Como dou um curso de gestão de produtos na Harvard Business School, frequentemente me perguntam: “Qual a função de um gerente de produto?”. A função de um gerente de produto é com frequência descrita como a do “CEO do produto”. Não concordo com isso. Como afirma Martin Eriksson, “gerentes de produtos simplesmente não têm nenhuma autoridade direta sobre a maioria das coisas necessárias para fazer com que seus produtos sejam bem sucedidos — pesquisa com usuários, informações, design e desenvolvimento, marketing, vendas e suporte ao cliente”. Gerentes de produto não são os CEOs dos produtos, e suas funções variam vastamente dependendo de vários fatores. Assim sendo, o que você deve levar em conta se estiver pensando em seguir carreira como gerente de produto?
Aqueles que aspiram a um cargo de gerente de produto devem considerar três fatores principais ao avaliar a função: competências essenciais, inteligência emocional (QE) e adequação à empresa. Os melhores gerentes de produto com quem trabalhei dominavam as competências essenciais, possuíam grande inteligência emocional e trabalhavam para a empresa que era certa para eles. Além de expedir novos recursos em um ritmo regular, os melhores gerentes de produto criam produtos com grande adoção pelos usuários, que promovem crescimento exponencial de receitas e talvez sejam até disruptivos para o setor.
Competências essenciais
Existem competências essenciais que todo gerente de produto deve possuir — muitas das quais podem começar na sala de aula — mas a maior parte desenvolve-se com experiência, pessoas competentes que sirvam de exemplo e mentoria. Alguns exemplos dessas competências incluem:
• conduzir entrevistas com clientes e testes com usuários
• organizar design sprints
• priorização de recursos e planejamento de roteiros
• a arte de alocação de recursos (não é uma ciência!)
• realizar avaliações de mercado
• traduzir as exigências de mercado para termos técnicos, e vice-versa
• modelo de preço e receita
• definir e acompanhar as medidas de sucesso
Essas competências essenciais são a base para qualquer gerente de produto, e os melhores na função aprimoram essas capacidades ao longo dos anos de definição, expedição e repetição dos produtos. Esses gerentes de produto distinguem-se na ponderação acerca de onde cada uma dessas competências contribuiu para o sucesso ou fracasso de seus produtos e ajustam continuamente sua abordagem com base nos feedbacks dos clientes.
Inteligência Emocional
Um bom gerente de produto pode saber o que deve ou não deve ser feito em uma entrevista com clientes, mas os melhores têm a capacidade de gerar empatia para com os clientes nessa entrevista, estão atentos à sua linguagem corporal e a suas emoções e podem astutamente descobrir os pontos problemáticos que serão resolvidos pelo produto ou recurso. Um gerente de produto com grande inteligência emocional possui relações sólidas dentro de sua organização e um senso aguçado de como navegar por obstáculos internos e externos para expedir um ótimo produto. A seguir apresento uma análise mais aprofundada de como as quatro características principais da inteligência emocional, conforme definição de Daniel Goleman, relacionam-se com a função de gerente de produto.
Gestão de relacionamento. Provavelmente, uma das características mais importantes de um ótimo gerente de produto é sua capacidade de gerir relacionamentos. Ao formar relações verdadeiras e confiáveis com investidores internos e externos, os melhores gerentes de produtos inspiram as pessoas e as ajudam a atingir todo seu potencial. A gestão de relacionamento também é fundamental em uma negociação bem-sucedida, na resolução de conflitos e ao trabalhar com os outros em busca de um objetivo comum, algo que é particularmente desafiador quando um gerente de produto tem a incumbência de encontrar um equilíbrio entre as necessidades dos clientes, as equipes de engenheiros com recursos limitados e as metas de receitas da empresa. Relacionamentos autênticos e confiáveis dentro de uma empresa podem levar a um maior apoio quando recursos financeiros adicionais tornam-se necessários para um produto ou quando um engenheiro deve ser convencido a incluir uma rápida solução para um bug no próximo sprint. Fora de uma empresa, essas capacidades podem encorajar clientes existentes a realizar testes betas em novos recursos para que se consiga feedbacks iniciais ou para convencer um cliente-alvo a tentar o MVP (do inglês, produto mínimo viável) de um produto ainda em segredo. Essas capacidades de relacionamento podem também ser aquilo que fará a diferença entre ter clientes revoltados porque um bug foi introduzido em um produto e aqueles que vão dizer: “Não tem problema, sabemos que vocês vão resolver isso”.
