Crescer é o objetivo de toda e qualquer empresa. No entanto, muitas sabotam seus esforços de crescimento no médio e longo prazos ao matar suas iniciativas de inovação e mudanças e podem iniciar um ciclo virtuoso de crescimento, aprendendo e adotando ferramentas diretamente de startups.
Promover confiança durante a pandemia
É natural que o dia a dia das operações seja bem diferente para startups e incumbentes já estabelecidas. Startups operam em ambientes de extrema incerteza, enquanto as grandes empresas possuem modelos de negócio estabelecidos, testados e, geralmente, operações rentáveis que criam muitas resistências a mudanças.
Só isso já estabelece uma diferença fundamental na mentalidade desses dois tipos de empresas: a primeira é incentivada a fazer testes e mudanças radicais o tempo todo, enquanto a segunda tende a trabalhar de forma a realizar os processos já existentes com o máximo de eficiência possível.
Além disso, o tamanho das empresas cria uma diferença também no tamanho dos possíveis testes e erros. Para uma startup, a depender do momento, dar uma guinada e recomeçar é factível. Contudo, para uma empresa grande e consolidada, é bem mais difícil – há mais responsabilidades em jogo e os movimentos tendem a ser executados de maneira mais lenta.
Este fator não deveria impedir a existência de uma cultura de testes e de incentivo ao erro nas grandes empresas. Pelo contrário, a diferença de tamanho entre essas duas empresas demonstra que errar em pequena escala é ainda mais fundamental para empresas tradicionais, de forma a não deixar gastos com isso explodirem.
Que impede o crescimento com as ferramentas de startup?
Para que essas práticas tenham o efeito desejado, as empresas devem, de maneira consciente, entender o que fazer, o que mudar e que tipo de resultado esperar. Muitas acabam iniciando programas de inovação e crescimento que falham por não ter o apoio interno necessário.
Por isso, é importante entender quais as desculpas que as grandes empresas – e seus executivos – utilizam para matar esse tipo de programa no nascedouro, ou nem adotá-lo. Ao compreender que esse tipo de argumento é falacioso, uma companhia pode se proteger contra a má execução desses programas.
Sempre fizemos assim e funcionou
Este é o argumento falacioso mais clássico. Uma vez que as empresas crescem, elas tendem a ficar na zona de conforto, executar o que já conhecem, e se fechar para a cultura de experimentação e testes. Isso provoca uma sensação de “time que está ganhando não se mexe”, gera arrogância do corpo executivo e um sentimento de invencibilidade que é danoso para os negócios.
Até que chega um momento de crise, como a pandemia que vivemos agora, e muitas “verdades absolutas” caem por terra. Agora, devido à necessidade, as empresas precisam se mover em busca de tecnologia e utilizar ferramentas como a internet para distribuir seu produto de uma maneira diferente. Muitas empresas tradicionais que não acreditavam que a internet ou tecnologia poderiam ajudá-las a vender mais ou que, se utilizavam, nunca deram o devido foco, percebem que é muito mais vantajoso e positivo do que imaginavam.
Resultado disso é o arrependimento de não terem começado antes. Afinal, quem largou antes e deu a devida atenção às mudanças já colhe os frutos com mais eficácia. Buscar o próximo nível e estar na vanguarda é necessário para qualquer empreendedor que queira construir uma empresa perene e sustentável no médio e longo prazos.
Nunca vi uma empresa do meu setor fazendo isso
Outro argumento mentiroso clássico. Existe muito executivo que deixa sua empresa ser ditada pela concorrência. É possível que, por conta desse tipo de mentalidade, tanto a companhia quanto o concorrente estejam operando de forma datada, deixando espaço para que uma nova entrante tome o mercado.
É natural que empresas que trabalham olhando apenas para o retrovisor sejam as mais propensas a serem disruptadas. A vacina para isso é manter uma cultura de aperfeiçoamento e inovação que estimule a empresa a crescer e agir como uma nova entrante o tempo todo, buscando disruptar a si própria, ao invés de deixar uma estreante fazê-lo.
Na maioria dos casos, você não precisa ver alguém do seu ramo fazendo algo para copiar, o que você precisa é entender o conceito da inovação e adaptar. As empresas não deveriam esperar o concorrente dar o primeiro passo, e sim entender que elas possuem a oportunidade de serem as primeiras.
Nosso setor não funciona assim
Tudo, na prática, é uma questão de entender o conceito e adaptar. Podemos ver isso por uma das práticas mais antigas que startups utilizam: a criação de marketing de conteúdo. Muitas empresas tradicionais falam que não têm como produzir conteúdo nas redes sociais para adquirir novos clientes por exemplo, que isso funciona muito bem para certas empresas, mas não em seus segmentos.
Esse conceito de marketing de conteúdo não é novo e específico do mundo das redes sociais. Ele foi criado pela John Deere, empresa de máquinas para o setor agrícola, na década de 70, com uma revista física, e foi replicado por empresas dos mais diversos segmentos, como Nintendo, Microsoft, Lego e Zara.
É preciso focar mais no conceito e nos fundamentos e saber trazê-los para seu segmento e público. Uma vez que você entende o conceito, o “como fazer”, você desenvolve pela cultura de testes e experimentação.
Dificuldade de “comprar o mercado”
É difícil para um negócio tradicional sem funding usar a estratégia de comprar crescimento tendo prejuízo para monetizar só depois – algo que startups fazem constantemente. Normalmente esses negócios precisam já começar tendo lucro, simplesmente por não existir alternativas e já terem custos elevados.
