Empresas que se situam em contextos e situações competitivas muito diferentes têm adotado firmemente a metodologia ágil. No entanto, uma área está particularmente ausente dessa tendência: a de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em empresas científicas. Embora práticas e conceitos ágeis estejam transformando as empresas em todos os setores, os departamentos de P&D foram deixados quase intocados em suas antigas formas de trabalhar.
Isso se dá em parte porque a abordagem científica permanece resolutamente tradicional. Ela é extremamente linear, em que uma etapa evolui para a próxima somente quando a etapa anterior estiver concluída. As unidades organizacionais são criadas em torno de domínios científicos estreitos e fornecem recursos para que equipes não muito bem definidas concluam as tarefas.
Por exemplo, no caso de um de nossos clientes da área de biotecnologia, observamos que os grupos de desenvolvimento clínico estavam trabalhando sem muita coordenação. Eles seguiram rigorosos protocolos de processos científicos e os membros da equipe se voltavam para seus chefes funcionais para todas as decisões mais importantes. A única atividade real da equipe era preparar uma apresentação completa em PowerPoint para o comitê de direção todos os meses, para mostrar a evolução. Nossa análise constatou que o desperdício e a ineficiência dessas idas e vindas entre indivíduos e suas funções quanto ao registro de informações custavam cerca de 30% de seu tempo e produtividade – e, o mais importante, reduzia a capacidade de iterar rapidamente, apesar dos benefícios óbvios que uma adaptação mais rápida traria para um processo de capital intensivo e incerto como o desenvolvimento de medicamentos.
O método de trabalho científico tradicional também é custoso. As avenidas são laboriosamente exploradas, mesmo que elas cheguem a um beco sem saída. De acordo com estudos recentes da indústria farmacêutica, a despesa média mensal de cada novo medicamento aprovado é de US$ 1,4 bilhão, e esse número vem aumentando constantemente nas últimas décadas. A produtividade geral da pesquisa nos EUA também está caindo: estimativas de acadêmicos da Stanford e do MIT avaliam um declínio médio de 5,3% ao ano.
Outros fatores que pressionam as empresas a movimentar os produtos mais rapidamente e com maior eficiência de custos incluem mudanças rápidas das regulamentações e expectativas crescentes dos acionistas em relação a investimentos em P&D com melhores resultados.
Face a todos os desafios que a maioria dos grupos de P&D conduzidos pela ciência estão enfrentando – na indústria farmacêutica e em outros setores – estruturas ágeis podem fornecer um novo valor ao apoio às equipes ao longo de sua jornada, desde descobertas inovadoras até desenvolvimentos comerciais de sucesso.
A ciência ágil em ação
Em nosso trabalho em empresas relevantes, assistimos ao surgimento do que descrevemos como ciência ágil: uma nova maneira de trabalhar, caracterizada pelo uso pragmático e adequado ao contexto de métodos e ferramentas ágeis.
Consideremos uma empresa química alemã que adotou o princípio ágil de iterações rápidas com o envolvimento do cliente desde o início do processo de P&D. Essa nova abordagem trouxe um aumento de 20% na produtividade em P&D, desativando alguns projetos ou alterando seus objetivos já no início do processo. Por exemplo, graças aos primeiros testes de protótipo com um pequeno número de clientes de um detergente industrial, a empresa decidiu suspender uma pesquisa que teria resultado em um insucesso dispendioso.
Ou observemos o caso da PTC Therapeutics, uma empresa biofarmacêutica de Nova Jersey com foco na descoberta, desenvolvimento e comercialização de medicamentos para doenças raras. A PTC enfrentou o desafio de quadruplicar o número de projetos planejados de pesquisa e desenvolvimento clínico em 24 meses, devido aos seus investimentos e fluxo crescentes em P&D. A empresa adotou uma estrutura centrada na equipe para reduzir ineficiências e possibilitar o dimensionamento rápido por meio de pesquisa, desenvolvimento clínico e grupos comerciais autônomos e multifuncionais. Enquanto essa mudança ainda está em andamento, os líderes seniores agora estão mais confiantes em gerenciar processos mais complexos com mais tranquilidade. Os resultados iniciais também sugerem que o aumento da produtividade pode ser suficiente para gerenciar o dobro de programas, além de aumentar o índice de sucesso dos projetos.
Com isso, temos uma estrutura para que mais empresas possam aderir ao movimento da ciência ágil.
1. Preveja a reação dos céticos. As percepções são importantes, especialmente em um campo tão repleto de um senso natural de ceticismo. Os cientistas são treinados para confiar apenas em experimentos controlados. Para alterar as visões negativas iniciais do método ágil, você precisará da abordagem certa para disseminar e executar os conceitos.
Sempre é útil recorrer a exemplos de peso, como o que temos com o Broad Institute of MIT and Harvard, um centro de pesquisa biomédica e genômica. Em 2016, os entusiastas do método ágil do Broad Institute lançaram uma comunidade de prática ágil aberta chamada “Agile Academia”, a fim de aprender mais sobre as práticas e como podem ser aplicadas para ajudar as equipes fora do escopo de programação de software. O grupo inclui hoje representantes de mais de 20 departamentos administrativos e laboratoriais do Broad Institute, e se reúne mensalmente para discutir práticas ágeis e coordenar treinamentos aprofundados e eventos de reunião com o método ágil para a comunidade do instituto. Como resultado, valores, rotinas e ferramentas ágeis se expandiram de forma orgânica dentre as equipes da organização à medida que mais pessoas aprendiam sobre seus benefícios
2. Enfatize o “porquê”. Concentre-se mais no “porquê” da mudança para o método ágil e não apenas no “em quê” e “como” incorporar a metodologia. O consenso em torno das metas deve nortear as decisões sobre qual modelo e práticas organizacionais devem ser aplicadas.
