“Onde estão as novas teorias de administração?”, um arguto observador das tendências de gestão me perguntou em um encontro de executivos, acadêmicos e jornalistas voltado para futuro do setor. Isso foi há alguns meses atrás, e ninguém esperava que o futuro chegasse tão rápido ou da maneira como chegou. Eu já tinha ouvido essa pergunta antes – é uma constante nesses encontros –, mas tenho refletido muito a esse respeito desde que o trabalho como o conhecíamos foi subitamente interrompido. As teorias vinculam análise e ação e, especialmente em tempos de mudança, quando o futuro se torna imprevisível e a ansiedade atinge níveis elevados, os gestores precisam de teorias de onde possam obter clareza e segurança.
Gestão científica. Relações humanas. Vantagem competitiva. Maximização do valor ao acionista. Inovação disruptiva. Essas são apenas algumas das teorias que transitaram pelo campo da administração ao longo do século passado, dotando-a de um fundamento lógico, um roteiro e, às vezes, uma justificativa para a ação. Elas também moldaram a administração, transmitindo uma imagem de quem os gestores devem ser.
Tomemos a gestão científica – mais conhecida como Taylorismo –, sem dúvida a teoria administrativa mais longeva de todas. Ela sugere que o trabalho de um gestor é aumentar a eficiência em um sistema de produção. O gestor, representado pela imagem do Dr. Taylor, deve ser um engenheiro imparcial que garimpa dados para fazer frente à fonte mais comum de erros: as pessoas.
Eu deveria conhecer novas teorias, já que, afinal de contas, sou professor de administração, mas acabo caindo em um beco sem saída. Certamente, não faltaram novos truques de gestão, mesmo antes de toda a agitação dos últimos meses. Existem por aí relatos de sobra sobre gestão, cobrindo todos os gêneros – épicos, cômicos e até trágicos. Executivos têm visões, juram lealdade a dados factuais e até redigem manifestos. Mas novas teorias? Parece não haver nem sinal delas. Até acadêmicos da área de administração ficam estupefatos, e se questionam se as antigas teorias administrativas ainda se aplicam a organizações regidas por algoritmos, ou se alguém ainda está disposto a formular novas hipóteses.
Mas essa escassez de novas teorias é fonte de preocupação não apenas para mim, meus amigos de conferências, numerosos gestores e os autores que acabei de citar. Ela também afeta você. Seja qual for sua idade, e se você é um gestor ou não, você também divide conosco uma espécie de crise de meia-idade administrativa. Os sinais dessa crise se revelam em diversas experiências cotidianas. Talvez você se sinta desconfortável e inquieto, sentindo que não voltaremos ao “normal” no ambiente de trabalho – se é que ele ainda existirá. Ou você se sinta preso, oscilando entre frustração e desespero, imaginando quem está tocando o barco e o que ainda está por vir. Você sente raiva do sistema, além de desconfiança; você sente solidão e falta de sentido. Esses não são apenas indícios da tristeza pela forma como a vida nos forçou a mudar nos últimos meses e semanas – nosso mal-estar e desespero vêm se acumulando desde bem antes disso.
Quanto mais buscamos novas teorias, porém, mais inquietos e presos ficamos. Isso ocorre porque o problema que desencadeia as crises de meia-idade é diferente da maioria dos desafios que a administração é capaz de analisar e resolver. Esse problema é existencial. No entanto, deve ser encarado. Nossa vida depende disso.
É o tema da morte – e a questão do que fazer com a liberdade, o tempo e a energia que nos resta.
Você leu certo. Meu argumento é que o desconforto que muitos têm sentido no trabalho nos últimos meses e anos – e que sentem mais intensamente agora, diante de uma crise social e de saúde em escala global – não se deve à incapacidade dos gestores de se prepararem para o futuro. Ele se deve à relutância da administração em contemplar uma escassez de seu próprio futuro, que está se tornando cada vez mais óbvia e urgente. Uma escassez de futuro que diz respeito à administração como uma ideia e uma prática, e não apenas o destino de gestores individuais. Essa negação, ainda patente em muitas organizações até hoje, não é só perigosa, como também deplorável.
As crises de meia-idade costumam ser desagradáveis, mas produtivas. A morte, quando podemos enfrentá-la, nos obriga a refletir não apenas sobre como vivemos, mas também por que existimos. Ela direciona nosso intelecto e imaginação para melhores caminhos e maiores questionamentos. Embora seu início esteja na ausência de sentido e esperança, uma crise de meia idade pode ser uma fonte desses dois sentimentos. Ela é capaz de nos transformar, engendrando mudanças profundas e permanentes. Ela pode nos libertar, ajudando-nos a confrontar antigos compromissos, e pode nos humanizar, aprofundando as conexões com os outros e com nós mesmos. Essa humanização é bastante necessária, como muito se tem apontado, mas deve ir muito além da retórica habitual da liderança cheia de propósito, esse ligeiro toque de humanismo, cujo objetivo é tornar a administração mais afável. Ela deve se tornar o seu núcleo.
