Na briga para ganhar vantagem sobre os concorrentes, as empresas gastam milhões de dólares para entender o consumidor por meio de grupos focais, enquetes, e análises sofisticadas. Entretanto, frequentemente – uma vez que a maioria das pessoas não sabe o que quer – esses métodos desperdiçam tempo e recursos. Há uma maneira melhor: educar o consumidor, em vez de somente ouvi-lo.
Pense, por exemplo, em três produtos distintos: café, diamante, e smartphone. Há séculos, bilhões de pessoas pelo mundo apreciam café. No entanto, nossa percepção do produto vem mudando drasticamente desde a chegada ao mercado da Starbucks, em 1971, sendo hoje uma potência mundial, com mais de 28 mil estabelecimentos. Igualmente, a DeBeers pegou uma pedra preciosa – o diamante – e criou um mercado mais amplo para ele, e o associou ao romance e ao casamento. Em 2013, a venda de diamantes alcançou a soma de US$ 70 bilhões, marca superior à de 1932, que beirava a zero. As pedras eram iguais, mas os consumidores conheceram seu novo significado – e seu valor. Finalmente, no caso dos smartphones, Steve Jobs se opôs – de maneira magnífica -à abordagem tradicional: “Alguns dizem: ‘dê aos consumidores o que eles querem.’ No entanto, essa não é minha abordagem. Nosso trabalho é descobrir o que eles vão querer, antes de realmente quererem… As pessoas não sabem o que querem até que você mostre a elas.”
Para compreender melhor como as empresas têm sucesso ao educar os consumidores, estudamos a indústria vinícola americana. A produção de vinhos tem se mantido quase inalterada há mais de 7 mil anos, mas a indústria vinícola americana saltou exponencialmente de mais de US$ 30 bilhões em 2002 para mais de US$ 60 bilhões nos dias de hoje, tornando-se a maior do mundo. O número de vinícolas nos Estados Unidos cresceu 50%, para aproximadamente 10 mil, somente na última década. Algumas redefiniram o conceito de bom vinho, conquistaram a fidelidade de consumidores apaixonados, e estabeleceram preços extraordinários.
Como essas empresas conseguiram os benefícios normalmente atrelados à inovação disruptiva numa indústria onde a tecnologia vem se mantendo inalterada há milênios? Para explorar essa pergunta, desde 2010 estamos estudando minuciosamente a indústria vinícola, focando principalmente nos produtores americanos, mas também em alguns da Itália e da França, para os quais o mercado americano é importante. Esses produtores variam de pequenos produtores a empresas multinacionais; algumas iniciaram operações nos últimos 30 anos, enquanto outras datam do século 14. Tivemos encontros com produtores de vinhos, profissionais de marketing, CEOs, críticos, escritores e importadores, e observamos e entrevistamos consumidores em suas residências, nas vinícolas, em eventos com vários fornecedores, em bares, restaurantes e em vinhedos. Com base em 58 entrevistas, elaboramos mais de 2.300 páginas com depoimentos, anotações, documentos e fotografias. Pudemos notar que, como a Startbucks, a DeBeers e a Apple, os produtores de vinhos influenciam os mercados por meio da visão e da influência social. E como fazem isso?
Etapa 1: Visualize algo excepcional
Os produtores de vinho veem o consumidor como alguém com conhecimento limitado em vinhos, demonstrando escolhas inconsistentes e difíceis de serem previstas. Por esta razão, em vez de ir atrás da opinião do consumidor e atendê-la, eles procuram influenciar os gostos.
Christian Moueix, mais conhecido como o produtor do legendário vinho francês Château Petrus, da Pomerol, dá um exemplo. Moueix adquiriu uma vinícola em Napa Valley, onde os comerciantes de vinhos fazem vinhos ricos e exuberantes de alto teor alcoólico. Os profissionais da área chamam esses vinhos de friut bomb, e os mais populares são vendidos por centenas de dólares. No entanto, Moueix nos disse que “detesta” esse tipo de vinho, e que despreza várias práticas comuns na Califórnia. Alternativamente, ele dá preferência a uma abordagem desenvolvida por ele em Bordeaux, que dispensa a opinião do consumidor. “Eu faço o que me agrada,” explica.