Na PTC Therapeutics, o método ágil foi discutido inicialmente pela equipe do comitê executivo em um workshop para entender se a metodologia se enquadraria bem na empresa. A discussão do “porquê” foi particularmente importante, levando ao alinhamento dos executivos em torno da lógica de uma mudança imediata. A empresa experimentava um crescimento acelerado e precisava transformar rapidamente sua maneira de trabalhar para gerenciar um escalonamento e complexidade mais drásticos e cumprir suas metas de médio prazo. O CEO e o COO compartilharam o plano – enfatizando esse “porquê” – com os funcionários em uma reunião da empresa. O resultado foi uma ampla adesão e forte atrativo por um treinamento envolvendo toda a empresa.
Pode haver várias justificativas para uma transformação ágil: redução de custos, aumento da produtividade, maior foco no cliente por meio da rápida adaptação aos feedbacks, aceleração da tomada de decisões, aumento do envolvimento dos funcionários, entre outras. Quando esse “porquê” é identificado e comunicado, é muito mais provável que as pessoas aceitem e até mesmo adotem a mudança.
3. Implemente com flexibilidade. O método ágil não requer uma abordagem do tipo “tudo ou nada”. Algumas rotinas e ferramentas serão valiosas e aplicáveis, outras menos, a depender do seu contexto e necessidades empresariais. Um processo rígido é a antítese da agilidade. As equipes de P&D ágeis podem não se parecer – quase certamente não se parecerão – com as equipes ágeis de programação de software, e isso é perfeitamente aceitável.
Por exemplo, durante suas explorações ágeis, vários laboratórios do Broad Institute perceberam rapidamente que um scrum diário era demais para eles. Muitos dos procedimentos de laboratório mantiveram a mesma rotina, e as equipes não encontravam qualidade em reuniões frequentes. Então eles ajustaram a cadência e o escopo de seus scrums. Algumas equipem se reuniam uma vez por semana para alinhar o trabalho e remover dependências. Outras, mais baseadas em projetos, variaram a frequência das reuniões de rotina de acordo com o fluxo do projeto de laboratório – por exemplo, diariamente durante fases que exigem muita coordenação (processamento de amostras, redação de artigos etc.), mas semanalmente ou quinzenalmente em outros momentos.
4. Concentre a organização em torno do tipo certo de equipe. As equipes são a unidade básica de produtividade em uma organização ágil. Contudo, o tipo certo de organização baseada em equipes é difícil de encontrar em empresas científicas. As pessoas são alocadas em projetos, mas continuam a se identificar com funções e departamentos claramente independentes, que usam seu domínio de conhecimento científico como uma maneira de assumir o controle de “decisões análogas”. Além dos típicos silos empresariais, os domínios do conhecimento criam feudos, protegidos de qualquer questionamento de pessoas de fora.
Na PTC Therapeutics, as equipes ágeis multifuncionais se tornaram a unidade básica de seu novo componente de desenvolvimento clínico. A empresa criou o que chamamos de “fusão de funções”, capaz de alocar dinamicamente recursos “on-demand” a equipes ágeis recém-definidas, habilitadas a conduzir a tomada de decisões dentro de seu escopo definido, sem qualquer atrito dos antigos silos funcionais.
Por exemplo, para um programa de medicamentos em desenvolvimento clínico avançado, a equipe principal é majoritariamente composta por profissionais que se dedicam em período integral a operações clínicas, e questões regulamentares e médicas. O titular de produto é um profissional de marketing apoiado por um coach ágil (semelhante ao scrum master em outras organizações). A fusão de funções opera como um agrupamento de profissionais e atende ao equilíbrio da demanda e da oferta de talentos em médio prazo.
As equipes estão agrupadas em torno de uma divisão terapêutica, com um líder que equilibra prioridades e interdependências para projetos relacionados ao mesmo medicamento entre várias equipes da divisão, primando por uma integração bilateral das prioridades e objetivos estratégicos da empresa, com autonomia vertical e ascendente, e garantindo resultados das equipes. A PTC Therapeutics espera não apenas mais eficiência desse modelo empresarial ágil (ou seja, um escalonamento com o menor atrito e utilizando menos recursos), mas também acelerar seus ciclos de desenvolvimento clínico.
O uso do método ágil na ciência está apenas começando. As comunidades científicas entrincheiradas resistirão à mudança dos seus hábitos de trabalho. No entanto, à medida que essas organizações pioneiras mostrarem resultados e experiências positivas, é bastante provável que a demanda pela ciência ágil aumente. O aprendizado e a adaptação, afinal de contas, estão no cerne da ciência.
Alessandro Di Fiore é o fundador e CEO do Centro Europeu de Inovação Estratégica (ECSI) e da ECSI Consulting. Ele vive e trabalha entre Boston e Milão. Seu e-mail para contatos é adifiore@ecsi-consulting.com.
Kendra West é consultora sênior da ECSI Consulting.
Andrea Segnalini é consultora sênior da ECSI Consulting em Milão.
Fonte HBR