Lições da ciência — e das pessoas que conseguiram influenciar Steve Jobs
A lenda de Steve JoBS diz que ele transformava a vida das pessoas com a força de suas convicções. A chave de sua grandeza, segundo os relatos, era sua capacidade de mudar o mundo de acordo com sua visão. A realidade é que muito do sucesso da Apple aconteceu graças à pressão de sua equipe para que ele repensasse suas ideias. Se Jobs não tivesse se cercado de pessoas que sabiam como mudar sua opinião, talvez não tivesse mudado o mundo.
Durante anos, Jobs insistiu que nunca faria telefones. Depois que sua equipe finalmente o convenceu a mudar de ideia, ele baniu aplicativos externos; levou mais um ano para fazer com que voltasse atrás. Em nove meses, a App Store teve um bilhão de downloads e, uma década depois, o iPhone gerou mais de US$ 1 trilhão em receita.
Quase todos os líderes estudaram a genialidade de Jobs, mas surpreende que poucos tenham estudado a genialidade daqueles que conseguiram influenciá-lo. Como psicólogo organizacional, conversei com várias pessoas que conseguiram motivá-lo a mudar de opinião e analisei a ciência por trás de suas técnicas. A má notícia é que muitos líderes são tão seguros de si que rejeitam opiniões e ideias valiosas de outras pessoas e se recusam a abandonar suas próprias ideias ruins. A boa notícia é que é possível fazer com que mesmo as pessoas mais autoconfiantes, teimosas, narcisistas e desagradáveis abram suas mentes.
Um conjunto cada vez maior de evidências indica que os traços de personalidade mudam de acordo com a situação. Pense no gestor de personalidade dominante que às vezes é submisso, no colega hipercompetitivo que, vira e mexe, se torna solícito ou no procrastinador crônico que entrega um projeto antes do prazo. Todo líder tem um padrão de resposta a cenários específicos de acordo com as circunstâncias — o que chamamos de perfil se… então. Se o gestor dominante interage com um superior, então ele se torna submisso. Se o colega competitivo está lidando com um cliente importante… então ele muda para o modo solícito. Se o procrastinador está perto de um prazo crucial… então ela dá um jeito.
O código de programação é uma sequência de comandos se… então. Os seres humanos são muito mais confusos, mas também temos respostas previsíveis do tipo se… então. Mesmo as pessoas mais rígidas às vezes se flexibilizam, e mesmo as mais abertas às vezes se fecham. Portanto, se você deseja argumentar com pessoas que parecem irracionais, preste atenção nas ocasiões em que elas — ou outras pessoas como elas — mudam de ideia. Seguem algumas abordagens que podem ajudá-lo a incentivar os sabichões a reconhecer quando há algo a ser aprendido, um colega teimoso a dar meia-volta, um narcisista a mostrar humildade e um chefe desagradável a concordar com você.
PEÇA A UM SABE-TUDO QUE EXPLIQUE COMO AS COISAS FUNCIONAM
A primeira barreira para mudar a visão de alguém é a arrogância. Todos nós encontramos líderes excessivamente confiantes: eles não sabem o que não sabem. Se você chamar a atenção para a ignorância deles, eles podem ficar na defensiva. Uma abordagem melhor é fazer com que reconheçam as lacunas em seu próprio entendimento.
Em uma série de experimentos, psicólogos pediram a alunos da universidade de Yale que avaliassem seu conhecimento sobre o funcionamento de objetos do cotidiano, como televisores e vasos sanitários. Os alunos estavam extremamente confiantes, até o momento de escrever suas explicações passo a passo. Enquanto lutavam para explicar como uma TV transmite as imagens e como funciona a descarga, seu excesso de confiança derreteu. De repente, perceberam o quão pouco entendiam desses assuntos.
Tentar explicar algo complexo pode ser uma experiência de humildade — mesmo para alguém como Steve Jobs.
Há alguns anos conheci Wendell Weeks, CEO da Corning, que fabrica vidros para o iPhone. Jobs o procurou porque estava frustrado com a face de plástico do protótipo do iPhone, que arranhava facilmente. Jobs queria um vidro resistente para cobrir a tela, mas sua equipe na Apple havia testado o vidro da Corning e o considerou muito frágil. “Não sei se faria o vidro para você”, disse ele a Jobs, “mas ficaria contente de conversar com qualquer membro de sua equipe que tenha conhecimento técnico suficiente para discutir o assunto”. Jobs respondeu: “Eu tenho conhecimento técnico!”