Há muito a ganhar, se pudermos superar a crise. Mas, antes, vamos refletir sobre sua origem.
Uma crise de meia-idade não precisa ser desencadeada pela constatação de nossa morte física factual. Ela pode ser provocada pela consciência de que o mundo como o conhecíamos, ou uma visão de mundo à qual nos ligávamos, fracassou (Embora se possa admitir que uma visão de mundo frustrada leve à morte física, pois o desgaste do corpo social agrava a fragilidade dos corpos individuais que o compõe.). As crises da meia-idade irrompem em encruzilhadas existenciais, entre um estado que não é mais viável e um que ainda não é concebível.
Nessa perspectiva, a administração enfrenta, já há algum tempo, uma crise de meia-idade. E isso porque o capitalismo – a visão de mundo que grande parte das teorias e ferramentas de administração foi elaborada para sustentar e promover – está em um momento existencial crítico. Não estamos mais nos perguntando como fazê-lo funcionar. Muitos agora se perguntam por que (e para quem) ele existe. Alguns até mesmo se perguntam se ele ainda é viável.
“O capitalismo como o conhecemos está morto”, declarou Marc Benioff a três semanas do início da década de 2020. Discursando no palco principal para um auditório lotado na Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, o CEO da Salesforce mostrou-se um duvidoso elogiador. Benioff convidava seus colegas a abandonar o ultra capitalismo preocupado apenas consigo mesmo, obcecado pelo crescimento e pelo lucro, e cego – quando não abertamente hostil – ao seu contexto ambiental e social. O tipo do capitalismo exibido diariamente em macrotendências, como o afloramento de sociedades do tipo “os vencedores levam tudo”, e micromovimentos como o cuidado com os mercados em dificuldades durante uma pandemia.
Podemos debater se o ultracapitalismo está morto. Mas, enquanto o planeta queima, a desigualdade aumenta, as pessoas sofrem e a geopolítica se torna cada vez mais tensa, restam poucas dúvidas de que ele seja letal.
Grande parte do dano causado pelo ultracapitalismo ocorre por meio de sua gestão, mais precisamente pela prática inquestionável de uma visão desumanizada de como a administração opera e deve operar. É uma visão instrumental que a define como uma espécie de tecnologia, um meio para atingir um fim, uma ferramenta para maximizar a eficiência, o alinhamento e o desempenho – mesmo quando aparentemente agindo com preocupação e cuidado com as pessoas. A administração negligencia tudo o que não afeta o desempenho, e sua influência é tão profunda que, em geral, a usamos para nos gerenciarmos, por exemplo, sempre que dizemos a nós mesmos que devemos dormir, malhar ou ler um romance para que possamos ser mais produtivos no trabalho, e não porque dessa forma nossa vida é mais saudável, mais rica e mais livre.
Considere, por exemplo, a maioria das pesquisas ou textos populares sobre administração. Eles se baseiam em um retrato da administração, quando bem implementada, como a maneira de prever e resolver problemas práticos. E se dedicam a oferecer orientações para os gestores resolverem esses problemas. Como tomo decisões? Como posso ser ouvido? Como posso manter minha produtividade? Como ajudo minha equipe a ter êxito?
Em muitas circunstâncias, as teorias e ferramentas que ajudam a responder a perguntas instrumentais são suficientes. Mas são de pouca ajuda quando surgem questões existenciais, como: “Por quanto tempo existiremos? Nós temos importância? Estamos no comando?”. Esses são questionamentos da meia-idade, para indivíduos. E são exatamente as perguntas que fazemos cada vez mais sobre administração neste momento existencial crítico.
Essas perguntas estão ecoando cada vez mais alto, e aqueles que deveriam enterrar o ultracapitalismo, na verdade, estão correndo para seu leito de morte para ressuscitá-lo, alegando que o sucesso que alcançaram anteriormente os torna mais bem qualificados para resolver problemas sociais ou vender nossa saúde e privacidade para obter lucro.
Tentar mudar o mundo sem querer mudar o nosso mundo é um sinal clássico da meia-idade e uma defesa comum quando nossas visões de mundo desmoronam. Apenas oferecendo ajuda e meios é possível garantir o valor e a relevância, mesmo em um mundo novo. (É também uma forma de aspirar à maior das ambições ultracapitalistas: uma revolução sem revolucionários).
