Quase todas as empresas familiares com as quais conversamos recentemente estão sendo profundamente desafiadas a se reinventarem de alguma forma em função da pandemia do COVID-19.
Os resultados preliminares de uma pesquisa que lançamos indica que aproximadamente 90% dos respondentes sofreram um impacto negativo nos seus negócios. Alguns estão lutando para sobreviver ou gerenciar os efeitos de uma grande queda na receita. Outros estão vivenciando um inesperado crescimento na demanda ao mesmo tempo que enfrentam um grande gargalo na cadeia de suprimentos. A maior parte está se sentindo isolada enquanto toma decisões que poderão ditar o seu futuro.
Já existe disponível vasto material para apoiar as empresas no gerenciamento do impacto do coronavírus. Porém as empresas familiares diferem das outras empresas, pois sua forma de propriedade lhes dá a capacidade de executar ações críticas que podem ajudá-las nesse momento difícil.
Proprietários de empresas familiares, exercendo ou não um papel executivo na empresa, possuem um poder que normalmente fica adormecido e geralmente não é bem vindo. Eles têm o direito de alterar quase todos os aspectos de como a empresa funciona: o que ela possui, como as decisões são tomadas, como o sucesso é medido, quais informações são compartilhadas e como a liderança é passada de uma geração para a seguinte. Através do exercício de seus direitos, os proprietários de empresas familiares têm a capacidade de posicionar a empresa para o sucesso a longo prazo ou condená-la ao fracasso. Em circunstâncias normais, esses são direitos poderosos, que os proprietários precisam exercitar cuidadosamente. Mas, num negócio em crise, o poder dos sócios é amplificado.
Diferente das companhias de capital aberto, que tipicamente focam na maximização do valor para os acionistas, famílias empresárias valorizam objetivos que normalmente vão muito além dos retornos financeiros (por exemplo legado, reputação). Esta crise está forçando empresas familiares a fazerem escolhas entre objetivos que antes eram inimagináveis, e tudo isto enquanto lidam com a complexa dinâmica da família. O stress, a ansiedade e o medo gerados pela crise podem potencializar ainda mais esta desafiadora dinâmica, paralisando o processo decisório em toda a empresa ou ainda causando uma espiral de conflitos de forma descontrolada.
Por outro lado, a crise pode ser uma chamada à ação, gerando nos proprietários de empresas familiares um enorme engajamento, deixando de lado as diferenças e tomando decisões que permitam com que o negócio sobreviva.
Nossa pesquisa mostra uma divisão entre estas duas reações: 29% dos entrevistados estão vivenciando um impacto negativo nas relações familiares causado pela crise do COVID, enquanto 24% estão vivenciando um impacto positivo. (o resto não viu impacto nenhum nas relações familiares). O impacto final desta crise na sua empresa familiar vai ser substancialmente influenciado pela forma com que você, como dono, responde aos desafios impostos. As escolhas que você faz ou deixa de fazer, afetará a forma como os executivos da sua empresa administram a crise e que tipo de empresa, se ela sobreviver, surgirá ao final.
Destacamos cinco ações específicas que os donos de empresas familiares deveriam tomar a fim de se certificarem que os líderes da empresa – especialmente os conselheiros e os principais executivos – possuem as orientações e ferramentas necessárias para reagirem à crise:
1. Defina que parte da empresa familiar você deseja preservar.
• Quais ativos da empresa familiar devem ser mantidos e onde há flexibilidade para vender ou sacrificar parte para salvar o todo?
• Em que circunstâncias você consideraria abrir a sociedade para funcionários, sogros ou investidores externos para trazer novas formas de capital?
• Você consideraria mudar seu modelo de sociedade e controle?
No coração dos negócios da sua família estão as escolhas que vocês fizeram sobre o que possuem, quem pode ser o proprietário e como os proprietários exercem controle. Juntos, vocês determinam o que significa ter um negócio de família. Você precisa esclarecer se alguma dessas opções pode ser revisada ou se os líderes da empresa precisam trabalhar dentro dessas restrições.
2. Revise suas estruturas e processos de governança.
• Você possui os fóruns que precisa nas “quatro salas”: sala da família, sala de proprietários, sala do conselho e sala da gestão? Se você está sentindo falta de uma sala importante durante a crise, como irá preencher essa lacuna?
• Como você tomará as principais decisões que enfrentará? Existem certas decisões nas quais os proprietários devem estar mais ou menos envolvidos? Você tem certeza sobre quem tem autoridade para tomar decisões importantes?
• Você precisa revisar as políticas que definiu (por exemplo, dividendos, emprego familiar)? Ou você precisa definir novas políticas para lidar com essas circunstâncias únicas?
Gerenciar uma crise requer a capacidade de tomar decisões importantes mais rapidamente do que nunca. Ações que pareciam drásticas há vários meses podem rapidamente se tornar insuficientes para os desafios enfrentados pela empresa. Incorporado aos negócios da sua família, há uma maneira de trabalhar que pode precisar se ajustar. Cabe a você, como proprietário, “decidir como você vai decidir” durante os períodos difíceis.
3. Revise sua “estratégia de proprietário” para a empresa.
• Quais valores guiarão suas ações durante a crise?