Quando Weeks voou para Cupertino, Jobs tentou explicar a ele como deveria fazer o vidro. Em vez de discutir, Weeks deixou que ele explicasse qual era seu método preferido. Quando Jobs começou a falar, ficou claro para os dois que ele não sabia de fato como projetar vidros que não quebrassem. Essa foi a abertura que Weeks precisava. Ele caminhou até um quadro branco e disse: “vou ensinar a você um pouco de ciência para que possamos ter uma ótima conversa”. Jobs concordou, e Weeks acabou esboçando a composição completa do vidro, com moléculas e trocas iônicas de sódio e potássio. Eles acabaram fazendo do jeito de Weeks. No dia em que o iPhone foi lançado, Weeks recebeu uma mensagem de Jobs que agora está emoldurada em seu escritório: “Não poderíamos ter feito isso sem você”.
DEIXE A PESSOA TEIMOSA TOMAR AS RÉDEAS
Um segundo obstáculo para mudar opiniões é a teimosia. Pessoas intratáveis veem consistência e certeza como virtudes. Uma vez que tomam uma decisão, parece que ela fica gravada em pedra na sua mente. Mas suas visões se tornam mais flexíveis se você lhes entregar um formão.
Em um experimento clássico, psicólogos estudaram alunos a respeito de suas crenças sobre controle para verificar se eles viam seus sucessos e fracassos como sendo determinados principalmente por forças internas, como esforço e escolha, ou por forças externas, como sorte e destino. Pessoas teimosas tendem a acreditar no controle interno: elas acham que sua vontade pode determinar os resultados. Em seguida, os alunos avaliaram uma proposta de mudança no sistema de notas da universidade. Um terço leu um argumento levemente persuasivo de que o novo sistema fora amplamente aceito em outras escolas e parecia ser um dos melhores já usados. Outro terço leu um argumento mais contundente: este era um procedimento tão bom que eles teriam de avaliá-lo com uma nota alta. O terço final não recebeu nenhum argumento convincente. Todos os alunos avaliaram a nova proposta em uma escala de 1 (muito ruim) a 10 (muito bom).
As reações dependiam de suas crenças sobre controle. Em pessoas que favoreciam o controle externo, tanto os argumentos leves quanto os contundentes geraram entusiasmo sobre o novo sistema. Elas se sentiam à vontade para mudar de ideia diante da influência externa. As pessoas que preferiam o controle interno não foram influenciadas pelo argumento leve e foram contra o argumento contundente. Em outras palavras, quando alguém se esforçava muito para mudar a opinião desse grupo, ela retrocedia como um elástico.
Uma solução para esse problema é sugerida por um estudo com roteiristas de Hollywood. Aqueles que apresentaram logo no início conceitos bem elaborados para os executivos lutaram para que suas ideias fossem aceitas. Os roteiristas de sucesso, por outro lado, entenderam que os executivos de Hollywood gostam de dar forma às histórias. Eles abordaram a proposta como um jogo de bola, passando uma ideia para os executivos, que fazem modificações e depois a devolvem.
Não muito tempo atrás, fui apresentado a um ex-engenheiro da Apple chamado Mike Bell, que sabia como jogar bola com Steve Jobs. No final da década de 1990, Bell estava ouvindo música em seu computador Mac e ficou irritado com a ideia de ter de levar o dispositivo com ele de sala em sala. Quando sugeriu construir uma caixa separada para transmitir áudio, Jobs riu dele. Quando Bell também recomendou streaming de vídeo, Jobs respondeu: “que bobagem, quem vai querer fazer streaming de vídeo?”
Bell me disse que, ao avaliar as ideias de outras pessoas, Jobs costumava recuar para afirmar seu controle. Mas quando Jobs era o gerador de ideias, ele ficava mais aberto a considerar alternativas. Bell aprendeu a plantar as sementes de um novo conceito, na esperança de que Jobs se entusiasmasse com ele e lhe desse um pouco de espaço.
A pesquisa mostra que fazer perguntas em vez de dar respostas pode superar a atitude defensiva das pessoas. Você não está dizendo a seu chefe o que deve pensar ou fazer; você está dando a ele algum controle sobre a conversa e convidando-o a compartilhar suas ideias. Perguntas como “e se?” e “poderíamos?” despertam a criatividade, tornando as pessoas curiosas sobre o que é possível.
