Às vezes, aparece sem aviso prévio – um ataque de desprezo. Assim como um ataque de pânico, surge de repente e toma conta da pessoa. Você sente um turbilhão de emoções e uma irritação incontrolável: seu colega de trabalho está fazendo você perder seu tempo, sugando seus esforços, enfraquecendo a equipe. Ela é fraca, preguiçosa, e propositalmente desorientada. No auge da crise, você já não consegue mais se concentrar no assunto em questão. O problema é mais profundo. O que o incomoda nessa pessoa não é tanto o que ela está fazendo, mas quem ela é.
A maioria dos líderes já passou por ataques de desprezo, vez ou outra, especialmente em momentos de crise, incertezas e estresse. Espera-se que os líderes sejam fortes e resilientes durante esses momentos. No entanto, essa mesma força os torna vulneráveis a ataques desse tipo, pois, no calor do momento, eles se esquecem de que nem todo mundo é tão forte e resiliente como eles próprios.
Vamos imaginar uma CEO fictícia, que vou chamar de Gwen, na liderança de uma conhecida instituição financeira. Durante a crise de 2009, Gwen era a imagem da tranquilidade: sempre com os cabelos cuidadosamente penteados, um terninho Chanel e o compromisso a fazer o que fosse necessário para ajudar a empresa a superar a crise, o que conseguiu, com proeza. Com motivos para tanto, passada a crise, Gwen estava orgulhosa de si mesma. Nas suas próprias palavras, “Sob pressão, acalmei meus ânimos, mantive a estratégia, e consegui que todos realizassem um trabalho brilhante”.
No trabalho que desempenhou, manteve-se firme diante de pressões que abalariam a maioria das pessoas. Infelizmente, muitas das pessoas que trabalhavam com ela não gostaram nem um pouco da experiência. Como uma dessas pessoas exemplificou, ela foi uma “rainha tirana e fria”, que não se importava com a própria equipe. Conduziu o time incansavelmente, gerenciando cada detalhe, e assumiu pessoalmente algumas tarefas, ao perceber que integrantes da equipe estavam deixando a desejar. Na sua opinião, essa atitude teve o objetivo de salvar a equipe, mas os funcionários reagiram com ingratidão, e ela não conseguia entender por quê. Gwen pode ter ganhado a guerra ao atravessar a crise com êxito, mas sua equipe estava infeliz, e ela certamente não conquistara a paz. Portanto, para reverter a situação, o Conselho insistiu para que ela contratasse os serviços de coaching, e eu acabei sendo a pessoa escolhida por ela para realizar esse trabalho.
No nosso primeiro encontro, ela não poupou críticas. “Eles acham que sou eu que preciso de coaching!”, disse ela. “Mas é a equipe que precisa, não eu. Eles falharam. Colocaram toda a nossa empresa em risco, e eu tive de carregar tudo nas costas. Eu vi o feedback deles: Eu preciso ouvir e desacelerar. ‘Levar todos comigo’. Eu deveria ser mais aberta? E esperam que eu seja sensível?”
Ela apertou os olhos e se inclinou na minha direção, exalando fúria e desprezo por todos os poros do seu ser.
“Francamente, Carol. Eu preferiria caminhar sobre brasas”, completou.
Gwen não é uma pessoa “má”. Ela se sentiu traída por sua própria equipe que, na sua opinião, a abandonara quando ela mais precisou, e agora ameaçava sua liderança. Jamais lhe ocorreu que os membros da equipe pudessem não ser tão incansavelmente resilientes e mentalmente resistentes quanto ela. Cega a essas questões, ela foi incapaz de se dirigir aos funcionários com empatia; em vez disso, presumiu que eles haviam optado por abandoná-la. Do seu ponto de vista, eles mereciam seu desprezo.
