No século 21, o investimento das empresas em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) tem sido vital para que um país garanta seu lugar na economia mundial. Assim, o conhecimento e a tecnologia são considerados hoje os novos fatores de produção no mundo globalizado e compõem as principais forças responsáveis por agregar riqueza a uma sociedade. Este é o conceito básico do termo “economia do conhecimento”, que considera a geração de capital intelectual essencial para que seja possível trilhar esse novo caminho.
A posição privilegiada e a tradição em inovação tecnológica dos países do primeiro mundo, com investimentos atrelados ao respectivo PIB, podem nos levar a pensar que somente essas nações possuem capacidade para atuar por meio do conceito de economia do conhecimento. No entanto, observo que as pesquisas em países emergentes possuem um cenário mais propício para inovação por apresentarem realidade distinta das nações mais desenvolvidas, que não têm muitos dos desafios e ambiente econômico e regulatório que os emergentes enfrentam.
Os países emergentes criam oportunidades para as empresas desenvolverem novos modelos de negócio baseados em inovadoras tecnologias e processos por dois motivos principais. Primeiro porque muitas vezes não dispõem dos recursos (financeiros ou técnicos) das economias desenvolvidas e, segundo, porque encaram condições adversas já superadas por essas mesmas sociedades. Por essa razão, estão abertos à criação de soluções nunca antes pensadas ou implantadas. Outra questão de extrema relevância é a atuação da pesquisa vista como agente de transformação social. Por focar problemas de grande importância, uma descoberta para solucionar desafios impacta diretamente uma sociedade, com suas deficiências e com os problemas de desenvolvimento sustentável e de inclusão financeira, educacional e de saúde que ela tem de enfrentar, e pode mudar-lhe profundamente a realidade socioeconômica.
Um exemplo de inclusão financeira é o modelo de transferência bancária desenvolvido no Quênia, com a participação da IBM Research Africa, um dos nossos laboratórios de pesquisa nos países emergentes. As pessoas que trabalham nos centros urbanos daquele país enfrentavam grande dificuldade para enviar remessas de dinheiro a seus familiares da região rural devido à ausência de agências bancárias nas cidades do interior. Então, foi desenvolvida uma solução baseada na tecnologia USSD (unstructured supplementary service data), similar às mensagens SMS que enviamos para celulares. De forma simplificada, a transação ocorre da seguinte forma: a pessoa compra de um agente créditos pré-pagos para celular na quantia da remessa que deseja enviar e, na sequência, seu familiar recebe um SMS com o valor do crédito. Ao receber a mensagem, ele procura outro agente em sua cidade para retirar em espécie o valor remetido.
Essa solução na área de telecomunicações foi ampliada para investimentos em poupança e concessão de microcrédito. Em relação à poupança, junto com a oferta do serviço houve um trabalho educativo com mulheres das comunidades rurais africanas para que entendessem o funcionamento e os benefícios desse tipo de aplicação, pois a maioria delas é responsável pelas finanças da família. No microcrédito, os bancos do Quênia estão utilizando os dados gerados por essas transações mais as informações demográficas para construir um histórico financeiro e análise de risco cognitivo desses clientes, já que a maioria é desbancarizada, fato que dificulta a liberação de crédito. O ambiente regulatório do Quênia permitiu o desenvolvimento de um novo modelo de negócio usando tecnologias móveis e fez com que o país liderasse mundialmente a adoção de dinheiro digital: mais de 17 milhões de quenianos usam esta tecnologia.
A pesquisa também nos mostrou uma oportunidade de negócio inexplorada na área de microcrédito no Brasil. Amostras locais de campo apontaram que os pequenos comerciantes trabalham com o conceito de microcrédito ao vender fiado. Esse sistema funciona como se os clientes possuíssem um valor pré-aprovado por honrarem suas dívidas com o estabelecimento, pois quitam suas contas pontual e mensalmente. Assim, o comerciante tem como certa a entrada no caixa das quantias pagas pelos fregueses com “bom nome na praça”. Ocorre que o comerciante fica com o dinheiro imobilizado até que o cliente pague efetivamente, o que pode prejudicar seu fluxo de caixa. A proposta dos nossos pesquisadores, que está em estudo e fase de testes, é digitalizar o caderninho do “fiado” do comerciante e disponibilizar as informações para as instituições financeiras entenderem esse processo e, assim, fornecer soluções de crédito ao microempreendedor que, por sua vez, poderia utilizá-las em proveito do seu negócio, como reformas de expansão, compra de equipamentos e estoque, por exemplo.
A tecnologia a serviço da educação
Na Índia, nos campos da inclusão social e da educação, a IBM Research está desenvolvendo um conjunto de tecnologias para ensino personalizado e adaptável. O objetivo é utilizar análise de dados e instrumentação em escala (big data) no ensino individual e, assim, melhorar os resultados de aprendizagem e orientar os alunos na carreira profissional. As principais tecnologias que estão sendo desenvolvidas visam a estratificação de risco da aprendizagem, que atua na verificação do resultado pretendido e na análise de conteúdo, para ajudar alunos e professores a aproveitar repositórios de informações e receber recomendações individualizadas; e recursos personalizados, que são intervenções para assimilação contínua de conteúdos pelo aluno por meio de caminhos personalizados.