Um dia, casualmente, Bell mencionou que, como ninguém teria um Mac em todos os cômodos, o streaming em outros dispositivos seria fundamental. Então, em vez de insistir em seu argumento, ele perguntou: “e se construíssemos um aparelho que permitisse a reprodução de conteúdo?” Jobs ainda estava cético, mas ao imaginar as possibilidades, começou a se apropriar da ideia e finalmente deu luz verde a Bell. “Eu sabia que tinha tido sucesso quando apresentou o projeto a outras pessoas e defendeu meu ponto de vista”, lembra Bell. “No final, ele dizia às pessoas para não me atrapalharem.” Esse projeto ajudou a pavimentar o caminho para a Apple TV.
ENCONTRE A MANEIRA CERTA DE ELOGIAR UM NARCISISTA
Um terceiro obstáculo para mudar as ideias é o narcisismo. Os líderes narcisistas acreditam que são superiores e especiais e não gostam que digam que estão errados. Mas, com uma abordagem cuidadosa, você pode induzi-los a reconhecer que são falhos e falíveis.
Costuma-se dizer que os bullies e narcisistas têm baixa autoestima. Mas as pesquisas mostram um quadro diferente: na verdade, os narcisistas têm uma autoestima elevada, mas instável. Eles anseiam por status e aprovação e se tornam hostis quando seu ego frágil é ameaçado — quando são insultados, rejeitados ou envergonhados. Apelando para seu desejo de ser admirado, você pode neutralizar sua tendência instintiva de rejeitar uma diferença de opinião como se fosse uma crítica. De fato, estudos nos EUA e na China mostraram que os líderes narcisistas são capazes de demonstrar humildade: eles podem acreditar que são talentosos mesmo reconhecendo suas imperfeições. Para empurrá-los nessa direção, afirme seu respeito por eles.
Em 1997, não muito depois de retornar à Apple como CEO, Jobs estava falando sobre um novo pacote de software na conferência global de desenvolvedores da empresa. Durante a sessão de perguntas e respostas, um homem criticou duramente o produto e o próprio Jobs. “É triste e evidente que, em muitos aspectos, você não sabe do que está falando”, disse ele.
Talvez você pense que Jobs partiu para o ataque, ficou na defensiva ou mesmo expulsou o homem da sala. Em vez disso, ele mostrou humildade: “Um dos maiores problemas quando você está tentando realizar uma mudança é que, em alguns pontos, pessoas como este cavalheiro podem estar certos”, exclamou ele, acrescentando: “admito prontamente que há muitas coisas na vida sobre as quais eu não tenho a menor ideia. Portanto, peço desculpas por isso… encontraremos os erros; e vamos consertá-los.” A multidão irrompeu em aplausos.
Por que uma crítica provocou uma reação tão calma? Ele começou seus comentários com um elogio: “Sr. Jobs, você é um homem brilhante e influente.” Enquanto o público ria, Jobs respondeu: “Lá vem”.
Como mostra esta história, uma pitada de enaltecimento pode ser um antídoto poderoso contra a insegurança do narcisista. No entanto, nem todas as demonstrações de respeito são igualmente eficazes. Não adianta esconder críticas entre dois elogios: o sanduíche de feedback não tem um gosto tão bom quanto parece. É mais provável que o começo e o fim fiquem gravados na memória do que o meio, e os narcisistas tendem a ignorar totalmente as críticas. A chave é elogiar a pessoa em uma área diferente daquela em que você espera que ela mude de ideia. Se você está tentando fazer um líder narcisista repensar uma escolha ruim, é um erro dizer que você admira suas habilidades de tomada de decisão; é melhor você elogiar sua criatividade. Todos nós temos múltiplas identidades e quando nos sentimos seguros sobre um de nossos pontos fortes, ficamos mais abertos para aceitar nossas deficiências em outra esfera. Os psicólogos percebem que os narcisistas são menos agressivos — e menos egoístas — quando são elogiados por serem atléticos ou engraçados.
O participante da conferência de desenvolvedores da Apple parecia ter uma compreensão intuitiva do perfil narcisista se… então de Jobs. Ao elogiar sua inteligência e importância, deixou Jobs à vontade para reconhecer que não sabia tudo sobre software.
COMO DISCORDAR DOS BRIGUENTOS
Um último obstáculo para persuadir alguém é o gosto pela discussão. Pessoas briguentas estão determinadas a esmagar a concorrência, e quando você os incentiva a reavaliar sua estratégia, você se torna um deles. No entanto, se você estiver disposto a enfrentá-los sem recuar, pode ser que consiga controlar a situação.