“Tudo deve mudar para que tudo continue como está”, profere o príncipe de Salina, frente à perda de seu prestígio na obra-prima de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, “O Leopardo”. Já vi essa citação sendo usada como um exemplo positivo de pragmatismo gerencial, mas, no romance, o Príncipe fictício que incita a família a formar vínculos com os exércitos de um monarca rival e com a família de um grande comerciante é o exemplo típico do poder multiforme. Ele está interessado apenas em manter sua posição e adiar a queda para depois que ele se for. Receio que as palavras dele não fiquem deslocadas quando ditas por aqueles que buscam novas ideias e ferramentas apenas para permanecerem no comando.
Em última análise, porém, essa postura não é suficiente. Se quisermos mudar o mundo, antes, precisamos mudar o nosso mundo. Isso significa que aqueles que ambicionam criar um novo tipo de capitalismo, devem primeiro eliminar o antigo tipo de administração.
Quando digo que devemos eliminar a administração, não estou dizendo para demitir os gestores, as pessoas.
Substituí-las por algoritmos, por exemplo, oferece o risco de tornar a administração mais instrumental do que já é. O local de trabalho administrado por inteligência artificial atinge níveis de controle que superam os sonhos mais extravagantes de Frederick Taylor. Substituir os antigos gestores por novos também não fará diferença. Isso seria inútil se os novos profissionais apenas incorporassem os mesmos princípios com um estilo diferente.
Ao contrário, quando digo que precisamos eliminar a administração, quero dizer que devemos resolver a maneira como concebemos, caracterizamos e praticamos a gestão. Nós – você e eu, pessoas que frequentam reuniões e leem artigos sobre o futuro do trabalho, e todos os outros que dão vida à administração em palavras, por escrito ou no trabalho cotidiano – precisamos mudar a concepção que temos dela e de seu funcionamento em qualquer empresa.
Substituiremos por o quê?
Precisamos de uma administração verdadeiramente humana, que abra espaço para nosso corpo e espírito, ao lado do nosso intelecto e nossas habilidades. Isso se reflete no que o trabalho faz, a sensação que passa e o que representa para nós, não apenas no que podemos fazer no trabalho e como. Uma administração que renuncie à busca incansável de eficiência e alinhamento – e celebra, ou mesmo reconhece as inconsistências que nos tornam humanos. Uma administração que busque o crescimento existencial com a mesma paixão com que busca o crescimento instrumental – ou seja, que busca a expansão de nossa consciência junto com a de nossa potência. Uma administração em que poderemos ser totalmente humanos, com todas as nossas contradições, em instituições pluralistas.
Em uma administração humana, nós deveremos incorporar a preocupação pela liberdade e pelo bem-estar daqueles que gerenciamos, não só o interesse em sua produtividade; considerar as consequências ambientais e econômicas de escolhas estratégicas; não deveremos ceder diante da tirania da tecnologia e teremos de assumir a responsabilidade de rejeitar tecnologias que deem espaço à tirania. Devemos ouvir e amplificar vozes mais diversas, não apenas aquelas que se encaixam em uma visão estreita de gestão e de seus interesses, mas também aquelas que a desafiam e, ao fazê-lo, a animam.
Esse tipo de administração é capaz de viabilizar um capitalismo baseado na curiosidade e na compaixão e, portanto, que seja mais propício à inovação e à inclusão do que sua forma atual.
É possível vislumbrar indícios dessa visão humana da administração. Ela se encontra nos CEOs que falam em se preocupar igualmente com o propósito e com o lucro. Ela se encontra no anseio das pessoas por sentido e comunidade no trabalho. Mas, para que essas afirmações não soem superficiais e esses anseios não sejam ignorados, a administração como a que conhecemos realmente precisa ser extinta. Não há outra saída. Porque, na verdade, ela não tem um problema. Ela é o problema.
O desafio enfrentado pela administração não é a falta de novas teorias; é a força dos velhos princípios. É impossível construir o futuro a partir dos moldes do passado. É como ir a um cirurgião plástico para retocar nossa aparência, quando, na verdade, deveríamos procurar um psicanalista para libertar nossa mente.
É esse exemplo que a administração deveria seguir no momento atual, como argumentei em um artigo recente no qual este ensaio se baseia. Isto é, mais psicanálise. E estou falando sério. Especialmente o ramo da psicanálise preocupado com os sistemas de organização e a experiência das pessoas dentro das organizações. Uma linha de trabalho que desafie as culturas disfuncionais das organizações e o fascínio das pessoas por líderes neuróticos, e cujo intuito seja o de nos libertar das coerções do passado.
Você pode se referir à psicanálise como uma teoria ou uma ferramenta. Não discordo disso. (Eis aí a minha teoria da administração para o nosso tempo), mas emprego-a aqui como um atalho para uma conversa subversiva. Um relacionamento que nos ajude a analisar por que tememos o que queremos e o que nossas teorias nos custam quando se transformam em crenças. Ou seja, quando as soluções para velhos problemas se tornam os motivos da nossa estagnação.
