficiente, para que a RSM fosse reconhecida como uma das melhores faculdades de administração.) No início de seu mandato, apenas 1% dos 300 artigos escritos pelos professores durante o ano eram publicados em periódicos sobre gestão, e que não eram considerados os mais renomados.
Após algumas discussões, George instituiu um programa que oferecia aos professores que publicavam nos principais periódicos da área um bônus de até € 15 mil. Ele trouxe editores dos periódicos para ajudar a treinar o corpo docente sobre técnicas de redação mais eficazes. Para reforçar a mensagem, enviava e-mails parabenizando os professores cujos artigos haviam sido aceitos nesses periódicos (mas não em publicações acadêmicas). Os professores não gostavam dessa mensagem seletiva, mas ela era altamente eficaz. Outro objetivo estratégico foi melhorar a cooperação entre professores e funcionários. Uma grande oportunidade surgiu quando um professor sênior reclamou que os funcionários do curso agiam como se o corpo docente trabalhasse para eles, e não o contrário. Em vez de dar uma resposta com base na inteligência emocional (QE) e acalmar os ânimos do professor, George deu uma resposta com base no QO: “Todos nós trabalhamos para a RSM.”
Líderes com alto QO promovem uma compreensão, ou ethos, de “quem somos”.
Quando os líderes deixam de fazer a gestão de pessoas ou grupos pequenos e passam a cuidar de organizações inteiras, eles precisam criar uma noção comum do que é importante e do que a organização representa — em outras palavras, um ethos.
A Huawei da China rapidamente se tornou uma das empresas de equipamentos de telecomunicações mais bem-sucedidas do mundo, com receita superior a US$ 122 bilhões em 2019. Seu sucesso decorre em grande parte de seu ethos, “o espírito lobo da Huawei”, criado pelo fundador e presidente Ren Zhengfei desde o início.
Ren disse: “Os funcionários da Huawei, especialmente os líderes, estão destinados a trabalhar muito a vida toda, a se dedicar mais e a sofrer mais que os outros”. Esse ethos diz que as aspirações individuais são subservientes às necessidades da empresa, assim como cada lobo é subserviente à matilha. Ren descreveu o ethos como uma mistura de três qualidades: extrema resiliência, vontade de sacrificar-se e aguçado instinto de predador.
Para promover um ethos, duas ações importantes são necessárias. O ethos precisa ser sintetizado em uma declaração sugestiva que aponta o comportamento desejado dos funcionários da organização e precisa ser amplamente divulgado.
Líderes com alto QO usam a “estratégia de ação” mais do que um consenso na busca dos objetivos estratégicos.
Para líderes medianos, a estratégia se resume em convencer os outros da necessidade de mudança. Essa abordagem pode não ser uma opção quando nos níveis superiores. Muitas vezes, faz mais sentido adotar uma estratégia furtiva em vez de uma que tenha sido divulgada formalmente, e fazer com que as pessoas aceitem a ideia de forma gradual à medida que a estratégia se mostre eficaz. (Richard Pascale, da Stanford Business School, disse uma vez: “É mais fácil agir para se conseguir uma forma melhor de pensar, do que pensar em uma forma melhor de agir.”) A abordagem é especialmente útil em organizações em que o líder tem poder hierárquico limitado.
Quando George começou como reitor na RSM, em 2008, além de estrangeiro, ele era uma pessoa de fora. A universidade lhe deu como missão aumentar o faturamento e fortalecer o relacionamento com a comunidade empresarial, sem reduzir o alto nível de pesquisa acadêmica da RSM. Ele percebeu que não seria capaz de instituir mudanças rápidas por meio da persuasão porque a cultura nacional pregava uma formação de consenso lenta e intensiva. Ele tinha pouco tempo, pois seu contrato era de quatro anos. Sendo assim, deu um peso maior à ação.