Ouvimos versões desse sentimento várias vezes. Um produtor de vinhos americano nos disse que o consumidor “não respeita o produto…não entende de vinho…e não liga para isso.” Um outro executivo disse: “Não vou solicitar ao mercado o que ele quer porque eles não sabem o que querem até que eu mostre.”
Alguns produtores não demonstram interesse nos lucros como sua marca registrada. “Não estamos aqui para alcançar o equilíbrio; estamos aqui para quebrar as regras, os recordes e atingirmos o sucesso,” afirma, orgulhosamente, um proprietário de uma vinícola da Califórnia.
Em vez de atender às demandas do consumidor ou almejar retornos financeiros, os vinicultores seguem a mesma visão de um artista ao vislumbrar sua obra. Condicionados somente à vinícola e à sua história, eles almejam deixar um legado personalizado.
Etapa 2: Mobilize os influenciadores
Ainda que os produtores de vinho rejeitem a opinião do consumidor e a busca por lucro, eles valorizam as opiniões dos colegas, da mídia influenciadora e de críticos, como Karen MacNeil, Jancis Robinson, The Wine Spectator, Wine & Spirits, Vinuous Media e de Robert Parker, da The Wine Advocate.
Os críticos normalmente atribuem uma nota ao vinho, numa escala de 0 a 20 ou de 0 a 100, e uma nota ao seu gosto; caso a Parker atribua um ponto a mais, cada garrafa recebe €2.80 ou $3.00 a mais, segundo uma análise, ao passo que uma diferença de dez pontos pode significar milhares de euros para um produtor em larga escala, e uma pontuação de 100 consegue fundamentar um aumento nos preços de três a quatro vezes.
Alguns produtores manipulam os vinhos a fim de ganhar pontuações altas, mas aqueles que influenciam o mercado são mais sutis. Eles visam a construir relações influentes com pessoas inovadoras do meio, mais do que agradá-las. Eles instruem os especialistas quanto às suas histórias, seus produtores de vinhos e as visões de futuro, e, assim, ganham algum controle sobre os relatos que chegam ao público. Eles ensinam qual “idioma” é preciso usar para auxiliar as pessoas a “descobrirem a alma” do vinho.
A cada outono, um produtor que entrevistamos convida sommeliers, jornalistas e outras pessoas para assistirem à colheita em suas vinícolas na França. Um grupo pequeno de cinco ou seis convidados se hospeda na residência elegante do dono. Na companhia do vinicultor, os convidados andam pelas vinícolas, degustam os vinhos de safras anteriores e conversam sobre a experiência, no jantar. O evento tem por objetivo conectá-los à marca e defendê-la.
Por meio dessas experiências, surge um consenso a respeito de quais vinhos são excelentes, e quais são excepcionais; no final das contas, é o que decide quem são os vencedores e os perdedores na indústria. O Dominus Estate de Moueix apresenta um caso pontual. Quando disponibilizou a primeira safra do Dominus Estate ao mercado em 1988, o vinho não era o fruit bomb, nem um vinho de Bordeaux de Moueix, o que foi motivo de debate: era o vinho mais para o francês ou para o californiano? Ele realmente valia US$40? Da mesma maneira que um compositor sabe explicar o significado da letra de sua música, Moueix explicou sua visão aos críticos. Ele queria que o vinho expressasse o seu terroir – o solo, o clima, o brilho do sol e o ambiente natural – de Yountville, sua vinícola legendária na Califórnia. Moueix também preferia a agricultura de sequeiro (onde não há irrigação), a fim de refinar a safra e poder colher as uvas antes do tempo. Sendo assim, o Dominus Estate ficou conhecido como a marca exclusiva do “terroir Napa, com bebidas de Bordeaux”. Com o tempo, os críticos passaram a descrevê-lo como um benchmarking para a região; a alta pontuação continuava. A Parker atribuiu 98 pontos a safra de 2001. Três críticos atribuíam a rara pontuação de 100 para a safra de 2013 – perfeito!