Autoconhecimento. Gerentes de produto devem ter autoconhecimento para se manter objetivos e evitar projetar suas próprias preferências nos usuários de seus produtos. Se um gerente de produto está apaixonado por um recurso porque ele resolve seus problemas — gerentes de produtos normalmente são superusuários dos produtos pelos quais são responsáveis — pode fazer com que um usuário também diga que o adora somente para agradá-lo (“validação de recurso falsamente positiva”). Caso não tenha autoconhecimento, um gerente de produto pode pressionar para a priorização de um recurso que criou, mesmo quando todas as entrevistas com clientes e evidências dizem o contrário. Essa falta de autoconhecimento pode arruinar prioridades mais importantes ou prejudicar o relacionamento do gerente de produto com engenheiros, que podem perder a confiança em seu gerente de produto quando o recurso não é prontamente adotado pelos usuários.
Autogestão. Ser gerente de produto pode ser bastante estressante. O CEO quer uma coisa, a equipe de engenharia, outra, e os clientes têm suas próprias opiniões sobre recursos prioritários. Administrar prazos apertados, metas de receitas, exigências do mercado, conflitos sobre o que deve ser priorizado, e restrições de recursos tudo de uma vez não é para os fracos. Se um gerente de produto não consegue controlar suas emoções e manter-se frio sob pressão, pode rapidamente perder a confiança de todos os membros. Os melhores gerentes de produto sabem como realmente pressionar para que as prioridades corretas sejam adotadas com urgência, mas sem transmitir uma sensação de pânico ou estresse. Esses gerentes de produto sabem ainda quando dar um tempo e se afastar para se restabelecer.
Consciência social. De acordo com Goleman, as competências associadas a possuir consciência social são empatia, consciência organizacional e serviço. Gerentes de produto devem entender as emoções e preocupações dos consumidores acerca de seus produtos tão bem como compreendem as preocupações da equipe de vendas sobre como vender aquele produto, ou da equipe de apoio para saber como dar suporte em relação ao produto, ou da equipe de engenheiros sobre como construí-lo. Gerentes de produto têm de ter um entendimento profundo sobre como a organização opera e devem construir capital social para influir no sucesso de seu produto, desde a aquisição de verba e de pessoal até a garantia de que um engenheiro de ponta irá trabalhar em seu produto. Por fim, a consciência social garante que os melhores gerentes de produto apresentem a seus clientes um produto que resolva suas necessidades, que é, no fim das contas, o que impulsiona a adequação do produto ao mercado.
Adequação à empresa
Se os melhores gerentes de produto têm competências essenciais bem desenvolvidas e alta inteligência emocional, isso significa que estão destinados ao sucesso independente de onde trabalhem? Não necessariamente. Na verdade, pegar essa capacidades e características pessoais e empregá-las na empresa certa é o que irá, em última instância, garantir o sucesso.
Ainda estou para ver uma descrição das funções do cargo de gerente de produto que seja padrão, uma vez que cada cargo é, em última análise, definido pelo tamanho, tipo de produto, fase, setor e mesmo a cultura da empresa. Se você possui competências essenciais e alta inteligência emocional para ser um gerente de produto de sucesso, o próximo passo é descobrir quem está contratando e atrás do que eles realmente estão.
A seguir estão algumas áreas fundamentais nas quais as empresas se diferenciam em relação ao que desejam de um gerente de produto.
Capacidade técnica. O tipo de produto, quem o utiliza e o tipo de empresa determinarão quão técnico um gerente de produto precisa ser. Por exemplo, o Google exige que o gerente de produto seja aprovado em um teste de capacidade técnica, independente do produto com o qual trabalhará. Se a empresa está desenvolvendo um SaaS CRM, pode ser que hajam mais exigências sobre a experiência com go-to-market e vida útil dos clientes do que a respeito de como o produto é construído. Em compensação, se é um produto de ciências de dados com algoritmos de machine learning e APIs, o cargo pode exigir muito mais aprofundamento técnico para que se possa não apenas entender o desenvolvimento do produto mas também passar credibilidade aos clientes que irão utilizá-lo. Sendo assim, possuir um conhecimento técnico rudimentar do que está além da superfície e domínio das ferramentas usadas pelos gerentes de produto é certamente importante para o cargo, onde quer que seja. Se você é um aspirante a gerente de produto e está preocupado porque não possui essas capacidades técnicas rudimentares para a função, pode pensar em fazer cursos online, como o renomado Introduction to Computer Science (CS50) — Introdução à Ciência da Computação —, oferecido pela Harvard University, ou um dos muitos cursos introdutórios e avançados sobre tecnologia oferecidos pela Flatiron School.