• Como você negociará com seus parceiros? Por exemplo, como você prioriza as necessidades de funcionários (salários, benefícios), clientes (permanecendo flexível, concedendo crédito) e fornecedores (pagando contas)? Existem certos objetivos para os quais você está disposto a perder dinheiro (por exemplo, reter funcionários, apoiar a comunidade)? Dois terços dos entrevistados dizem ter reduzido ou cortado despesas operacionais para economizar.
• Você está aberto a mudar a estrutura de capital da sua empresa? Você aumentará seus limites de endividamento se a empresa precisar de dívida adicional? Você está disposto a recapitalizar a empresa? Mais de 40% dos entrevistados estão levantando recursos adicionais por meio de novas dívidas ou aumento de capital.
• Você reduzirá dividendos? Cerca de um terço dos entrevistados reduziu dividendos ou planeja reduzi-los. Os donos têm o direito e a responsabilidade de definir o que significa sucesso nos seus negócios. Isso envolve fazer trocas entre diferentes objetivos, financeiros e não financeiros. Os líderes dos negócios precisam saber o que mais importa para você, para que possam fazer o melhor para alcançá-lo.
4. Use a comunicação para manter a confiança nos relacionamentos.
• Como vocês permanecerão conectados uns com os outros e com o resto da família?
• Como você se manterá informado sobre o que está acontecendo na empresa, e como compartilhará suas dúvidas e preocupações?
• O que deve ser compartilhado com os funcionários sobre a situação dos negócios e seu compromisso com o futuro?
• Como você gerenciará a comunicação com o público e a imprensa, especialmente se forem necessárias decisões difíceis?
Um dos ativos mais valiosos de uma empresa familiar são os relacionamentos confiáveis que são construídos ao longo do tempo com membros da família, funcionários, clientes, fornecedores e comunidade. Confiança requer transparência. Especialmente em uma empresa privada, os donos controlam a quantidade de informações que podem ser fornecidas às partes interessadas. Ajude os líderes da empresa a determinar o que pode ser compartilhado com cada um dos seus principais stakeholders.
5. Considere as implicações para a transição para a próxima geração.
• Os líderes familiares atuais precisam permanecer mais tempo do que o planejado no cargo para administrar os negócios da família? Ou eles precisam abrir caminho para novas ideias eenergia inexplorada?
• Você deve acelerar os planos de sucessão patrimonial aproveitando a desvalorização dos ativos? Ou você devecolocá-los em espera em função do custo ou da distração?
• Como você pode usar esta oportunidade para ensinar às gerações futuras seus valores e princípios fundamentais?
As empresas familiares que desejam atravessar gerações ficam de olho tanto no presente quanto no futuro. Em geral, uma crise é um momento para estreitar o olhar. Mas também pode ser a janela de oportunidade para fazer alterações desejadas há muito tempo. Os executivos da empresa estarão olhando para os proprietários para ver em que medida os planos de transição precisam ser acelerados ou guardados na prateleira.
Não há maneiras certas ou erradas de responder a essas perguntas. O importante é que os sócios analisem coletivamente cada uma dessas cinco áreas e abordem as ações mais importantes a serem tomadas para ajudar os executivos a enfrentarem a crise atual e se prepararem para o longo prazo. O alinhamento é vital – as empresas com um grupo de sócios unidos podem agir com tempestividade, enquanto uma empresa com sócios divididos muito provavelmente não sobreviverá.
Sugerimos que vocês comecem se organizando como sócios para realizar o trabalho e se manter alinhados. Quantas vezes vocês se encontrarão? Em que local (pessoalmente, teleconferência, vídeo)? Quem é responsável por definir a agenda e facilitar a reunião? Quem mais deveria estar na “sala” quando vocês se encontram (por exemplo, CEO ou CFO da empresa, presidente do conselho, diretor do Family Office)? Em uma crise, os fatos mudam rapidamente. Os sócios precisam encontrar a cadência certa que lhes permita permanecer à par do que é importante sem sobrecarregar a equipe de gestão.
Na mesma pesquisa, 42% dos entrevistados disseram estar mais envolvidos nas decisões do que antes (menos de 5% disseram estar menos envolvidos). Os sócios precisam ajudar os executivos dos negócios, encontrando o nível mais construtivo de envolvimento, o que provavelmente será um equilíbrio entre intervir (“mãos à obra”) e recuar (“lhes dar espaço para trabalhar”). Procure os lugares em que vocês devam avançar ou recuar.
Ao fazerem seus trabalhos, reconheçam as emoções e ajudem-se mutuamente através dos altos e baixos. Concentrem-se no objetivo comum de sair da crise com a empresa intacta. Ficar juntos durante a crise atual é essencial para sustentar o que vocês já construíram.
As empresas familiares possuem características financeiras e não financeiras que lhes permitem ter um desempenho de longo prazo melhor do que outros tipos de empresas em ambientes normais e de crise. Normalmente são ótimas empregadoras, apoiadoras de suas comunidades, disciplinadas financeiramente e possuem sócios comprometidos. A ajuda dos sócios de forma produtiva será fundamental para as empresas familiares atravessarem esta tempestade.
Josh Baron é sócio e co-fundador da BanyanGlobal Family Business Advisors e professor adjunto na Columbia Business School. Ele é o co-autor do próximo Harvard Business Review Family Business Handbook (HBR Press, janeiro de 2021).
Ben Francois é diretor da BanyanGlobal Family Business Advisors, especializado em estratégia de propriedade de empresas familiares.
Fonte HBR