A capacidade de suprimir os impulsos de curto prazo que conflitam com os objetivos de longo prazo é uma característica distintiva das pessoas de sucesso. Pesquisas mostraram que pessoas dotadas de profundo autocontrole se saem melhor em termos de saúde, relacionamentos, finanças e carreira, além de serem menos propensas a ter problemas com obesidade, gastos excessivos, fumo, dependência de álcool ou drogas, procrastinação e comportamento antiético. Não se render a tentações também parece ser intrinsecamente gratificante – pessoas com grande poder de autocontrole também se sentem mais satisfeitas com a vida, e encaram a existência como uma experiência mais significativa.
Mas resistir às tentações é sempre saudável? Um pequeno, mas crescente conjunto de pesquisas começou a lançar luz sobre um lado sombrio do autocontrole, com importantes implicações para a vida das empresas.
O autocontrole pode restringir experiências emocionais. Uma das razões pelas quais as pessoas dotadas de grande autocontrole resistem às tentações é que experimentam desejos menos tentadores. Mas isso também pode significar que essas pessoas têm experiências emocionais menos intensas; isto é, elas reagem a situações de forma mais neutra. Por exemplo, ter muito autocontrole pode impedir que os funcionários desfrutem plenamente de resultados positivos na carreira, como promoções, aumentos e excelentes avaliações de desempenho.
O autocontrole pode gerar arrependimento no longo prazo. Quando as pessoas refletem sobre a vida, tendem a se arrepender de exercer muito autocontrole (por exemplo, priorizar o trabalho sobre o lazer) e privar-se dos prazeres que a vida proporciona. Essa experiência de arrependimento se manifesta apenas com o passar do tempo. Por exemplo, uma CEO bem-sucedida que teve de fazer muitos sacrifícios na vida para conseguir chegar ao topo pode sentir que se privou de muitos prazeres quando envelhecer e refletir sobre sua vida como um todo.
O autocontrole pode levar ao aumento da carga de trabalho. As pessoas tendem a confiar naquelas com elevado autocontrole, e isso pode fazer com que estas se sintam sobrecarregadas. Por exemplo, uma funcionária muito hábil em exercer autocontrole pode ficar sobrecarregada pelas solicitações de seus colegas para assumir tarefas e responsabilidades, pois eles sabem que ela seguramente conseguirá cumprir todas as obrigações.
O autocontrole pode ser usado para objetivos espúrios. Pessoas dotadas de autocontrole parecem ter mais sucesso em qualquer empreitada, mesmo que sejam antissociais. Embora as pessoas com elevado autocontrole sejam geralmente menos propensas a se envolver em atividades ilegais ou antissociais (por exemplo, dirigir de forma imprudente ou agir com desonestidade) do que as pessoas com baixo autocontrole quando se envolvem nessas atividades, elas são menos propensas a serem punidas. Por exemplo, mesmo que as pessoas com elevado autocontrole possam ser funcionários bastante valorizados em uma empresa, ironicamente, elas podem ser as mais “bem-sucedidas” em comportamentos antiéticos que permanecem não detectados e impunes. Além disso, pessoas com autocontrole elevado respeitam mais as normas sociais, mesmo quando essas regras impõem comportamentos prejudiciais ao indivíduo (por exemplo, usar drogas ilegais para aumentar o desempenho).
O autocontrole não é para todos. Para algumas pessoas, exercer autocontrole pode parecer alienante – como se tivessem que suprimir seu verdadeiro eu. É o caso, por exemplo, de indivíduos que recorrem mais aos sentimentos do que à razão ao tomar decisões. Esses indivíduos ficam menos satisfeitos com as decisões de exercer autocontrole. Por exemplo, uma funcionária que toma decisões principalmente baseadas em sentimentos pode não estar tão satisfeita consigo mesma, ainda que tenha conseguido exercer autocontrole e tenha obtido êxito em uma tarefa difícil que lhe garantiu uma promoção. Essa pessoa pode se sentir alienada de si mesma por colocar tanta ênfase no trabalho em detrimento de outras necessidades e desejos, como passar mais tempo com amigos e familiares.
O autocontrole pode gerar preconceitos. Pessoas leigas e formuladores de políticas costumam ver problemas sociais complexos (comer demais, gastar demais, fumar, dependência de álcool ou drogas, criminalidade etc.) essencialmente como problemas de autocontrole. No entanto, essa ênfase no autocontrole pode obscurecer as fontes sociais, econômicas ou políticas desses problemas. Por exemplo, a epidemia de obesidade costuma ser vista exclusivamente como um problema de autocontrole. No entanto, sabemos que as raízes desse problema também se encontram em fatores como preços reduzidos de alimentos processados, porções maiores ou a natureza cada vez mais sedentária do trabalho e do lazer. Essa ênfase unilateral no autocontrole, também chamada de “viés puritano”, reflete uma ideologia que atribui a culpa pela transgressão totalmente ao indivíduo e negligencia o impacto de fatores sociais mais profundos. Assim, grandes problemas sociais são transformados em meras questões de cuidado pessoal. A mesma discriminação pode ocorrer no trabalho quando um chefe culpa um funcionário por perder um prazo irreal.
O autocontrole é uma tática importante para alcançar objetivos. No entanto, em vez de tratar o autocontrole como o único determinante da felicidade e do sucesso, é preciso situá-lo no contexto mais amplo do eu de uma maneira mais holística. Além de exercer o autocontrole, também é importante aceitar nossas fraquezas e limitações. A isso os psicólogos chamam “autocompaixão”. A autocompaixão não leva à preguiça e à lassidão. Ao contrário, ajuda as pessoas a melhorarem a si mesmas, conhecendo-se melhor e estabelecendo metas mais realistas. Portanto, em vez de nos cobrarmos demais e superarmos nossos limites, às vezes sermos generosos com nós mesmos pode ser uma maneira mais produtiva de alcançarmos nossos objetivos de uma forma autocongruente.
Michail D. Kokkoris é professor assistente no Departamento de Marketing da WU Vienna University of Economics and Business.
Olga Stavrova é professora assistente no Departamento de Psicologia Social da Tilburg University.
Fonte HBR