Em décadas de trabalho como coach executiva, já vi versões dessa história se repetirem inúmeras vezes. Os homens são mais propensos a experimentar ataques de desprezo do que as mulheres, mas, como o caso de Gwen deixa claro, líderes de ambos os gêneros estão sujeitos a isso. E, não importa qual seja a situação, tais ataques colocam líderes, equipes e empresas em risco. Simplificando, o desprezo pode ser perigoso em um líder.
Assim como foi perigoso algo que aprendi anos atrás, quando fiz parte de uma equipe de pesquisa no Maudsley Royal Hospital, em Londres, estudando o que chamamos de “níveis de emoção expressa”. A conclusão desse estudo foi alarmante. Trabalhando com pacientes que haviam passado por episódios de depressão ou esquizofrenia, concluímos que um grande número de observações feitas em tom de crítica ou desprezo por alguém da família funcionava como um gatilho para a recaída, tão poderoso quanto deixar de tomar a medicação.
Como líder, é preciso reconhecer o quanto seu desprezo pode ter o poder de afetar as pessoas com quem trabalha. Ignorar esse fato é arriscado. Felizmente, existe treino para se tornar sempre alerta aos sinais de um iminente ataque de desprezo, para, assim, ajudar a si mesmo a mudar de atitude.
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Consciência é tudo. Um sinal inicial de um iminente ataque é a vontade de virar os olhos. Outro é pensar na pessoa com sentimento de depreciação. (“Que fracassado”, “Recomponha-se”). Você sente o escárnio se aproximar? Você olha para aquela pessoa de cima, ou a acusa de agir com fraqueza? Se isso estiver acontecendo, você está deixando a zona de segurança psicológica que envolve a ambos, e está perdendo eficiência, como líder. Não deixe esse sentimento sequestrar a sua amígdala cerebral e tomar conta de suas ações. Ao reconhecer que um ataque está a caminho, desativá-lo deve ser seu único objetivo. Somente após controlar seu próprio comportamento, é que poderá pensar sobre o da outra pessoa.
Agora, vejamos como um outro cliente meu – vamos chamá-lo de John – lidou com uma situação desse tipo.
Segunda pessoa na escala de comando de uma gigante farmacêutica, John foi nocauteado pelo surgimento da covid-19. No entanto, ele logo enxergou uma oportunidade que a maioria não viu. Sua atitude, conforme ele próprio me descreveu, foi a seguinte: “A situação é péssima, e estamos correndo contra o tempo para desenvolver uma vacina, mas nossos pais e avós passaram por algo muito pior, na Segunda Guerra Mundial”.
John, então, descreveu sua equipe de liderança. “Alguns são fantásticos”, disse ele. “Realmente se destacam, e nem sempre são aqueles que mais esperamos. São incríveis. Mas outros? Estão simplesmente perdidos. O que estão fazendo? Parados lá, enquanto eu preciso deles. É patético”.
John riu com sarcasmo, virou os olhos e disse: “Um homem, Kevin – eu não consigo entender. Tem medo até da própria sombra, pelo amor de Deus. Ele precisa agir, em vez de se esconder em casa, tremendo, debaixo da mesa”.
Ouvindo o que ele dizia, fiquei perplexa. A atitude dele era chocante. Eu o conhecia como um líder querido, altamente colaborativo e empático, mas, de repente, ele disparou um discurso preconceituoso. E identifiquei sinais que acusavam desprezo em sua voz Como ele podia ser tão insensível? Aquilo me fez lembrar de Gwen, e eu me dei conta. Ele era ex-militar e, assim como Gwen, um destemido. Era a definição de alguém que fazia “tudo certo”, mas não fazia ideia de como era não ser assim.
“John, você se lembra do que gostava de fazer quando tinha 20 e poucos anos?”, eu perguntei.
Ele me olhou surpreso.
“Antes de servir o Exército, você não pilotava helicópteros como hobby? Cada vez que decolava, não tinha de encarar a morte e superar seu próprio medo?”