Começou abandonando a tradição de que o reitor deveria presidir todas as defesas de teses de doutorado. Deixou claro que sua prioridade era interagir com stakeholders externos, principalmente executivos de empresas. Os professores relutavam para se envolver com os executivos. Então, George modificou as reuniões do conselho consultivo da universidade. Como os membros do conselho eram altos executivos, ele convidou um ou dois acadêmicos seniores para cada reunião para que apresentassem suas pesquisas, enfatizando que eles precisavam torná-las relevantes para o público-alvo. Deu início, então, a uma conferência anual cujos painéis combinavam executivos e membros do corpo docente.
Em relação aos funcionários, George substituiu aqueles que provavelmente seriam os mais resistentes a mudanças e nomeou, dentre os presidentes de cada departamento, um novo vice-reitor que o apoiaria. Ele criou um novo cargo – diretor de relações externas – e chamou esse diretor e o diretor de marketing para o comitê de gestão.
Para permitir que as novas mudanças surtissem efeito, protelou uma conversa formal sobre a nova estratégia até seu terceiro ano, quando o faturamento e a colocação da universidade estavam melhores e as atitudes mais favoráveis.
Estratégia de ação é fazer as coisas acontecerem. Ao executar um conjunto de ações coordenadas que resultam em uma mudança estratégica, os líderes conseguem iniciar os processos desejados sem criar uma oposição organizada.
Líderes com alto QO sabem escolher suas batalhas.
Líderes bem-sucedidos geralmente têm opiniões obstinadas sobre como as coisas devem ser feitas, o que pode levá-los a assumir muitas batalhas logo no início de carreira. Ninguém quer repetir os feitos de John DeLorean, que lutou contra quase tudo para crescer na General Motor e, posteriormente, sair. Líderes realmente eficazes aprendem cedo a focar apenas em questões importantes — e nas quais possuem boas chances de vencer. Isso requer duas habilidades. A primeira é a capacidade de estimar com precisão o nível de conflito que um determinado curso de ação provocará. (É aqui que a inteligência emocional pode ajudar a organizacional.) A segunda é ter maturidade para não se envolver em questões sem importância. De muitas maneiras, a segunda habilidade é a mais difícil de desenvolver; a maioria dos gestores em posições de destaque é competitiva e sua reação natural a um desafio é enfrentá-lo de frente. Escolher suas batalhas significa enfrentar desafios mais complexos apenas quando se tem poder de fogo adequado.
Terry Leahy nunca deixou de focar no seu objetivo de se tornar CEO da Tesco no Reino Unido, uma das maiores redes de supermercados do mundo. Em sua trajetória, introduziu uma inovação importante: o Clubcard, o primeiro cartão-fidelidade em supermercados do Reino Unido. A ação fez a Tesco ultrapassar a Sainsbury’s e assumir o primeiro lugar no varejo. Como CEO, introduziu um modelo on-line diferenciado para a Tesco que não dependia do clássico centro de distribuição, mas das lojas existentes, onde os funcionários da Tesco.com selecionavam e empacotavam pedidos on-line durante os períodos de menor movimento. As críticas foram devastadoras, inclusive da McKinsey e de outras grandes empresas de consultoria. Mas em 2003 a Sainsbury’s seguiu o exemplo — quando a Tesco já tinha uma vantagem de cinco anos e uma base de usuários em expansão.
Leahy teve sucesso nas duas mudanças drásticas em parte porque manteve uma conduta modesta durante todo o processo. Além disso, ele não mexeu em outros aspectos essenciais do negócio, como melhorar constantemente a oferta de varejo (“Every little help”, slogan da Tesco).
Para escolher suas batalhas, os líderes precisam encontrar um difícil equilíbrio. Precisam reconhecer quais aspectos do status quo precisam ser desafiados — e precisam de disciplina para evitar desperdiçar tempo lutando por questões que não são estratégicas e não permitem o progresso da organização.
Líderes com alto QO fazem cenas que são lembradas para sempre em toda a organização.
Uma cena marcante reverbera ao passo que uma história (e, mais recentemente, um filme) sobre o evento é apenas transmitida. Cenas efetivas possuem três características importantes. Transmitem uma mensagem clara. São incomuns e inesperadas e geralmente são de baixo custo e relativamente fáceis de executar.