Visto por essa lente, a essência de uma crise de meia-idade é o confinamento. As teorias que aprendemos desde o início e que nos mantiveram atualizados vieram para nos manter encarcerados.
Para os indivíduos, essas geralmente são teorias pessoais sobre como seguir adiante. Você deve sempre trabalhar com afinco (Para quê?). Você pode descansar depois da próxima promoção (Jura?). Prove que você é capaz de alcançar o sucesso sozinho (Mas por quê?). Sempre se esforce para se enturmar (A que preço?). Para a administração, essas são as teorias que aprendemos na faculdade, nos livros e com os profissionais que nos inspiram. Teorias populares como as que mencionei anteriormente, ou mais próximas, em nossas organizações. Os gestores, digamos, devem colocar os acionistas em primeiro lugar ou manter as pessoas em sincronia. Essas teorias podem ter nos dado segurança e trazido sucesso em dado momento. Elas funcionaram para nós, e por isso nós trabalhamos para elas. Até a magia delas se apagar, em geral porque não podíamos mudar, fomos confrontados com a morte, ou ambas as coisas.
Essas teorias nos decepcionam porque nos apontam como seguir em frente sem nos dizer por quê. Quando a mudança é necessária ou a morte está no horizonte, isso não irá nos acalmar nem nos bastar. A pergunta que precisamos responder não é mais “o que funciona melhor?”; é “para que vale a pena viver?”
A psicanálise faz essa pergunta e, ao fazê-la, nos liberta quando o confinamento se torna árduo demais. “As pessoas procuram a psicanálise – ou escolhem alguém com quem conversar – quando descobrem que não conseguem mais guardar um segredo”, escreve o renomado analista britânico Adam Phillips. “O que era algo particular tornou-se, a despeito da própria pessoa, insuportável.”
Uma crise de meia-idade é um eufemismo para a percepção de que as respostas instrumentais que as teorias produzem a partir dos dados, não se encaixam nas questões existenciais. As teorias têm um escopo limitado quando não há um propósito. Elas se tornam, por fim, insuportáveis. O mesmo ocorre com a noção de administração à qual temos nos apegado durante um século.
É por isso que ameaças existenciais, quando confrontadas, podem acabar nos libertando. Elas ampliam nosso horizonte nos lembrando de que precisamos mais do que teorias e que somos mais do que ferramentas.
Com discernimento e apoio, somos capazes de sair de uma crise de meia-idade com uma visão mais alargada de quem somos, mais compreensivos, mais generosos, simultaneamente mais resolutos e tolerantes, mais dispostos a equilibrar nossa consideração com a mecânica e a moral das nossas ações. Se ela puder enfrentar sua própria crise de meia-idade, a administração pode estar às voltas com uma transformação genuína. Ela pode até se valer das atuais crises sociais e de saúde como oportunidades para provar, e não apenas apregoar, seu compromisso com a humanidade.
Para isso, no entanto, não precisamos de novas teorias administrativas. Precisamos de um propósito mais amplo. E é necessário que esse propósito se manifeste não em discursos ousados, mas em diálogos permanentes, conosco e com os outros, que contestem as teorias instrumentais. Esses diálogos são muito mais úteis em situações existenciais como a atual. Eles são muito mais eficazes em nos libertar e unir todos para provocar uma virada humana na administração e, em última análise, em nossos relacionamentos – uns com os outros, com a tecnologia e com o planeta – no ambiente de trabalho.
Aqueles que ainda veem com ceticismo afirmações como “o capitalismo como o conhecemos está morto” e desconfiam do compromisso com a transformação por parte daqueles que se beneficiaram com o ultracapitalismo, baseiam suas críticas em um princípio lógico. Em geral, gostamos de mudar o mundo se pudermos, mas não quando coloca nossa identidade em risco. Isto é, a menos que estejamos passando por uma crise de meia-idade. Então, a perspectiva existencial sugere que as pessoas são comumente capazes de se tornar uma ameaça para suas velhas visões de mundo, e de superar um antigo eu que esteja obstruindo o caminho para o futuro.
Se a eficiência é o objetivo do instrumentalismo, a liberdade é o objetivo do existencialismo. Aprofundar nossa humanidade nos negócios, na política e em todos os outros campos, exige uma igual devoção aos dois preceitos. No dia em que a liberdade for tão central quanto a eficiência, na prática, podemos declarar a administração uma página virada e lhe dar as boas-vindas para uma nova vida.
Gianpiero Petriglieri é professor associado de comportamento organizacional no INSEAD. Médico psiquiatra de formação, Gianpiero pesquisa e pratica o desenvolvimento de liderança. Ele coordena o Programa de Aceleração em Gestão do INSEAD, além de workshops de liderança para organizações globais.
Fonte HBR