Ele concordou, balançando a cabeça.
“Nas centenas de vezes que apertou o cinto de segurança naquele assento, você estava construindo sua resistência ao perigo. É como se tivesse blindado a si mesmo contra o medo, dia após dia. E você adorava, não é mesmo?”
“Bem, é verdade”, admitiu ele, olhando para baixo. “Eu pilotava ‘costurando’ as árvores por pura diversão”.
Eu mal posso imaginar a cena de um helicóptero zunindo a quase dez metros de altura. Por diversão?
“O ponto é o seguinte”, eu disse. “Você desenvolveu nervos de aço. Poucas pessoas têm a sua fortaleza de espírito. Isso significa que o normal não é ser como você. Mas como Kevin. Você não pode julgar o comportamento dele pelo seu”.
John é esperto, e levou apenas alguns segundos para entender.
“Você tem razão”, disse ele. “Caramba! Eu jamais tinha pensado sob esse ângulo. Kevin não merecia essa atitude minha. Que bom que eu não liguei para ele ontem. Não seria nem um pouco bonito”.
“E agora?”
“Eu vou ser muito mais gentil”.
***
No meu trabalho como coach, descobri que os líderes podem dar vários passos para evitar um ataque de desprezo:
• Se você é um líder excepcionalmente forte e resiliente, assim como John, reconheça que o diferente é você, e não julgue os outros com base em si mesmo. Em vez disso, pense no que o preparou para essas experiências, tornando-o mais forte. Em seguida, aplique esse raciocínio aos outros, que não foram treinados da mesma forma que você. Use a energia gasta com a atitude de perguntar “Qual o problema deles?”, para criar um ambiente para fortalecê-los. Não seja tão rápido ao julgar as pessoas como sendo fracas. Você não faz ideia do que elas podem estar passando. E também não se esqueça da loteria genética, pois parte da sua estabilidade mental pode ser inata, e não criada graças a seus esforços.
• Lembre a si mesmo de quem essa pessoa é, de fato; não apenas quem ela está sendo nesse momento. Caso se perceba diminuindo-as, veja se consegue identificar três coisas nelas que mereçam seu respeito. Que conquistas delas são importantes para você ou para a empresa? Quando elas se desdobraram a seu favor ou em defesa de alguém da equipe? Caso não consiga pensar em nada, pode ser que esteja estressado demais para pensar friamente, ou que precise voltar a atenção para si mesmo. Se essa pessoa não está à altura da sua equipe, por que ainda está lá? Se você escolheu mantê-la na equipe, a culpa não é dela.
• A empatia requer um esforço extra. Atravesse a ponte que o separa dessa pessoa, tente enxergar o mundo sob a perspectiva dela, e então ajude-a a enxergar o seu lado. Foi o que Gwen fez. Em uma das nossas últimas sessões, flagrei-a com um caderninho preto aberto em uma página com uma longa lista de nomes. Cerca de metade deles tinham um sinal de visto ao lado. “Carol, você vai se orgulhar de mim”, disse ela. “Na última vez, falamos na ideia de eu conversar com as pessoas para tentar entendê-las melhor. Então, eu fiz uma lista de nomes, e comecei a fazer isso. É minha campanha da gentileza, e está sendo maravilhosa. As pessoas não são nada do que eu pensava. São inteligentes e interessantes. Agora eu entendo”.
• Por fim, para criar o impacto que deseja, faça as seguintes perguntas a si mesmo: Quem eu quero ser neste momento? Estou vivendo de acordo com os meus valores? Repita essas perguntas umas 30 vezes hoje. E faça o mesmo amanhã.
Carol Kauffman (carolkauffman.com) é professora assistente na Harvard Medical School e fundadora do Institute of Coaching. Kauffman está em primeiro lugar no ranking Leadership Coach da Marshall Goldsmith, e é citada como uma das oito primeiras na lista da Thinkers50.
Fonte HBR