Os robôs estão invadindo o varejo, de máquinas de 1,80m de altura circulando pelos supermercados Giant Foods Stores à procura de sujeira pelo chão, a verificadores automáticos de estoques nas prateleiras do Walmart, nos Estados Unidos. Nas lojas da Lowe’s, rede de artigos casa e construção, um “LoweBot” em determinadas unidades pode responder perguntas simples de consumidores, como onde encontrar produtos, além de ajudar no monitoramento de estoques. Esses robôs liberam os funcionários de tarefas rotineiras, e, acredita-se, garantem a eles mais tempo para interagir com os clientes. Mas isso é apenas o começo.
O verdadeiro benefício dos robôs do varejo é a oportunidade de capturar informações mais pulverizadas sobre os produtos nas prateleiras e os padrões de compra dos consumidores, o que permite aumentar a eficiência e acurácia na gestão de estoques. O segredo é usar os robôs do varejo como ferramentas para o levantamento de dados no contexto da Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), como é chamada essa complexa rede de dispositivos, objetos e sensores interconectados, para reunir dados volumosos que são analisados na nuvem, ou na computação de borda, utilizando servidores próximos para reduzir o período de latência. Desde a fabricação até o transporte, e agora também no varejo, a Internet das Coisas cria esse ecossistema digital inteligente. Quando combinada às competências avançadas da IA e do aprendizado de máquina, a Internet das Coisas dá força à promessa de uma Quarta Revolução Industrial que mudará a forma como vivemos, trabalhamos, fazemos negócio e adquirimos bens e serviços.
Com robôs dentro das lojas, as redes varejistas já veem o início de uma solução completa da Internet das Coisas. Por exemplo, a Auchan Retail Portugal, rede de supermercados europeia de grande porte, está lançando uma tecnologia de monitoramento de prateleira, utilizando robôs em supermercados e hipermercados. Ao se deslocar pelas lojas, os robôs tiram fotos de todas as prateleiras e gôndolas, para depois serem digitalizadas e convertidas em métricas e insights sobre mercadorias fora de estoque e preços.
Dados tão detalhados são incrivelmente valiosos para o varejo, área em que é essencial entender e prever a demanda dos consumidores. Outro exemplo, a Stitch Fix, que oferece opções personalizadas de roupas para compradores em domicílio, abastece seu sistema de data center em múltiplas facetas do seu modelo de negócio, desde a recomendação de produtos até a gestão de estoques e a criação de moda. No entanto, para os varejistas tradicionais, o simples monitoramento do que os consumidores compram não produz um cenário completo. A real vantagem competitiva para os varejistas é saber o que os consumidores não puderam, mas gostariam de comprar. É aí que entram os robôs nos corredores.
Coleta de dados no topo do funil de marketing
Robôs circulando pelas lojas são capazes de coletar dados do “topo do funil”, com base no que está – ou não está – nas prateleiras. O controle contínuo feito por eles fornece uma visão mais completa da experiência do cliente no varejo. Por exemplo, o inventário das prateleiras revela o que há no estoque em grandes quantidades, o que está acabando, e o que já acabou. E tudo isso indica as preferências e ações do consumidor.
Em um futuro não muito distante, os robôs talvez sejam capazes de fazer mais do que informar níveis de estoque e verificar preços, para garantir acurácia e consistência. Vamos imaginar um cenário hipotético onde um robô do varejo rastreia os corredores de um supermercado, e percebe que o estoque de pasta de amendoim sem açúcar está diminuindo a uma taxa que corresponde ao dobro da taxa da pasta de amendoim tradicional. Essa descoberta em tempo real aciona uma encomenda automática de mais pasta de amendoim sem açúcar a ser enviada para uma determinada loja. Ao detectar uma mudança brusca e inesperada nos estoques, o robô pode responder rapidamente, sem a necessidade de intervenção humana. Não é muito diferente do que já acontece em negociações de alta frequência, que utilizam algoritmos para detectar e capitalizar discrepâncias pequenas e momentâneas em preços de ações que, com o passar do tempo, podem representar lucros significativos.
Para os varejistas, o ganho está em evitar distorções no abastecimento que possam levar a rupturas de estoque, e que custam caro – totalizando US$ 1 trilhão em nível mundial, de acordo com estimativas do setor. Além de representar vendas perdidas, os consumidores se decepcionam com a falta de produtos, o que pode levar à redução da fidelidade do comprador.