Saber quando fazer uma cena constitui um elemento poderoso no arsenal de um CEO para comunicação e reforço de seu ethos. É preciso ter cuidado para que não entre em conflito com o ethos desejado.
Na sede da empresa chinesa Haier, em Qingdao, há uma vitrine que exibe uma marreta. Ela está lá em homenagem a um evento ocorrido há muito tempo, quando o CEO Zhang Ruimin retirou 76 refrigeradores da linha de produção. Não havia nada de errado com eles — apenas alguns arranhões e outros defeitos menores. Mas Zhang queria passar a mensagem de que até pequenos defeitos são inaceitáveis e que a Haier pretendia seguir os mesmos padrões de qualidade de seus concorrentes em todo o mundo. Então, ele e seus gerentes destruíram os aparelhos com defeito. Sua mensagem ressoou em todo o mundo corporativo chinês; uma das marretas agora faz parte do acervo do Museu Nacional da China.
Quando os designers mostraram o primeiro protótipo do iPod para Steve Jobs, ele disse que era grande demais. Eles disseram que não poderiam torná-lo menor. Jobs então jogou o dispositivo em um aquário e todos viram as bolhas flutuarem. Ele disse: “Essas são bolhas de ar. Isso significa que há espaço lá dentro. Façam um menor.” A cena tornou-se parte do folclore da Apple, refletindo a busca incansável de Jobs pela perfeição.
O segredo é aproveitar as oportunidades para fazer algo simbólico de modo surpreendente e com alto impacto, que irá atrair a atenção (e, esperançosamente, o coração e a mente) dos funcionários da organização. Isso exige sair da rotina da vida organizacional. É uma competência desafiadora — e poderosa.
Como desenvolver o seu QO
Primeiro, aceite a burocracia em vez de se opor a ela. Use os pontos fortes da sua organização para alcançar seus objetivos. Como um mestre de judô, você deve praticar obtendo o máximo da sua organização com o mínimo de esforço da sua parte: o e-mail criterioso, o momento certo de fazer uma cena. De resto, deixe a organização continuar fazendo o que ela faz bem.
Segundo, crie uma persona organizacional. As pessoas sabem que tipo de líder você é e o que esperar quando interagem com você? Todos na GE sabiam o que esperar de Jack Welch “Nêutron”. Sheryl Sandberg é conhecida por combinar habilidades sociais e inteligência, o que lhe permitiu mostrar sua força feminina na Facebook, que antes era dominada por homens. Dong Mingzhu, a empresária de maior sucesso na China e presidente da Gree Electric, tem uma persona que diz: “Onde a irmã Dong pisa, a grama não cresce” — o que significa que ela é muito severa.
Terceiro, siga as regras secundárias para que possa quebrar as principais. Vernon Hill obteve sucesso e provocou grandes transformações ao liderar o Commerce Bank nos Estados Unidos e, posteriormente, o Metro Bank no Reino Unido. Mas, em ambos os casos, sua reputação foi abalada em parte devido a acusações de negociações inadequadas com pessoas influentes, como conseguir que seus bancos adquirissem serviços do escritório de arquitetura de sua esposa. Em 2019, logo após o Metro Bank revelar um erro contábil envolvendo a classificação incorreta de mais de US$ 1 bilhão em empréstimos, Hill pediu demissão. Com o erro contábil, Hill quebrou uma regra importante — mas é possível que, se tivesse seguido as regras secundárias sobre demonstrar favoritismo aos familiares, teria tido mais chances de permanecer no cargo.
É importante que os executivos desenvolvam essas competências em inteligência organizacional ao galgarem seu caminho até o topo — e certamente precisarão delas para obter sucesso nos níveis mais altos.
George Yip, ex-reitor da Rotterdam School of Management, é Professor Emérito da Imperial College Business School, em Londres, e professor convidado da Northeastern University, em Boston.
Nelson Phillips é Professor de Inovação e Estratégia, e Diretor Assistente de Relações Exteriores na Imperial College Business School, em Londres.
Fonte HBR