Não só em empresas nos EUA, mas também em todo o mundo, as pessoas estão finalmente abordando assuntos sobre raça, justiça, diversidade, igualdade e inclusão. Isso é bom, e esperamos que abra o caminho para ações antirracistas significativas, tanto por parte de indivíduos como também, das empresas. Mas estes debates serão em todas as suas manifestações, muito desconfortáveis — não apenas para os funcionários e líderes brancos que podem estar confrontando seus privilégios pela primeira vez, como também para as pessoas de cor – especialmente os negros norte-americanos, que sabem que ter conversas francas com seus colegas significa encarar ou reagir às “microagressões’’.
Estamos falando daqueles incidentes nos quais alguém, acidental ou propositalmente, faz um comentário ofensivo ou uma pergunta insensível. Microagressões são definidas como humilhações verbais, comportamentais ou circunstanciais que expressam insultos ou desprezo racial hostil, depreciativo ou negativo referentes a um grupo ou pessoa específica. Para os negros, eles estão onipresentes no trabalho e na vida cotidiana. Alguns exemplos de afirmações aparentemente inócuas que, em um contexto de suposições e estereótipos racistas, podem ser devastadoras:
- “Quando vejo você, não vejo cor” (indicando que a pessoa não está levando em consideração sua cor ou que isso possa pesar contra você)
- “Somos todos da mesma raça: a raça humana” (sugerindo que sua experiência como negro não é diferente da de pessoas de outras raças)
- “Você é tão articulado” (mostrando que os negros não são normalmente capazes de manter uma conversa intelectual a contento)
- “Estou vendo que hoje seu cabelo está enorme! Você pretende ir assim na reunião com o cliente?” (indicando que o cabelo de negros ao natural não é adequado para o ambiente de trabalho)
- “Todos podem ser bem sucedidos se trabalharem” (sugerindo que os resultados desiguais obtidos pelos negros são decorrentes da preguiça)
Como a palavra sugere, microagressões parecem pequenas, mas somadas ao longo do tempo, podem ter resultados prejudiciais na experiência do funcionário e na sua saúde e bem-estar psicológico. Na verdade, pesquisas sugerem que formas sutis de discriminação interpessoal, como as microagressões, são, no mínimo, tão prejudiciais quanto outras formas mais abertas de discriminação.
As microagressões reforçam o privilégio dos brancos e minam a cultura de inclusão. Certamente, a melhor solução é aumentar a conscientização acerca de microagressões, insistir para que funcionários “não negros” parem de cometê-las e chamar a atenção daqueles que o fazem. No entanto, na ausência de tais mudanças — e por entender que a prevenção total é provavelmente impossível — como funcionários e gestores negros devem responder às microagressões que sofrem dentro e fora das atuais discussões sobre raça no ambiente de trabalho?
Há três formas principais de reagir:
Não se abale. Por muito tempo, a reação padrão mais comum era não reagir a comentários ofensivos no local de trabalho. Por serem universais, ainda que sutis, os comentários são desgastantes ao serem confrontados. Assim, o silêncio gera uma carga emocional para os funcionários negros que ficam se perguntando o que aconteceu e porquê, questionando o direito de se sentirem ofendidos, reforçando a crença de que não estão a salvo da desvalorização de sua identidade no trabalho.
Responda imediatamente. Esta abordagem permite que a transgressão seja exposta e seu impacto explicado enquanto os detalhes do incidente ainda estão frescos na memória de todos os envolvidos. O imediatismo é um componente importante para a correção de maus comportamentos. Porém, esta abordagem pode ser arriscada. O agressor pode ficar na defensiva, deixando quem sofreu a agressão com a sensação de que, de algum modo, “perdeu o controle’’, não se apresentou da melhor forma, sendo rotulado de “chorão e excessivamente sensível’’ ou causador de problemas.
Responda depois. Uma resposta mais moderada é abordar o agressor em particular, em um momento posterior, para explicar por que a microagressão foi ofensiva. Neste caso, o risco está na janela de tempo. Uma conversa posterior requer que a pessoa que cometeu a agressão seja lembrada do fato para, então, avaliar seu impacto. O funcionário negro que traz o assunto à tona pode ser considerado mesquinho — alguém que fica represando ressentimentos ou se apegando às “pequenas coisas’’, enquanto a outra parte – que não tinha “nenhuma intenção de ofender” – já se esqueceu do fato. Este tipo de acusação é uma forma de abuso psicológico racial que pode ser extremamente nocivo.
Recomendamos seguir a estrutura abaixo para determinar qual caminho é melhor para você – independentemente da situação – e, caso decida responder, garantir um diálogo efetivo.
Identifique. Decida quanto quer investir para lidar com a microagressão. Não se sinta pressionado a responder a todos os incidentes; pelo contrário, sinta-se livre para fazê-lo quando assim decidir. Leve em consideração:
- A importância do assunto e o relacionamento. Se um deles ou ambos forem importantes para você, evitá-los é o caminho errado. Expresse-se de forma a deixar claro que você se preocupa com a outra pessoa e mostre que a sua preocupação com o assunto está evidente.