No Brasil, a maioria dessas empresas não tem muito caixa e o acesso a crédito é restrito, então “começar uma nova linha de negócios dando prejuízo” tende a ser muito mais difícil e arriscado do que quando há “funding garantido”, como startups fazem com suas rodadas de captação de investimentos.
Na prática, nada realmente impede a questão de se começar uma unidade de negócios pequena que seja separada e deficitária utilizando recursos da empresa. Contudo, muitas deixam de lado a ideia por não ver um resultado prático de curto prazo que seja relevante dentro do balanço.
Mas quem está fazendo isso?
Há várias grandes empresas, porém, que estão tomando iniciativas neste sentido. Empresas com “balanços forte” estão conseguindo adotar ferramentas de startups e fazem isso com excelente execução, administrando o quanto vão investir e como gerar ganhos para toda a empresa com isso. Porém, são poucas as companhias tradicionais que têm essa cabeça, muitas preferem distribuir o lucro para os acionistas a testar coisas novas.
Posso citar dois bons exemplos no Brasil. A Magazine Luiza criou o Luiza Labs há alguns anos e as práticas lá criadas ajudaram a empresa a se adaptar para o mundo online com muito mais agilidade e naturalidade do que a maioria dos concorrentes. Em um momento que o varejo brasileiro sofreu o maior impacto de sua história recente por conta da pandemia, a Magazine Luiza tem fôlego para manter as lojas fechadas por até cinco anos. Essa inovação resultou também em um enorme retorno para os acionistas, já que o balanço da empresa é cada vez mais forte e as ações da Magalu vêm se tornando provavelmente o maior caso de crescimento da bolsa brasileira na última década.
Outro bom exemplo é o da XP Investimentos, que instituiu uma cultura de tentativa e erro muito eficiente, em que é importante testar novos processos e produtos, entender a viabilidade e aceitação deles, parar rapidamente caso aquilo não seja o esperado ou escalar se os resultados forem bons. A empresa também formou vários squads para dar vazão a essa cultura de inovação.
E o que você pode fazer?
Para adotar essas ferramentas, mudanças culturais importantes precisam feitas. Vamos entender algumas e saber como utilizá-las para promover crescimento e inovação em empresas tradicionais.
Squads
São times pequenos, multi-disciplinares e ágeis, que têm como objetivo resolver uma missão clara dentro da empresa. Os squads fazem com que a informação circule mais rápido, gerando decisões mais ágeis. Isso ocorre porque várias competências diferentes estão no mesmo time, por exemplo: vendas, marketing, tecnologia, atendimento ao cliente, financeiro e jurídico. Todos estão juntos no mesmo ambiente e são responsáveis pelo sucesso daquela missão, então todos querem resolver o problema.
Normalmente, em empresas tradicionais vemos uma área indo contra a outra. Exemplo: quando o jurídico é mais conservador em algum, acaba impactando na velocidade das vendas ou no onboarding do cliente. Quando o jurídico senta com o time, e é responsável pelo mesmo objetivo que a pessoa de vendas, ambos conseguem ter um entendimento mais profundo daquele tema. Como consequência, o alinhamento é maior e o nível de comprometimento e entendimento da experiência do começo ao fim é muito mais fluido, permitindo a tomada de risco mais calculada para o negócio.
A agilidade é fundamental para o crescimento, portanto os times em formato de squads utilizam uma metodologia de testes e experimentação que faz com que os aprendizados ocorram mais rapidamente e de maneira dinâmica. É importante, porém, que isso seja estimulado pela empresa.
Cultura de testes e experimentação
A ideia de uma cultura de testes e experimentação é que não existe verdade absoluta pré-concebida, existe apenas a verdade dos resultados. Nesse ambiente, todas as hipóteses deveriam ser testadas em pequena escala, mensuradas para entender se ela se comprova ou não, e, uma vez comprovada, ser replicada e escalada. Caso essa hipótese seja refutada, deve-se entender o motivo, reformulá-la e testar novamente, repetindo o processo até lograr êxito.
Esta metodologia se assemelha muito aos processos de PDCA (Plan, Do, Check, Act), que empresas tradicionais utilizam bem em processos industriais. Infelizmente, as empresas tradicionais utilizam pouco em outros processos da empresa, como vendas e marketing, o que poderia trazer grandes benefícios para elas.
Adotar uma cultura em que o erro é permitido no processo de aprendizado
Se não erramos, não conseguimos evoluir. A cultura de testes e experimentações tem como base o erro. É o mesmo princípio do porquê as crianças absorvem e aprendem mais rápido, pois elas não têm medo de errar. Então elas erram, tentam de novo, e continuam neste processo até conseguirem aprender e aperfeiçoar o que querem fazer.
Conforme ficamos adultos, ficamos com medo de errar, pois temos medo de falhar e sermos julgados pelas pessoas à nossa volta. Empresas ampliam esse sentimento de diversas maneiras, coibindo os erros e mantendo-se na zona de conforto. Boas culturas corporativas e lideranças não apenas toleram, como estimulam o erro.
Bruno Nardon é cofundador e mentor da Gestão 4.0. Também é fundador e parceiro da Norte Ventures, clube de investimento de capital de risco criado e gerido por empreendedores. Foi cofundador e ex-presidente da Rappi Brasil, cofundador da Kanui e vice-presidente da Dafiti.
Fonte HBR