Como as pessoas briguentas são energizadas pelo conflito, elas nem sempre querem que você se curve à vontade delas imediatamente — elas estão ansiosas para lutar. Quando os pesquisadores estudaram como os CEOs escolhiam os executivos que seriam nomeados como membros do conselho de administração de outras empresas, descobriram que os candidatos que tinham o hábito de discutir antes de concordar com seus chefes tinham chances maiores de serem aprovados. Isso mostrava que eles não concordavam com tudo e estavam dispostos a lutar por suas ideias e mudar sua própria opinião. Na década de 1980, na Apple, os líderes da equipe do Mac davam um prêmio por ano à pessoa que tivera a ousadia de desafiar Steve Jobs. No fim, Jobs promoveu cada vencedor para comandar uma divisão importante da empresa.
Em um estudo recente sobre as ideias apresentadas por funcionários juniores a uma equipe de cuidados de saúde, de início, a grande maioria foi rejeitada por líderes seniores. As 24% que conseguiram chegar à fase de implementação o fizeram porque seus proponentes continuaram lutando por elas, refinando e reiterando os argumentos em seu favor, reconhecendo e elaborando os pontos fracos, oferecendo provas de conceito e recrutando apoiadores.
Quando os engenheiros da Apple tiveram a ideia de fazer um telefone, Jobs compilou uma lista de motivos pelos quais ele não funcionaria. Uma era que os smartphones eram “acessórios para nerds”. Seus engenheiros concordaram, mas o desafiaram: se a Apple fizesse um telefone, quão bonito e elegante ele poderia ser? Eles também aproveitaram a competitividade que ele tinha pela Microsoft.
Não haveria um Windows Phone eventualmente? Jobs ficou intrigado, mas ainda não se convenceu. Tony Fadell, o inventor do iPod e co-criador do iPhone, disse-me que as pessoas “tinham de trabalhar em equipe, não apenas em uma reunião, mas durante semanas, para fazê-lo mudar de ideia ou ver as coisas de outro ângulo”. No caso do iPhone, essa discussão continuou por muitos meses. Fadell e seus engenheiros eliminaram a resistência construindo os primeiros protótipos em segredo, mostrando demos a Jobs e refinando o design.
No final, ficou uma grande objeção: as operadoras de telefonia celular controlavam as redes e forçariam a Apple a fazer um produto de baixa qualidade. Mais uma vez, a equipe apelou para as tendências briguentas de Jobs: ele conseguiria que as operadoras fizessem as coisas do seu jeito? “Se tivéssemos um dispositivo poderoso o suficiente”, disse Fadell, “ele poderia fazer com que elas assinassem termos que removessem os obstáculos”. Jobs percebeu o potencial e comprou a ideia, vencendo a batalha. “Steve reformatou totalmente o relacionamento com as operadoras”, disse-me Donna Dubinsky, ex- CEO da Palm e cofundadora da Handspring.
EM 1985, após presidir os lançamentos de produtos que eram maravilhas técnicas, mas fracassos de venda, Steve Jobs foi forçado a deixar sua própria empresa. Em 2005, ele disse: “Era um remédio de sabor horrível, mas acho que o paciente precisava dele”. Ele aprendeu que, por mais poderosa que fosse sua visão, ainda havia momentos em que ele precisava repensar suas convicções. Quando voltou como CEO, não estava apenas mais aberto, mas também mais determinado a contratar pessoas prontas para desafiá-lo e ajudá-lo a superar seus piores instintos. Isso preparou o cenário para o ressurgimento da Apple.
As organizações precisam de executivos fortes e visionários como Jobs. Mas eles também precisam de funcionários como Tony Fadell e Mike Bell, fornecedores como Wendell Weeks e stakeholders como o participante da conferência de desenvolvedores da Apple que apresentou uma objeção — pessoas que sabem como neutralizar efetivamente chefes e colegas que são excessivamente confiantes, teimosos, narcisistas ou briguentos. Em um mundo turbulento, o sucesso depende não apenas da potência cognitiva, mas também da flexibilidade cognitiva. Quando os líderes não têm sabedoria para questionar suas convicções, os seguidores precisam de coragem para persuadi-los a mudar de ideia.
ADAM GRANT é psicólogo organizacional na Wharton e autor de Think Again: The Power of Knowing What You Don’t Know (Viking, 2021).
Fonte HBR