Filosofia da empresa em relação ao gerente de produto. Toda empresa tem uma filosofia diferente sobre o processo de desenvolvimento de produto e onde o gerente de produto se encaixa nesse processo. A seguir estão os três tipos mais comuns, com seus prós e contras:
•O gerente de produto lidera a engenharia. Essa é uma abordagem do tipo “faça e passe para frente”, na qual o gerente de produto reúne o que é necessário, redige o documento com as exigências fundamentais do produto e o entrega para a equipe de engenharia para que especifiquem as necessidades técnicas. Empresas contemporâneas podem colocar em prática esse processo de maneira mais ágil e colaborativa, mas a expectativa é que o gerente de produto seja a pessoa mais capacitada para saber o que os clientes precisam e que o pessoal de engenharia esteja lá para auxiliar.
° Prós: A equipe de engenharia pode se concentrar na codificação sem que haja muita distração; isso tende a funcionar bem para lojas que se valem do modelo de desenvolvimento em cascata com longa vida útil.
° Contras: Os engenheiros perdem a noção do panorama geral e não desenvolvem empatia em relação aos clientes, o que pode levar a uma experiência ruim do usuário. Frequentemente há tensões prejudiciais quando é preciso priorizar dívidas técnicas e serviços de “encanamento” em detrimento das exigências dos clientes.
• A equipe de engenharia lidera o produto. Empresas de produtos voltadas mais para a técnica (nuvem, big data, networking) tendem a ser lideradas pela engenharia, com engenheiros fomentando a ciência em seus domínios e gerentes de produto validando soluções ou criando pontos de acesso front-end(UIs, APIs) para tirar proveito dessa nova tecnologia. Pode haver um relacionamento colaborativo e umfeedback loop entre clientes, gerentes de produto e a equipe de engenharia, mas normalmente os gerentes de produto estão auxiliando os engenheiros nessas empresas.
° Prós: Tecnologias inovadoras podem oferecer aos clientes coisas que eles nem sabiam que precisavam. O VMotion na VMware foi um grande exemplo disso. Um engenheiro pensou que seria bacana desenvolvê-lo, um gerente de produto achou uma forma de rentabilizá-lo, e o produto passou a ser um divisor de águas de bilhões de dólares para a empresa.
° Contras: Os engenheiros procuram aquele algo novo reluzente, arquitetam em excesso a solução ou a repetem eternamente em busca da perfeição antes de receber um feedback do cliente. O insumo do gerente de produto sobre as prioridades é ignorado, e entre eles estão, algumas vezes, as necessidades mais básicas dos clientes.
• A parceria entre o gerente de produto e a equipe de engenharia. Nesses casos, existe um forte yin-yang entre o gerente de produto e a equipe de engenharia, com descobertas conjuntas, tomadas de decisões e responsabilidade compartilhada. Os engenheiros juntam-se aos gerentes de produto nas entrevistas com clientes e os gerentes de produto comparecem a “sprint meetings” (reuniões em que estão presentes os representantes da gerência, do cliente e engenheiros) para ajudar a destravar atividades ou a esclarecer exigências. Mas esses dois cargos respeitam os limites de onde cada um começa e termina. O gerente de produto entende o que está sendo codificado mas não diz aos engenheiros como trabalhar, e os engenheiros têm empatia para com as necessidades dos clientes mas deixam para o gerente de produto a determinação das prioridades.
° Prós: Um processo de priorização eficiente que valoriza dívidas técnicas e projetos de “encanamento”; melhores processo de confecção que levam a uma melhor experiência para o usuário; equipes de alto desempenho com velocidade de produtos aprimorada, qualidade e, normalmente, clientes satisfeitos.
° Contras: Inovações revolucionários podem não receber luz verde; o período para a disponibilização do produto no mercado pode ser demorado (embora eu defenda que o que é lançado é muito mais bem alinhado às necessidades dos clientes e mais provável de atingir sucesso).
Sou claramente a favor do terceiro tipo de filosofia acerca dos gerentes de produto (assim como o investidor de risco Fred Wilson), uma vez que já vivenciei os três e achei o yin-yang o mais eficaz. Mas isso não quer dizer que os outros são particularmente ruins — realmente depende do tipo de produto que está sendo desenvolvido, a fase da empresa e outras coisas. Independentemente, quando pensar em um cargo de gerente de produto, a filosofia da empresa em relação ao gerente de produto pode ser o fator determinante para a adequação ao cargo.
Fase da empresa. Em uma startup é bem mais provável que o papel do gerente de produto seja o daquele que “faz tudo”, ao passo que em uma empresa mais desenvolvida, sua função será mais claramente definida. (O livro Product leadership, de Banfield, Eriksson e Walkingshaw, tem uma seção que apresenta esse assunto de modo bem mais detalhado.)