Esses avanços são necessários porque o volume de informações que precisam ser assimiladas pelos estudantes cresce de maneira exponencial e a tecnologia atua como um facilitador de aprendizagem. Segundo nosso estudo “O futuro da aprendizagem: Ativando o crescimento econômico” (em inglês, The future of learning: Enabling economic growth1), de janeiro de 2014, o mundo a que uma criança de 6 anos tem acesso na escola hoje é muito diferente do que ela encontrará quando entrar no mercado de trabalho. De dois em dois anos, a taxa atual de crescimento de informações quase duplica. Uma criança precisa de 64 mochilas para levar todo o conhecimento atual do mundo inteiro, do ensino fundamental até se formar.
O interesse econômico na melhor formação dos profissionais do futuro faz com que projetos educacionais sejam financiados por diversas fontes de interesse, do governo a organizações que atuam com pesquisa, tecnologia e educação. Há diversos projetos em andamento, como é o caso da parceria da IBM com a Pearson para desenvolver a infraestrutura de TI que possa ajudar a construir e implementar a próxima geração de ferramentas digitais de aprendizagem nas escolas. É um movimento muito necessário para a Índia, conforme apontado pelo Relatório de Curva de Aprendizagem, da Pearson, em 2014: 70-80% das pessoas da Índia não estão online e 90% das escolas do país não têm acesso à internet.
Seguindo essa mesma linha de pesquisa, nossos pesquisadores no Brasil desenvolveram uma plataforma personalizada para treinamento vocacional usando dispositivos móveis chamada Educação Vocacional Acessível (EVA). Parte do projeto foi custeada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Essa tecnologia permite que o professor personalize o gráfico de conhecimento e conteúdo para cada aluno de acordo com suas melhores aptidões. A ideia é que os alunos possam receber conteúdo digital mais adequado a suas habilidades, tornando o ensino mais efetivo.
No campo da sustentabilidade, o Green Horizon é outro importante projeto impulsionado pela pesquisa com impacto socioeconômico. A IBM Research da China desenvolveu um sistema de previsão de poluição no país que está ajudando diversas cidades a analisar dados de redes de sensores e imagens de satélite e obter estratégias inteligentes para reduzir a poluição. Por meio de um sistema de computação cognitiva tem sido possível apontar o tipo, a origem e o volume de emissão de poluentes e, assim, antecipar o nível da qualidade do ar. Isso permite aos governos municipais, empresas de serviços públicos e indústrias compreender e melhorar sua relação com o meio ambiente e com isso resolver questões prementes relacionadas à poluição do ar e mudanças climáticas.
Menos poluição
O maior progresso verificado é na capital, Pequim, onde trabalhamos em parceria com o Beijing Environmental Protection Bureau produzindo mapas que mostram as fontes e a dispersão de poluentes em toda a arquitetura da cidade com 72 horas de antecedência. O sistema ainda é capaz de prever tendências de poluição do ar com dez dias de antecedência. Com esse aviso prévio, as autoridades podem desenvolver políticas industriais locais e preparar melhor a população. No último mês de dezembro, pela primeira vez desde que o sistema foi criado, em 2013, o governo emitiu aos cidadãos um alerta vermelho para a poluição. Os esforços estão valendo a pena. Nos três primeiros trimestres de 2015, o governo de Pequim foi capaz de reduzir a poluição de partículas finas em 20%, aproximando-se do objetivo de reduzi-las em 25% até 2017.
No início do projeto, um time de pesquisadores do Brasil contribuiu com a iniciativa Green Horizon. Nossa experiência no desenvolvimento de um sistema de previsão de chuvas para o Centro de Operações Rio de Janeiro (COR) foi levada para a China, o que ajudou a interpretar dados e hipóteses de presciência de situações de risco com a poluição atmosférica.
Esse exemplo mostra como atuamos com pesquisa em países emergentes há 20 anos com uma rede de cientistas — são 3 mil pesquisadores em seis continentes — que trocam conhecimento e aprendizado buscando soluções para problemas locais que são também aplicáveis ao redor do mundo. Percebemos que os resultados de nossos estudos impactam diretamente a realidade desses locais, como vimos nos exemplos citados. Avaliamos que a maior razão desse sucesso é a sincronização de nossos objetivos com as preocupações da população local e a contribuição para o desenvolvimento econômico e social. No Brasil, por exemplo, num momento em que enfrentamos uma redução de demanda de commodities, temos uma oportunidade única de criar novas soluções nas áreas de recursos naturais e nos estabelecer como líderes globais em uma economia de conhecimento em práticas sustentáveis em agricultura, mineração e petróleo usando tecnologias emergentes como a Internet das coisas (IoT) e a computação cognitiva.
Por isso, acreditamos que investimentos em pesquisa básica e aplicada vão muito além da criação de oportunidades de negócio, pois, com eles, a empresa passa a atuar como agente transformador socioeconômico de um país, inserindo-a em uma cadeia de inovação local, mas com colaboração global. Espero que estas experiências dos nossos laboratórios de pesquisa na Índia, China, Brasil e países da África inspirem outras empresas a se dedicar ao estudo de desafios dos países emergentes. Além disso, os centros de pesquisa privados devem ser mais que desenvolvedores de produtos: devem usar seu capital intelectual para servir de motor de transformação social e econômica nessas nações.
Por: Ulisses Mello