Não sei você, mas neste momento fica fácil julgar as pessoas. No final da semana passada, uma colega me disse no Slack que iria ficar offline por um tempo, enquanto recebia a babá, que estava para chegar a qualquer momento. A primeira coisa que pensei foi, “isso não é manter distanciamento social”. Por um instante, fiquei brava com ela. Como ela podia deixar outra pessoa entrar na sua casa a essa hora? Por que ela não está fazendo sua parte para achatar a curva de crescimento de infectados? Meus sentimentos logo se transformaram em culpa e, depois, em tristeza e pesar. Não queria ficar chateada com a minha colega. Mas, por que fiquei chateada com ela?
Muitos amigos me disseram que passaram por momentos semelhantes de tensão com os colegas nas últimas semanas. Faz sentido: muitos de nós estamos trabalhando em condições inéditas e aquém de ideais. Estamos lidando com níveis sem precedentes de estresse e ansiedade. E o futuro de nossos empregos, das empresas e da economia é incerto.
Tudo isso serve de base para a tensão, diz Brianna Caza, professora assistente de gestão na Bryan School of Business and Economics da University of North Carolina em Greensboro. Caza e seus coautores analisaram 300 estudos que se concentravam nas relações no local de trabalho, transgressões de relacionamentos e em como repará-los. Eles viram que “sempre que há tensão externa, essa pode se manifestar entre os colegas.”
Lamentavelmente, em situações de estresse, nossa compaixão vai para o espaço, de acordo com Monica Worline, cientista de pesquisas do Stanford Center for Compassion and Altruism Research and Education (Centro de Stanford para pesquisa sobre compaixão e altruísmo e educação). “Quando estamos sob grande estresse, voltamos a adotar padrões conhecidos e arraigados para nós para lidar com ele, e é difícil vermos que há outro modo de fazer o que estamos fazendo.” Achamos que estamos certos e os outros estão errados”, explica Worline. Isso não é bom para as interações com seus colegas. “Involuntariamente, rompemos com nossos colegas, o que causa mais sofrimento”.
Não é hora de deixar de lado a gentileza e o cuidado, mesmo quando nosso cérebro nos empurra nessa direção. “É importante tentarmos encontrar maneiras de permanecermos abertos à compaixão, mesmo quando estamos sobrecarregados”. Worline e Jane Dutton, coautoras do livro Awakening compassion at work, realizaram pesquisas que demonstram que a compaixão tem a ver com o nosso próprio nível de satisfação no trabalho e até que ponto você considera seu trabalho significativo. Mas, como encontrar e demonstrar empatia para com os colegas quando faltam recursos cognitivos?
Caza e Worline me disseram o seguinte:
Lembre-se de que essa é uma oportunidade para se conectar com as pessoas.
Caza e seus coautores constataram em sua pesquisa que havia muitos desencadeadores e caminhos que levavam ao rompimento dos relacionamentos, mas também “potencial para relacionamentos mais fortes nesses tempos de tensão. Sempre que a situação fica estremecida, há potencial para uma mudança positiva”, explica. E, porque essa crise é global, quase todo mundo é afetado de alguma forma. Vi isso acontecer nas últimas semanas. Alguns colegas – com os quais não me relaciono muito – entraram em contato comigo para saber como eu estava, e, em troca, fiz o mesmo em relação aos outros. Aquele sentimento de estamos juntos nisso, que pode ser de união, mesmo quando – ou por que – estamos sob coação.
Reconheça que cada um de nós lida com a situação de maneira diferente
Outro colega compartilhou um artigo sobre o estresse no casamento durante a crise, o que esclarece por que as coisas podem se tornar tensas em alguns relacionamentos de trabalho. Nesse artigo, a especialista em relacionamentos, Esther Perel, ressalta que as pessoas, em geral, se utilizam de diferentes mecanismos para lidar com as situações. Algumas pessoas gostam de se informar o máximo que podem e passam horas a fio no Twitter ou lendo artigos e mais artigos. Outras preferem limitar a quantidade de notícias que recebem. Alguns podem ser mais rígidos quanto a manter o distanciamento social (eu, por exemplo), enquanto outros podem adotar uma abordagem mais flexível. Alguns colegas podem se atirar ao trabalho, encontrando consolo em ficar ocupados, enquanto outros tentam não ficar para trás e manter a concentração.
Há ainda uma diferença em relação ao nível de otimismo ou pessimismo que as pessoas sentem. Vejo isso acontecer diariamente em reuniões virtuais, quando alguém pergunta como você está e alguém diz “ótimo” e outro murmura “ã-hã”. Todas as respostas são válidas e não temos de lidar com a situação da mesma maneira que todo mundo.
Caza diz que a diferença não está só nas abordagens em lidar com o problema, mas nas circunstâncias também. Os colegas não estão sendo afetados pela crise da mesma maneira: alguns estão trabalhando em casa com filhos em idade escolar, tendo ainda de lidar com suas lições de casa. Outros têm ainda a preocupação com os pais ou outros parentes idosos. Para alguns, o trabalho ficou mais intenso, enquanto para outros, diminuiu. Muitos dos meus colegas têm trabalhado normalmente em casa nos últimos anos e já estão adaptados. Outros não dispõem de locais calmos em casa para receber ligações, muito menos chamadas de vídeo.
Seja generoso em suas interpretações.
