Fogo, roda, metal. Cada uma dessas invenções mudou o destino da espécie humana e nos tornou mais aptos, mais fortes e mais inteligentes. O fogo, por exemplo, além de aquecer e proteger, permitiu a cocção de alimentos. Essa inovação foi fundamental para reduzir o esforço físico empregado na digestão e gerar um “excedente energético” que permitiu ao nosso cérebro evoluir e se tornar mais capaz de abstrações. Nesse sentido, o mito grego de Prometeu, o semideus que roubou o fogo do Olimpo e deu essa tecnologia aos homens e, por isso, sofreu um castigo eterno, faz ainda mais sentido. Afinal, com o domínio do fogo, ganhamos em capacidade intelectual e isso nos aproximou dos deuses.
Milhões de anos depois, cá estamos convivendo diariamente e sem a menor cerimônia com capacidades que antes eram reservadas aos deuses. Equipados com smartphones e conexão com a internet chegamos bem perto da onisciência e da onipresença – pelo menos no aspecto virtual. Sim, a tecnologia é capaz de mudar nosso destino e nosso comportamento e quem não for capaz de perceber essa realidade e se adaptar para evoluir, não vai sobreviver.
A cada nova onda de inovação tecnológica, a curva entre o surgimento, a disseminação, a absorção e a criação de novos comportamentos é mais rápida e ampla. Para os profissionais de marketing, a única forma de surfar as novas ondas é sempre priorizar o aspecto humano e comportamental do consumidor e entender que a tecnologia pode ser um caminho para tornar esse processo de compreensão mais ágil e eficaz.
A expansão da oferta de informação vem provocando uma atitude cada vez mais crítica e exigente do consumidor. Uma pesquisa da Accenture, realizada junto a CEOs e CMOS em 2018, afirma que 90% dos entrevistados acreditam que a função do marketing vai mudar drasticamente nos próximos três anos – vale notar que, atualmente, 36 meses já é considerado “longo prazo”. Nessa mesma pesquisa, 75% dos CMOS admitem que as fórmulas tradicionais não conseguem mais ter a mesma eficácia. Problemas novos exigem soluções novas.
Por isso, o papel do marketing precisou evoluir e ir além da sua função primordial de incentivar vendas por meio do fortalecimento das marcas. Hoje, o marketing é dos principais direcionadores do desenvolvimento de uma empresa porque é a fonte de captação das mudanças comportamentais dos consumidores e, também, é a origem do diálogo entre as empresas e a sociedade. Por isso, a expectativa dos CEOs em relação à área de marketing aumentou e passou a incluir o direcionamento da empresa para o futuro.
Para entender as necessidades dos consumidores e criar produtos e serviços com valor agregado capaz de despertar desejo de consumo, o marketing passou a se ocupar dos processos de transformação dos valores e prioridades das pessoas. Novos padrões culturais, sociais, morais e éticos surgem a cada momento. Nesse contexto de mudança constante, a visão de marketing precisa se reinventar: desenvolver a capacidade de ler a realidade, identificar tendências e adotar as posturas correspondentes com agilidade – mesmo que isso signifique cortar a própria carne. Se a Kodak tivesse feito isso quando as câmeras digitais surgiram, talvez seu destino não fosse o pedido de falência. Se a Blockbuster tivesse percebido a mudança de comportamento que a tecnologia streaming estaria provocando, talvez ainda existisse.
O fato é que as empresas não podem fechar os olhos para as novas realidades. Na verdade, um pouco de miopia em relação ao presente é normal. As empresas olham tão de perto seu próprio funcionamento e mercado, e muitas vezes não enxergam claramente o cenário amplo. Nesse contexto, o departamento de marketing deve funcionar como óculos de grau e mostrar para os outros departamentos o que já se pode perceber à média distância.
Por isso, é fundamental que o departamento de marketing esteja atuando de forma sinérgica com vendas, serviços, finanças e TI. Como atualmente as visões desse setor vêm ratificados por uma sólida base de dados numéricos, a antiga visão de que as opiniões do marketing eram muito subjetivas ou intuitivas já não se aplica. Com isso, a contribuição dos especialistas em comportamento ganhou relevância. Por exemplo, a integração entre CMO e CFO se tornou mais crítica e, ao mesmo tempo, mais benéfica.
As interações com o setor de TI estão cada vez mais decisivas, porque apurar o big data só faz sentido quando existem especialistas em humanidades para traduzirem os dados em aprendizados sobre o comportamento humano. Essa é uma tarefa muito grande e complexa. Por isso, ainda são relativamente poucas as empresas que estão com essa integração feita. Mas o desejo por seguir por esse caminho é grande. Segundo uma pesquisa da Nielsen, 79% das empresas espera investir mais em marketing analytics nos próximos 12 meses.
O processo com o big data deve ser dinâmico: construir, mensurar e aprender. E sempre, mas sempre mesmo, ter em mente que por trás daqueles números existem pessoas com hábitos e sentimentos e que têm, inclusive, o poder de bloquear as mensagens publicitárias indesejadas. Mais de 198 milhões de usuários bloquearam publicidades em 2015. Isso equivale a um valor estimado em cerca de US$ 22 bilhões de dólares.
Portanto, o desafio do big data é ter o big feeling: ter a sensibilidade de perceber o desejo dos consumidores por trás dos números. Entender a beleza das mensagens que os consumidores estão passando por meio das estatísticas e buscar a conexão com as pessoas a partir dos dados é o que alimenta a criatividade e permite a criação de um diálogo interessante e construtivo entre as marcas e os consumidores, assim como entre as empresas e a sociedade.
Assim, para entregar bons resultados hoje, o profissional de marketing precisa ser cientista, para entender os números e os impactos da tecnologia. Tem que ser artista, para ser capaz de gerar emoção positiva. E, também, ser ativista, no sentido de estar alinhado com os desejos evolutivos da sociedade. Afinal, a evolução tecnológica vem ampliando a visão crítica da realidade e fazendo com que as pessoas prefiram as empresas mais éticas e proativas, que entendem que a tecnologia serve para ajudar na evolução da nossa espécie.
Rodrigo Rocha é Chief Marketing Officer da empresa de saúde norte-americana UnitedHealth Care, cofundador da Health for Pet e autor do livro Sistema de Estratégia Minimalista (SEM)
Fonte HBR