Etapa 3: Deixe o consumidor agir e compartilhar
O consumidor que deseja comprar uma garrafa de vinho tem muitas escolhas. Na verdade, muitos dos compradores com quem falamos descreveram a experiência como estressante; eles se mostravam receosos de fazer uma má escolha e parecerem desconhecedores de vinhos, ou de perder a oportunidade de tornar uma noite mais especial. Para decidir, eles recorrem aos especialistas, que foram influenciados grandemente pelas vinícolas.
Apesar das dúvidas acerca da objetividade da pontuação atribuída aos vinhos, os críticos ainda assim, orientam a conduta das revendas e a hospitalidade aos compradores e consumidores. Um revendedor conduziu um experimento posicionando duas garrafas de Califórnia Chardonnay lado a lado e divulgando suas pontuações e observações referentes ao gosto – dadas pelo Wine Advocate – logo abaixo delas. A garrafa que obteve 92 pontos vendeu muito mais do que a de 84, na proporção de dez para um. Quando os mesmos vinhos foram disponibilizados somente com a pontuação para o gosto, as vendas foram praticamente iguais. Um outro exemplo: Moueix vendeu todas as caixas de garrafas disponíveis da safra de 2013 da Dominus Estate e as garrafas que ficaram nas prateleiras da revendedora mostravam a etiqueta com preço de US$300 ou mais
A reação em cadeia é clara. A visão geral vai desde o produtor até o crítico. Os revendedores estocam os vinhos que os críticos e demais especialistas elogiam, e os sommeliers acrescentam suas descobertas mais recentes às listas de vinhos. Revendedores e sommeliers, então, compartilham opiniões sobre seus vinhos preferidos com os consumidores, os quais divulgam o que compraram e apreciaram com a família e amigos. Os visitantes mais dedicados são aqueles que foram aos vinhedos, associaram-se a clubes de vinhos, procuraram conhecer melhor e compartilharam o que aprenderam com outras pessoas. Do começo ao fim, o processo é educacional.
Os produtores de vinho considerados excepcionais estabelecem categorias e benchmarks. Os consumidores se tornam fãs e pagam valores superiores ao padrão, apesar de, literalmente, haver milhares de outras alternativas disponíveis. Essa prática assegura o sucesso financeiro dessas empresas, mesmo quando elas desconsideram a opinião do consumidor e fingem não estar em busca de lucros.
Do aprendizado à educação
À medida que os produtos ficam mais complexos e o consumidor tem mais pressa, acreditamos que as empresas de todos os setores serão bem-sucedidas ,gradativamente, quando optarem por uma visão singular: cultivar opiniões de especialistas por meio de conexões autênticas, promover um consenso entre os especialistas, e permitir que o consumidor reaja e divulgue o produto . As empresas que saem na frente por simplesmente fornecerem respostas aos clientes estão propensas a serem afetadas por inovações, enquanto aquelas que trabalham o mercado por meio da influência social e da educação conseguem sobreviver.
Gregory Carpenter é professor de estratégia mercadológica da James Farley/Booz Allen Hamilton na Kellogg School of Management da Northwestern University. É coautor do livro Resurgence: the four stages of market-focused reinvention e coapresenta a conferência anual de sobre Liderança em Marketing, onde os maiores líderes discutem o futuro do marketing.
Ashlee Humphreys é professora associada de Comunicação Integrada de Marketing da Faculdade de Jornalismo, Mídia e Comunicação Integrada de Marketing da Northwestern University, e é professora adjunta de Marketing da Kellog School of Management. É autora do livro Social Media: Enduring Principles.
Fonte HBR