Tendo em vista as possíveis diferenças entre você e seus colegas de trabalho, tanto Worline quanto Caza dizem que uma das coisas mais importantes que você pode fazer agora é ser generoso em suas interpretações sobre as outras pessoas. Se você receber um e-mail seco, não presuma que a pessoa esteja chateada ou sendo grosseira. Em vez disso, pense que estão sob pressão e não tiveram tempo para as gentilezas de costume.
É difícil fazer isso, explica Worline. “Quando estamos passando por uma crise, nós mudamos a maneira como interpretamos as coisas que estão acontecendo ao nosso redor. Nosso sofrimento e dor tendem a se agigantar, e damos pouca importância ao fato de que as pessoas podem estar passando pela mesma tensão ou até pior. Somos mais facilmente sufocados pelas necessidades dos outros e seu sofrimento e podemos reagir pensando, ‘Não há nada que eu possa fazer a esse respeito’, ou ‘Isso é problema deles e não meu.’”
Quando as tensões surgirem, tente pensar sobre por que você e seu colega não estão se comunicando de maneira adequada. Não fique só pensando no que é certo ou errado. Worline sugere que você diga para você mesmo: “Sou capaz e estou rodeado de pessoas que também são capazes”, e pergunte a si mesmo. “Onde estão os gargalos e como estamos nos comunicando?” Ao focar na dinâmica e nas circunstâncias, em vez de nos concentrarmos na pessoa, é possível que você chegue ao cerne da questão sem colocar a culpa em alguém.
Reconheça como você está se sentindo.
Você pode evitar problemas na comunicação e ferir os sentimentos das pessoas ao deixar claro como você se sente no momento. Por exemplo, Caza sugere que você explique aos seus colegas de trabalho que talvez você precise de espaço, especialmente se as coisas estiverem acontecendo muito rapidamente. Você poderia dizer: “Há muita ansiedade e tensão no momento, então me dê um tempo para pensar.” E tente se comunicar mais do que você se comunicaria em circunstâncias normais, prestando mais atenção ao que você diz e no tom que usa na fala. Recebi uma mensagem de uma colega no Slack outro dia que dizia: “Estou passando de uma conversa para outra e só agora me dei conta de que o que escrevi acima foi muito direto – não era minha intenção. Estamos todos fazendo muita coisa!” Tinha achado a sua mensagem brusca, mas, felizmente, não levei para o lado pessoal. Se você perceber que algo não muito saudável começa a crescer entre você e um colega, não deixe isso inflamar. É melhor resolver isso logo em vez de deixar para depois, diz Caza.
E não fique remoendo se disser algo que venha a se lamentar, ou ferir inadvertidamente um colega. “Quanto mais compaixão você tiver por você e pelas dificuldades em ser a pessoa que você quer ser, mais você poderá diminuir o seu nível de estresse”, disse Worline.
Aceite que a vida familiar de seus colegas agora é relevante para você.
Temos a tendência de nos distanciar do sofrimento dos outros quando estamos sob tensão e, por isso, você pode pensar que não é problema seu que seu colega tenha dois filhos, e ninguém para ajudar a cuidar desses filhos, por exemplo. “O fato de esses colegas serem pais não era necessariamente relevante para o trabalho e como desempenhavam suas funções há algumas semanas”, diz Worline. Contudo, agora o é. “Reconheça que a relevância mudou por causa da situação na qual nos encontramos.” Aqui ela sugere outra mudança no modo de pensar. “As pessoas são por natureza boas e estão tentando fazer o melhor que podem”. Em vez de ficar chateado porque seu colega continua sendo interrompido pelo filho, deixe de lado a crítica e pense sobre como você poderia ajustar os padrões de como trabalhar juntos. Como você pode ser mais flexível, para que todos possam continuar a fazer seu trabalho?
Não compare o sofrimento.
Um dos comentários mais recorrentes que tenho visto nas mídias sociais quando as pessoas reclamam sobre o que estão passando é algo assim: “Pelo menos você não está trabalhando na área de saúde no momento.” Worline diz que esse tipo de comparação pode ser “extremamente desgastante”. “As pessoas erroneamente pensam que estão dando uma perspectiva que é muito necessária. Contudo, não alivia a angústia, mas somente acrescenta um nível de crítica e culpa, e intensifica a dor.” Worline ressalta que são muitas as formas de dificuldades e que “a compaixão não envolve julgar a relevância do sofrimento do outro.”
À luz desse conselho, eis algumas coisas que estou tentando lembrar todo os dias para que possa, de maneira consciente e deliberada, apoiar a empatia e a gentileza.
Meus colegas e eu não vemos o mundo exatamente da mesma maneira – e tudo bem.
Temos maneiras diferentes de lidar com a incerteza, angústia e estresse.
Estão sob pressão que às vezes não percebo e não posso entender totalmente (e provavelmente não é da minha conta).
Não ajuda a mim ou a eles comparar nossos desafios.
Estamos todos fazendo o melhor que podemos.
Nem sempre é fácil ser paciente e compreensivo, especialmente com tudo o que está acontecendo. Mas vou continuar tentando, porque é o que meus colegas e eu merecemos.
Amy Gallo é editora na Harvard Business Review. É autora de HBR Guide to dealing with conflict. É autora e palestrante sobre a dinâmica do local de trabalho.
Fonte HBR