Durante a pandemia da Covid-19, itens essenciais, como papel higiênico e produtos de limpeza, estiveram em falta de forma generalizada. Os varejistas acabaram estabelecendo limites no número de itens por compra, depois de amargar um período de prateleiras vazias. Mas o que poderia ter acontecido caso os lojistas pudessem ter tido uma indicação de que haveria uma corrida por produtos desse tipo? Se um robô no corredor tivesse detectado uma queda inesperada no abastecimento de papel higiênico, isto poderia ter gerado, antecipadamente, um melhor gerenciamento do estoque, com remessas maiores por parte dos depósitos e imposição de limites nas compras, evitando a estocagem por parte dos consumidores.
Usar a Internet das Coisas para aperfeiçoar outros setores
A detecção antecipada de baixas ou rupturas de estoques também pode ajudar a melhorar a eficiência e a experiência do cliente em outros setores, como o de companhias aéreas. Por exemplo, uma manutenção inesperada de aeronaves pode atrasar voos, não apenas pela necessidade súbita de reparo, como também pela demora na entrega das peças necessárias a esse reparo. Usar uma estratégia de IoT na manutenção de aeronaves representaria uma melhor gestão de estoques de peças e outros suprimentos, e, potencialmente, a capacidade de a própria aeronave sinalizar a necessidade de reparo ou substituição antes de ser aposentada. O uso de sensores e IA na modelagem e manutenção preditiva já está sendo explorado para aplicações, desde a indústria até sistemas de água.
Há anos, a robótica tem feito incursões em diversos setores da economia, desde operações em montadoras automotivas até braços automáticos para movimentar itens pesados em armazéns. Em alguns hotéis, já há robôs carregando malas e atuando como concierges digitais. Mais recentemente, em função da pandemia, os robôs já entraram em hospitais para ajudar em usos não cirúrgicos, como a desinfecção de corredores e apartamentos, além da entrega de itens, incluindo amostras de sangue para exames laboratoriais. Robôs limpadores autônomos também já estão presentes em espaços comerciais, de prédios de escritórios a aeroportos.
Até pouco tempo atrás, a maior parte dos robôs do varejo trabalhavam nos bastidores. A Amazon, por exemplo, utiliza robôs em seus centros de distribuição para aumentar eficiência e segurança, já que os robôs não correm o risco de se ferirem ao carregar cargas pesadas; a empresa informou que, com isso, aumentou a armazenagem em 40%. Ao mesmo tempo, a Kroger, a maior rede de supermercados dos EUA, está lançando uma rede de depósitos automatizados utilizando robótica e tecnologia digital para melhorar sua capacidade de atender à demanda dos clientes.
Repensar o varejo
Em um setor altamente competitivo, em que as margens são cada vez mais apertadas, entre lojas físicas, online e híbridas, os varejistas devem continuar apostando em inovação e tecnologia para se diferenciarem e aumentarem suas chances de sobrevivência. Uma das primeiras ondas de inovação no varejo foi o e-commerce. Embora já não possa ser chamado de uma nova tendência, o e-commerce aumentou sua presença com a pandemia, ampliando a quantidade de consumidores realizando compras online, em função das medidas restritivas que os mantiveram em casa. Acredita-se que a pandemia tenha antecipado a migração das compras em lojas físicas para digitais em cerca de cinco anos.
Inovadores do varejo também já começaram a repensar a loja física para exibir produtos e oferecer aos clientes a oportunidade de experimentarem novas opções. Agora, a última palavra rumo a uma inovação mais expressiva é incentivar os lojistas a se aprofundarem na Internet das Coisas para melhorar a gestão de estoques e a modelagem preditiva.
À medida que os ciclos de vida dos produtos se aceleram, os varejistas precisam se tornar cada vez mais ágeis em identificar microtendências no comportamento do consumidor, para produzir, distribuir e abastecer os clientes com os bens e serviços desejados no momento. O segredo para tudo isso pode muito bem ser um robô circulando livremente, coletando dados da ponta do consumo nos corredores da loja para os sistemas de gestão de dados na nuvem.
Ben Forgan é cofundador e CEO da Hologram, plataforma global de conexão à IoT.
Fonte HBR