- Seus sentimentos. As microagressões podem fazê-lo duvidar da legitimidade de suas reações. Permita-se sentir o que está sentindo: raiva, decepção, frustração, irritação, perplexidade ou desorientação, exaustão ou qualquer outra coisa. Qualquer emoção é legítima e deve ser levada em conta na sua decisão se deve, como e quando responder. Com emoções negativas mais prementes, como por exemplo a raiva, é sempre melhor abordar o incidente mais tarde. Se você está perplexo, desorientado, talvez uma resposta imediata seja preferível. Se está apenas exausto do peso de ao mesmo tempo trabalhar e ser negro, talvez seja melhor deixar isso de lado — considerando que seja melhor para você, e não para o agressor.
- Como você quer ser considerado agora e no futuro. Há consequências tanto ao falar, quanto ao permanecer calado. Só você pode decidir o que é mais importante para si, qualquer que seja a situação específica.
Desarme. Se sua escolha é confrontar uma microagressão, esteja preparado para desarmar a pessoa que a cometeu. Um dos motivos pelos quais evitamos conversar sobre raça é que o assunto coloca as pessoas na defensiva. Os agentes de microagressões geralmente temem serem vistos — ou, pior ainda, revelados — como racistas. Explique que a conversa poder ser desagradável para eles, mas que o que falaram ou fizeram foi desagradável para você. Convide-os para se sentarem ao seu lado, em meio a essa situação delicada e estranha causada por suas palavras ou gestos, e juntos chegarem à raiz do problema.
Desafie. Incentive o agressor a esclarecer seu comentário ou ação. Sonde, fazendo uma pergunta como por exemplo, “O que você quis dizer com isso?”. Isso dá às pessoas a oportunidade de se autoanalisarem enquanto relatam o que aconteceu e dá a você a oportunidade de avaliar melhor a intenção da agressão. Um dos maiores privilégios é a liberdade de não perceber que você tem privilégios; portanto, muitas vezes as ofensas são feitas impensadamente. Diga que você entende que as intenções são as que declararam ser, mas dirija a conversa para o impacto causado pela microagresssão. Conte como você interpretou o fato de início e o porquê disso. Caso continuem a afirmar que “não queriam dizer isso”, reitere que você agradece a intenção em esclarecer e espera que eles valorizem a sua intenção em esclarecer o impacto causado.
Decida. Você tem o controle sobre o que este incidente vai significar na sua vida e no seu trabalho — o que vai aprender com a interação e o que vai permitir que ela aprenda com você. As pessoas negras, assim como tantas outras identidades marginalizadas e intersetoriais, já estão sujeitas a expectativas e avaliações preconceituosas no ambiente de trabalho. A vida já cobra o suficiente e não há necessidade de deixar que microagressões levem você ainda mais para baixo. Proteger sua alegria deverá ser seu maior e mais persistente ato de resistência.
Um conselho para os novos e antigos aliados “não negros”: o trabalho para estabelecer uma aliança é difícil. Você cometerá erros durante seu aprendizado — e você estará sempre aprendendo. Para alguém que tenha sido acusado de cometer uma microagressão ou de aconselhar alguém assim incriminado, eis aqui algumas recomendações:
- Lembre-se de que a intenção não suplanta o impacto.
- Procure compreender as experiências vividas por seus colegas, chefes e funcionários negros sem responsabilizá-los pelo seu aprendizado moral.
- Acredite em seus colegas negros quando decidirem compartilhar seus insights; não fique na defensiva ou faça o papel de advogado do diabo.
- Sinta-se à vontade para repensar muitas das coisas que acreditava ser verdade sobre o mundo e o seu ambiente de trabalho, e aceite que, provavelmente, você contribuiu para gerar a desigualdade.
Embora muitas empresas estejam promovendo conversas francas sobre raça no ambiente de trabalho, não devemos ignorar as retaliações históricas que funcionários negros tiveram de enfrentar por terem se manifestado. Mudanças culturais demandam tempo e vontade. Portanto, embora promovamos o diálogo oportuno e estratégico sobre microagressões, em última análise cabe a cada um responder da maneira mais autêntica possível, levando em consideração quem ele é, e como quer ser considerado.
Ella F. Washington é professora de prática da McDonough School of Business da Georgetown University e fundadora da Ellavate Solutions, que presta coaching executivo e apresenta estratégias de inclusão e diversidade e treinamento para empresas.
Alison Hall Birch é professora assistente da College of Business da University of Texas, Arlington (UTA), onde estuda preconceito baseado em estigmas, gestão da diversidade e liderança.
Laura Morgan Roberts é professora de prática na Darden School of Business da University of Virginia, e coeditora do livro “Race, work and leadership: new perspectives on the black experience” (Harvard Business Press, 2019).
Fonte HBR