•Startup. Além de descobrir, definir e expedir, gerentes de produto também podem ser responsáveis por estabelecer preço, pelo marketing, pela assistência e potencialmente até pelas vendas do produto. Esses gerentes de produto prosperam em um ambiente fragmentado e sentem-se à vontade com a ambiguidade e frequentes mudanças de direção conforme a empresa trabalha para adequar o produto ao mercado e aprende a operar em escala.
° Prós: Gerentes de produto provavelmente estão mais envolvidos com a estratégia da empresa, ficam expostos à liderança de membros da diretoria que ocupam cargos mais altos, são capazes de assumir mais riscos e causar um impacto maior. Também possuem mais influência e autoridade sobre os recursos da empresa.
° Contras: Normalmente há menos ou nenhuma mentoria, nem pessoas que possam servir de modelos nem as melhores práticas profissionais dentro da empresa (talvez seja preciso buscar essas coisas fora). Os orçamentos são normalmente apertados e os gerentes de produto podem não ter a experiência necessária para ter sucesso em algumas das atividades que terão de exercer.
• Empresa desenvolvida. O gerente de produto pode ter um escopo mais restrito e possuir colegas que lidam com o estabelecimento de preço, estratégias go-to-market e assim por diante. E provavelmente ele fará parte de uma equipe maior de gerentes de produto.
° Prós: Os gerentes de produto são mais propensos a ter mentoria e pessoas que podem ser vistas como exemplos, bem como critérios desenvolvidos e as melhores práticas. Uma forte ligação com uma equipe de engenharia pode criar, com o tempo, relacionamentos sólidos, o que é ótimo para causar um impacto a longo prazo e para o crescimento profissional. E se o produto se adequa ao mercado, há uma base estabelecida de clientes e um ponto de partida do desempenho a partir do qual se trabalhar, em vez de se adotar uma prática de tentativa e erro.
° Contras: Gerentes de produto estão menos expostos às estratégias das empresas e são apenas um das muitas vozes dos clientes. Podem ser “perder” dentro do sistema e ter de lidar com mais questões políticas e orçamentos apertados.
O relacionamento do fundador/CTO/CEO com o gerente de produto. Principalmente em empresas iniciantes, é importante saber até que ponto o fundador/CTO/CEO está envolvido no processo do produto. Se estão profundamente envolvidos, o papel do gerente de produto pode ser mais de assistência, dando às ideias deles mais detalhes ou validando conceitos juntamente com os clientes, em vez de criar e fomentar ideias próprias. Isso pode ser muito divertido para alguns gerentes de produto que gostam dessa parceira com fundadores e executivos C-level e de colaborar para a evolução do produto. Mas para outros gerentes de produto, pode ser bastante decepcionante se eles preferem assumir mais a autoria em relação à direção do produto. Também pode ser desafiador se os fundadores ou executivos C-level mais técnicos preferirem trabalhar diretamente com os engenheiros. Isso pode deixar os gerentes de produto desinformados ou desvalorizados (algumas vezes de maneira não intencional), causando não somente decepções pessoais, mas atrasos. Ao considerar a possibilidade de assumir um cargo de gerente de produto que pode trabalhar em estreita colaboração com a equipe de liderança fundadora, certifique-se de que você sabe tudo aquilo que é esperado para o cargo de gerente de produto e decida se está de acordo com seus interesses.
Há, claro, muitos outros fatores a serem levados em conta ao se pensar acerca de qualquer cargo, como o tipo de produto que está sendo desenvolvido (B2B, B2C, setor), as pessoas com que se irá trabalhar, a cultura geral da empresa (diversificada, inclusiva, com horários flexíveis, trabalho à distância), e, claro, os salários e os benefícios. Existem ainda muitos artigos sobre a contratação de gerentes de produto que oferecem uma ideia do que os gerentes de contratação buscam — particularmente, recomendo o artigo escrito pelo meu amigo Ken Norton, “How to hire a product manager”. No entanto, se você está lutando para se tornar um ótimo gerente de produto, leve em conta todas as informações apresentadas acima antes de selar sua próxima aventura. O desenvolvimento de competências essenciais será uma atividade constante ao longo de toda sua carreira, e tirar proveito da inteligência emocional fará com que você assegure uma experiência mais positiva. Mas onde você trabalha, como trabalha, com quem e para quem trabalha irá, no fim das contas, determinar seu sucesso a longo prazo.
—————————————————————————-
Julia Austin é professora da Harvard Business School e atua como diretora, consultora e coachexecutiva para uma porção de empresas iniciantes.