Estou escrevendo este artigo enquanto minha filhinha, ainda bebê, dorme. Como todos os pais novatos, meu marido e eu passamos os últimos meses em uma onda de felicidade e magia dedicados em conhecê-la e imaginar qual será seu futuro. Isso traz uma nova intensidade e um pouco mais de animação à minha função: prever o futuro do trabalho. Como será o trabalho para esta geração de jovens mulheres, especialmente quando cada vez mais nossas funções estão sendo automatizadas – ou mesmo substituídas – pela inteligência artificial (IA)? E como os líderes podem garantir que a IA não leva a vieses de gênero em suas organizações? Pesquisas recentes já começaram a responder a essas perguntas, e as perspectivas são variadas: por um lado, as mulheres podem ser poupadas das disrupções de emprego que os homens enfrentarão no longo prazo. Por outro lado, a ausência da diversidade de gênero em empregos relacionados à IA poderia refletir nas ferramentas que são criadas, afetando a contratação ou promoção das mulheres.
Primeiramente, o impacto da IA no trabalho será influenciado pela distribuição de mulheres e homens em empregos específicos. Embora uma ferramenta de IA não tenha sido projetada para substituir as tarefas de mulheres ou de homens especificamente, muitas ocupações são tão distorcidas em sua distribuição atual, que ondas de automação podem ser sentidas mais por mulheres ou por homens em momentos específicos. Os dados do Bureau of Labor Statistics mostram que há uma distribuição de gênero desequilibrada entre os empregos mais comuns hoje nos EUA. Cargos como professores escolares do ensino fundamental e médio, enfermeiros registrados, secretários e assistentes administrativos são ocupados por mulheres, sob a taxa de 80%. Em contrapartida, empregos como motoristas de caminhão e trabalhadores da construção civil empregam mais de 90% de homens.
Como as ferramentas de IA tendem a automatizar tarefas, e não empregos como um todo, muitas ocupações serão afetadas de forma desigual. Embora a distribuição de gênero em ocupações possa mudar ao longo do tempo, a PwC estimou que mais mulheres do que homens serão afetadas pelas alterações no trabalho entre agora e o final da década de 2020. Este impacto desproporcional sobre as mulheres está baseado em grande parte no alto número de mulheres empregadas em ocupações administrativas: nos EUA, por exemplo, 94% de secretários e assistentes administrativos são mulheres. Esses tipos de funções estão sendo desproporcionalmente afetados pelos desenvolvimentos tecnológicos, como assistentes automatizados, e-mails, calendários inteligentes e softwares financeiros.
Esse quadro mudará em médio prazo. À medida que as habilidades da IA são desenvolvidas – como tecnologias de condução automática – mais homens serão afetados por alterações no emprego entre o final da década de 2020 e meados de 2030 do que mulheres. Durante esses anos, está previsto que a automação cause perda de empregos em setores que atualmente são amplamente ocupados por homens, como na construção e no transporte. Os empregadores devem pensar com antecedência nessa redistribuição de empregos para ajudar a garantir que uma onda de redundâncias após a mudança tecnológica não cause uma piora súbita no equilíbrio organizacional de gênero. Isso pode significar a desaceleração das perdas de trabalho, permitindo o ajuste da organização. Visar a paridade de gênero em áreas nas quais os empregos são mais seguros, como funções gerenciais, é mais importante.
Em segundo lugar, considere que a representação atual das mulheres em cargos relacionados à IA é muito baixa. De acordo com dados de 2018 do World Economic Forum e LinkedIn, apenas 22% dos empregos envolvendo inteligência artificial são ocupados por mulheres, e menos ainda na maior parte de funções seniores. Esta é uma importante disparidade, porque as pessoas que estão aprendendo, experimentando e implementando tecnologias de IA criarão as ferramentas que as organizações usarão no seu cotidiano – e qualquer viés inconsciente embutido em suas decisões pode ter sérias consequências. Por exemplo, cada vez mais os departamentos de RH estão usando algoritmos para ajudar a peneirar currículos, realizar entrevistas, determinar pagamentos e localizar problemas de desempenho. Essas ferramentas geralmente têm por objetivo ser mais objetivas que a tomada de decisão humana, mas podem facilmente dar errado. Por exemplo, a Amazon abandonou sua ferramenta de recrutamento de IA depois que descobriu que ela mostrava preferência por candidatos do sexo masculino em vez de mulheres.
Os líderes de organizações que usam ferramentas à base de IA podem ajudar a evitar o uso de ferramentas com vieses de gênero ao encorajar equipes técnicas diversificadas sempre que possível . Ter mais mulheres desenvolvendo ferramentas pode ajudar as equipes a localizar vieses acidentais de gênero, como treinar um algoritmo nos dados históricos que reflita a igualdade de gênero em quem é contratado ou promovido. Os líderes também devem verificar com regularidade a integridade dos testes usados para detectar o viés de gênero. Isso porque uma ferramenta resultante ainda pode produzir diferentes resultados para mulheres e homens mesmo quando um algoritmo foi treinado sem usar o gênero como um parâmetro dos dados. No caso de currículos, uma lacuna entre empregos ou um período mais longo sem promoções pode ser tratado por um algoritmo como indicadores negativos, mas pode ter sido por razões não relacionadas ao trabalho, como uma mãe que passa mais tempo em casa devido ao nascimento de filhos. Uma ferramenta que dê conselhos justos sobre contratação, desempenho, promoção ou remuneração com base em currículos deve fornecer as mesmas respostas sobre homens e mulheres de igual competência, sem pressupor que currículos masculinos e femininos sempre terão o mesmo significado.
O que isso tem a ver com as mulheres como minha filha, que entrará no mercado de trabalho apenas daqui a duas décadas? Existe um mar de riscos substanciais para navegar nos próximos anos, principalmente quando as mulheres são julgadas usando-se ferramentas criadas com base em dados do mundo como ele é, e não no mundo como deveria ser. Os líderes deveriam fazer verificações para garantir que as ferramentas de IA que suas organizações usam estejam ajudando a revelar o talento feminino, em vez de ignorá-lo acidentalmente.
Ao mesmo tempo, a baixa representação das mulheres em cargos nas áreas de ciência e tecnologia está ocorrendo em paralelo à alta representação das mulheres em tipos de funções que requerem inteligência emocional e habilidades avançadas de comunicação, como fonoaudiólogas, professoras de pré-escola ou terapeutas ocupacionais, entre outras. Enquanto habilidades como empatia e colaboração estão entre as mais difíceis de serem recriadas nas ferramentas de IA, muitas dessas ocupações provavelmente estarão mais protegidas das mudanças tecnológicas. Ao vislumbrarmos o futuro, uma possibilidade viável do surgimento da IA é que a capacidade das pessoas de se entenderem e trabalharem juntas pode se tornar mais valorizada à medida que as ferramentas tecnológicas nos substituam em outras áreas. Meu otimismo também me fez imaginar se, já que os trabalhadores gravitam na direção de funções mais seguras, poderá haver maior equilíbrio de gênero em cargos que tradicionalmente foram dominados por homens ou por mulheres. Se este for o caso, abre-se um leque maior de opções – e a possibilidade de maior satisfação no trabalho – para nossos filhos e filhas.
Emma Martinho-Truswell é cofundadora e COO da Oxford Insights, que presta consultoria para organizações sobre oportunidades estratégicas, culturais e de liderança a partir da transformação digital e da inteligência artificial.
Fonte HBR