Em um artigo anterior (Nos palcos da gestão: o maestro como líder comunicador), comentei como a figura do maestro nos ajuda a discernir atributos da boa comunicação: a clareza, a empatia, a capacidade de dizer o que é necessário na hora certa – por gestos ou palavras. Mas, além de um líder comunicador, o maestro também é um administrador de recursos escassos, como tempo e talento. Trabalha, portanto, sob pressão. É um artista que cria dentro de certos limites, alguns mais rígidos, outros que pode se esforçar por modificar.
Em primeiro lugar, o maestro não é um livre agitador de braços. Seu primeiro limite é a partitura. Sua expressão gestual deve ater-se ao que é pedido pelo compositor. Logo, além dos limites por escrito, as notas, as indicações de ritmo e dinâmica registradas no papel, o maestro tem que obedecer à intenção do autor da obra executada. Mais um limite! E logo outro limite: a performance que o maestro ensaia com seu grupo deve fazer sentido para o estilo da música executada: uma obra barroca ou do romantismo? Um arranjo de MPB? Um jazz que aceita grandes improvisos?
Mas o maestro não está só preso ao limite da obra que deve interpretar. Está compactado entre essa obra, entre o que uma performance de excelência pede ou pediria, e a equipe de que dispõe. Músicos profissionais bem remunerados, contentes com o trabalho e com muito tempo para ensaiar ou músicos voluntários que dispõem de uma horinha na semana para aquela atividade, e ainda precisam se divertir para que continuem participando? É preciso preparar o concerto para a próxima semana, o próximo mês ou daqui a três meses? E a cobrança do patrocinador?
Logo se percebe que a regência não é tão romântica quanto parece. Também o maestro, como qualquer trabalhador, atua dentro de uma cadeia de subordinações e limites com a qual deve lidar. E, equilibrando-se nesses limites, precisa manter a determinação e fazer sua atividade criativa dar bons frutos. O cargo do maestro contém, em seu desenho, o horizonte de suas demandas e restrições. Entre aquilo que precisa realizar (em função de seu cargo ou de ordens superiores) e as limitações internas ou externas ao grupo ou organização, o maestro precisa decidir. Decidir é contrariar uns para agradar outros, é dar prioridade a um objetivo e postergar outras necessidades.
O maestro precisa cair do pódio várias vezes. Primeiro, para aprender a decidir com os outros, abrindo mão daquela posição de quem reina sobre toda a equipe. Depois, para aprender a tomar as decisões que agreguem consenso, para que não caia de seu posto. Pensemos nas decisões do maestro e depois poderemos continuar refletindo sobre a arte de decidir que todo administrador precisa dominar. Qualquer regente precisa decidir desde as mais simples questões – onde ensaiar, a que horas – até pontos cruciais para sua atividade, como qual repertório ensaiar, como programar o concerto, etc. Cada decisão é uma abertura ao risco de insatisfação. Mas deixar de decidir é também uma decisão e não é uma opção sustentável por muito tempo.
Uma prática japonesa de gestão é o nemawashi, a construção do consenso. Todos podem expressar suas opiniões, mas – espera-se – podem ao final ser persuadidos pelo bem comum, podem concordar com a solução melhor para o grupo. É um processo demorado. Consome tempo e paciência. Só decidir por unanimidade pode prolongar uma reunião por dias. Mas, em certos casos, não é a melhor solução decidir sem descontentes? Cabe ao líder, ao gerente, ao regente o senso de oportunidade sobre quando e quais decisões devem ser tomadas assim.
Reflitamos sobre duas opiniões de quem entende do assunto: o grande maestro holandês Bernard Haitink deu seu parecer de que “Um grande regente sugere, não impõe”. Seu colega italiano Carlo Maria Giulini sugeriu: “A obediência deve vir da convicção. Eu prefiro convencer”.
Rita Fucci-Amato é maestrina, pós-doutora em Gestão (USP) e autora dos livros Do gesto à gestão e A voz do líder.
Fonte: Harvard Business Review