As lojas de varejo do mundo todo enfrentam uma série de desafios. Mesmo antes da pandemia, muitas lojas físicas passavam por dificuldades. Agora, à medida que afrouxamos as medidas de confinamento adotadas em todo o país e adentramos um novo território psicológico e social, os consumidores enfrentarão, com ansiedade, a dúvida de saber se a ida às lojas aumentará sua exposição ao vírus. Adicione-se à complexidade: Os Estados Unidos entraram oficialmente em um período de recessão, o que deverá reduzir os gastos dos consumidores durante os próximos meses.
Nesse cenário, ler artigos sobre o “futuro de” pode parecer uma viagem à Feira Mundial. Existem centenas de novos gadgets e projetos sendo criados para nos proteger de ameaças biológicas, mediar nossa hesitação em socializar novamente e promover a integração de nossa vida digital e física. Por mais que esse entusiasmo nos ajude em longo prazo, o que os varejistas mais precisam agora, é de soluções comprovadas que possam ser implementadas de imediato.
Mas as marcas precisam mais do que uma lista de controle de práticas de assepsia. Elas precisam de uma visão que possa ser colocada em prática, que as diferencie e atraia o público para dentro das lojas.
A boa notícia é que as formas inovadoras de operar já existiam como protótipos, em menor escala, antes da Covid-19. A análise dessas abordagens permitirá que as cadeias varejistas aproveitem esse momento de transição para mudar o enfoque em um futuro mais resiliente e significativo.
A loja como palco
Nos dias de hoje, ao caminharmos pelos comércios essenciais, vemos muitos esforços improvisados para reduzir o contato e limitar as aglomerações – medidas como fitas no chão, escudos de acrílico e sinais escritos às pressas em papel sulfite colorido. Esses métodos são baratos e fáceis, mas pouco fazem para diminuir o medo e conduzir o estado psicológico de seus clientes. As lojas que não se enquadram na categoria essencial precisam pensar no espaço como um serviço – um desempenho em que o “proscênio” é sereno, enquanto os “bastidores” dão suporte às manobras complexas que ocorrem no palco.
No outono de 2019, minha equipe projetou uma loja pop-up da Tupperware, a Tupp Soho, uma experiência de compra em que não era necessário tocar nos produtos e nem reabastecer os displays, como também prescindia de grandes multidões. Os displays eram usados para exibir os produtos, que podiam ser comprados solicitando-se a um funcionário munido de um tablet equipado com Square. Após a conclusão da compra, o funcionário buscava e empacotava os itens lacrados nos “bastidores”, e trazia a sacola de compras pronta (uma eco bag). Essa experiência permitiu que os visitantes explorassem o pop-up como um museu e comprassem produtos grandes sem precisar carregá-los pela loja. Já vemos serviços similares influenciados pelo setor de hospitalidade em lojas de luxo – com a tecnologia, não há razão para não ampliar isso para outras áreas.
Além do mais, como as compras sem contato serão o novo normal, os varejistas devem se inspirar em outros setores que já oferecem serviços semelhantes. Se você pode fazer uma reserva para jantar às 19:30, por que não pode reservar uma experiência de compra para as 18:30 nas proximidades? De estúdios de ioga a terapeutas, uma grande variedade de empresas já utiliza sistemas de reserva digitais. Os consumidores não vão querer esperar em longas filas, distantes um do outro, para fazer compras casuais; portanto, proporcione uma experiência descomplicada.
Experiências digitais como memória coletiva
Menos toques pessoais, significa que os artefatos digitais precisam incorporar as marcas de maneiras mais profundas e memoráveis. As marcas têm a oportunidade de adotar mídias que podem comunicar como é a experiência de utilizar seus produtos. Novos recursos no design de movimento nos permitem capturar detalhes sensoriais e gerar novas realidades. Na Recente campanha da ManvsMachine para a Purple, o diferencial do colchão – uma grade de gel flexível – é torcido e comprimido para mostrar sua elasticidade e conforto. Mais surreal, os anúncios da Rad Mora para a maquiagem da Pat McGrath apresentam um líquido digitalizado escorrendo por superfícies lisas como uma espécie de calda luxuosa. É assim que você se destaca em meio a fotos, em tons pastel, com modelos em poses perfeitas – fazendo as pessoas sentirem algo.
Esses sentimentos podem ser traduzidos em formatos digitais para o consumo. A maioria das experiências de compra on-line foi criada a partir de modelos genéricos; porém, com os millenials e a geração Z se dividindo em tribos estéticas cada vez mais afuniladas, as compras on-line não precisam mais agradar às massas. Talvez as lojas sejam apenas uma tipologia em uma miríade de formas pelas quais podemos interagir com os produtos. As compras on-line poderiam existir como um mundo surreal de descobertas, como em Myst, um jogo muito popular nos anos 90? A Gucci tem um histórico de criação de microssites criativos que desafiam os limites – como o seu museu virtual SS 2018. Ao mesmo tempo, a Taxonomy of Design da Aesop permite que os visitantes naveguem por todos os materiais, cores e texturas de suas lojas. Mesmo em pequenas doses, uma sensação de aventura pode ser o ingrediente secreto para fazer uma marca se destacar – especialmente no setor de luxo, onde o poder da experiência está diretamente relacionado à percepção da marca.
A tecnologia também pode gerar conexões, ao fazer todos os consumidores sentirem que têm um assistente pessoal, com seus itens favoritos (e no tamanho certo) separados em um camarim ou que podem sugerir peças semelhantes com base em compras anteriores. Os integrantes da NEW INC (da qual eu faço parte), a incubadora do New Museum, já estão trabalhando em soluções de realidade aumentada e inteligência artificial capazes de dar forma às mais variadas ideias, do closet virtual que Cher Horowitz usa para escolher suas roupas no filme As Patricinhas de Beverly Hills até desfiles de moda holográficos. Ferramentas de aprendizado de máquina como o Lineage, de Noya Kohavi, fornecem melhores recomendações, um desafio que gigantes como a Amazon não conseguiram superar. Sim, a privacidade dos dados é uma das maiores preocupações, e as marcas preocupadas em serem transparentes em relação à forma como utilizam esses dados serão mais confiáveis. Quanto mais os varejistas esperarem para integrar esses tipos de recursos ao seu fluxo de design, mais oportunidades deixarão passar.
Espaços físicos como fuga
Estamos em um momento de tensão – as pessoas anseiam por explorar, mas temem que a incursão as deixe expostas. O território com mais espaço para inovação é o das fugas experienciais. Para muitos, esses termos evocam associações entre óculos de realidade virtual, telas atordoantes e espaços chamativos que gritam “mais é mais”. Expressões mais contidas e eficazes podem ser encontradas em marcas de moda como Acne, Celine e Gentle Monster, onde a loja serve como uma fuga artística para o ethos de sua marca. Instalações imaginativas, materiais ricos e uma narrativa coesa permitem que o espaço fale por si – os detalhes físicos, que vão além de um cenário unidimensional para o Instagram, incorporam os mesmos sentimentos que você associa à marca.
Por exemplo, a Gentle Monster, uma marca de óculos de sol conhecida pelas instalações sobrenaturais em suas lojas, cria um tema para cada uma de suas filiais que é expresso por meio de esculturas extraordinárias. Na loja de Los Angeles, o tema “colheita” apresenta pilhas de feno e hastes engenhosamente combinadas, criando uma atmosfera mais próxima de uma galeria de arte do que uma loja de óculos de sol. De outro lado, a loja da Acne em Shibuya parece mais uma mistura entre a sala de estar de um designer e um museu – repleto de ricos tapetes e mostruários de vidro.
À medida que reavaliamos os espaços, a textura, a luz, o som e os aromas devem ocupar o primeiro plano. Muitas de nossas lembranças mais fortes de lugares não são visuais, mas corpóreas: a temperatura fria das paredes, a maneira como o som ecoava pelo espaço, a suavidade do tapete sob nossos pés.
Na Naked Retail localizada no número 11 da Howard St., uma loja conceitual com uma lista rotativa de marcas, minha equipe e eu (que trabalhamos no projeto) nos deparamos com um quadrado pequeno e pouco iluminado. Por meio de prateleiras suspensas, araras de roupas e redes presas ao teto com cintos multiuso, criamos uma sensação de movimento para cima, o que ajudou a tornar o pequeno espaço mais amplo. Uma variedade de texturas – espuma suave, plástico semitransparente e concreto – conferiu profundidade ao espaço.
As experiências podem ser tanto intocáveis quanto táteis. Como escreve o arquiteto Juhani Pallasmaa: “A visão revela o que o toque já sabe… Nossos olhos acariciam superfícies, contornos e bordas distantes, e a sensação tátil inconsciente determina se teremos uma experiência agradável ou incômoda”.
Em tempos de ansiedade, é de se esperar que as pessoas desejem ambientes relaxantes que nos conectem com nosso entorno normal. Durante toda essa crise, tive a honra de trabalhar com o Studio Elsewhere, que está construindo salas de recarga biofílica para profissionais de saúde trabalhando na linha de frente dos hospitais de Nova York. Todos os recursos das salas são ativados por voz e contam com imagens revigorantes interativas projetadas na parede, além de áudio imersivo e aromas relaxantes. Estudos iniciais mostram que 15 minutos nessas salas regeneradoras podem reduzir o estresse em 60%. Ao incorporar princípios biofílicos em espaços reabertos, oferecemos oportunidades para o processamento e a liberação da ansiedade.
Todas essas ideias podem parecer grandes demais para os lojistas que pretendem abrir as portas nas próximas semanas. Por isso, mais vale focar nos pontos em que é possível causar o maior impacto. Se você reabrir em breve, considere quais áreas poderiam ser aprimoradas para minimizar o contato e aumentar a personalização. Com o tempo, convém atualizar o design da loja, para que ela transmita mais calma, criatividade ou diferenciação. Se você tiver mais tempo ou não tiver certeza se uma presença física faz sentido no curto prazo, pode ser mais interessante considerar como sua presença digital pode incorporar o que se perde sem a interação física no seu espaço e com sua marca. De todo modo, há espaço para um fortalecimento digital capaz de ajudar sua empresa já em funcionamento e diferenciá-la da concorrência. Você não precisa fazer isso sozinho – designers, artistas e tecnólogos estão preparados para auxiliar você a idealizar o que virá adiante. Vamos construir juntos um futuro resiliente.
Kate Machtiger é fundadora da Extra Terrestrial Studios e designer estrategista, com uma experiência profissional que abarca finanças, o setor imobiliário, engenharia civil e arquitetura. Machtinger também faz parte da NEW INC, a incubadora de design, arte e tecnologia do New Museum.
Fonte HBR