Independentemente do setor de atuação, as empresas acumulam cada vez mais dados. O varejo inspeciona microscopicamente nosso histórico de compras, as companhias aéreas avaliam o porquê de os voos estarem no horário, e praticamente todos os chamados de assistência técnica, e-mails e interações são monitoradas. Quais os benefícios advindos de todos esses dados? As empresas conseguem entender como resolver as necessidades dos clientes da melhor forma possível, melhoram seus serviços e operações e tomam decisões mais acertadas com relação às contratações.
Entramos na época de ouro dos dados. Não é necessário ser a Walmart ou a IBM para construir um data lake na sua empresa — hoje em dia, essa oportunidade está disponível para todas as empresas por intermédio de sistemas baseados na nuvem a preços muito acessíveis.
Embora tenhamos todos esses dados – e eles têm uma influência cada vez maior – ainda resta um grande problema em nossas mãos: a maioria das pessoas não consegue ler ou interpretá-los muito bem. Alguns anos atrás, o National Center for Education Statistics (NCES – Centro Nacional de Educação Estatística, órgão federal dos Estados Unidos da América) avaliou as habilidades em interpretação de dados e resolução de problemas de adultos em mais de 23 países, e descobriu que os Estados Unidos da América estavam em 21o lugar entre todos esses países. Um grande percentual da força de trabalho precisa melhorar seu entendimento de dados.
Quem é responsável por fomentar a literacia de dados?
Escolas e faculdades, em geral, não estão preparadas para resolver o problema da literacia em dados. Os currículos de matemática priorizam conceitos essenciais (cálculo e álgebra) acima das matérias aplicadas, como por exemplo, estatísticas e probabilidade. Campanhas para um maior pragmatismo passaram despercebidas.
Atualmente, esta responsabilidade migrou das instituições acadêmicas para as empresas onde programas de desenvolvimento de competências prosperam. Empresas como a Bloomberg, Guardian Insurance e Adobe oferecem agora “institutos digitais e de ciência de dados”, focados em ajudar os funcionários a aprender todas as disciplinas necessárias para analisar dados.
Mais empregadores deveriam abraçar esta responsabilidade. Eles têm os recursos e, com certeza, colheriam resultados.
Uma nova e mais ampla visão das competências relacionadas a dados
Ao longo dos últimos cinco a dez anos, as habilidades relacionadas a dados que precisamos ter mudaram. Nos primórdios da ciência de dados, as empresas precisavam de habilidades em SQL, extração de dados, normatização da informação e tecnologias, como processamento paralelo, análise de big data e R (uma linguagem de programação).
Hoje, conforme apontado por pesquisas da IBM, muitas dessas tecnologias estão integradas às plataformas de dados; portanto, as empresas precisam de outras habilidades. Não somente empresários precisam entender a natureza desses sistemas de dados e seu funcionamento, como precisam, também, entender como criar governança, privacidade, segurança e confiabilidade de dados que sejam consistentes. Conforme a IA se torna um elemento cada vez mais importante para os negócios, os profissionais de hoje têm a necessidade crescente de entender como desafiar os resultados dos algoritmos, e não apenas assumir que as decisões do sistema estejam sempre corretas.
Um exemplo: recentemente conduzimos grupos focais com vinte empresas muito complexas, onde nos disseram quais eram as habilidades relacionadas a dados que estavam faltando em suas organizações. Esses times de profissionais de analytics afirmaram que não estavam sentindo falta de habilidades técnicas, mas sim, da ausência de habilidades para a solução de problemas orientados por dados. Mencionaram, em especial, que as pessoas não tinham as habilidades necessárias para:
- Fazer a pergunta certa
- Entender quais dados eram relevantes e como testar a validade dos dados que tinham
- Interpretar bem os dados de forma que os resultados fossem úteis e relevantes
- Testar hipóteses usando testes A/B para ver quais resultados seriam obtidos
- Criar visualizações simples de entender para que os líderes conseguissem compreender os resultados
- Contar uma história que ajudasse os decisores a entender o “grande cenário’’ e agir de acordo com os resultados da análise
Logicamente, precisamos de habilidades avançadas em ciência de dados, mas nossa pesquisa mostra que são as complementares a elas – as “soft skills’’ – que fazem a grande diferença.
O custo do não entendimento do contexto em que os dados estão inseridos é enorme. A equipe de analytics de uma grande varejista global descobriu uma enorme variação no volume de vendas e na rotatividade de funcionários nos pontos de venda. Estudaram a correlação da receita com várias métricas e chegaram à conclusão de que as lojas com cargos mais especializados e equipes de vendas mais orientadas a soluções tinham melhor desempenho do que seus colegas. Tinham também, funcionários mais satisfeitos e rotatividade mais baixa. Quando a equipe (que passou todo um verão analisando os dados) apresentou os resultados, os executivos ficaram muito impressionados com a história. Acreditaram que existia algo importante nesta descoberta, até que um deles perguntou: a análise é referente a qual estação do ano? Acontece que, no verão, a mão de obra no varejo é mais imprevisível, e a rotatividade nesta empresa, em geral, triplica durante este período. Este contexto não havia sido considerado e fez com que a iteração inicial da análise não tivesse a menor importância.
Em última análise, os resultados foram importantes, a equipe voltou ao trabalho e aprendeu muito sobre os negócios. Porém, faltaram as habilidades básicas em consultoria e negócios para entender o contexto e definir os dados de forma clara.
Soluções práticas para fomentar as habilidades relacionadas a dados
Hoje em dia, as habilidades relacionadas a dados são essenciais em qualquer função dentro de uma empresa. Porém, uma vez que essas habilidades sejam tão difíceis de encontrar em muitas empresas, é complicado saber por onde começar para melhorá-las. Encorajamos todos a começar pelo básico.
Primeiro, assegure-se de que todos saibam usar as ferramentas. O Excel ainda é muito importante: nos últimos trinta e cinco anos, um em cada cinco adultos no planeta usa o Excel. Embora muitos outros softwares forneçam as funcionalidades de relatórios e analytics, para a maioria dos usuários (que não conseguem usar a inteligência plena em negócios) sentir que estão no controle de seus dados e, especificamente, comparar esses dados entre fontes diferentes e discrepantes, o Excel (incluindo o onipresente arquivo CVS) ainda é a moeda corrente.
Em segundo lugar, monte um instituto de habilidade em dados. Um instituto de habilidades é o lugar onde os funcionários vão para aprofundar habilidades específicas relacionadas ao seu trabalho. São patrocinados pelos líderes das empresas — idealmente até mesmo pelo CEO — que se preocupam com as habilidades relacionadas a dados na organização. Com muita frequência, os sistemas corporativos de aprendizado mais genéricos pregam fazer tudo por todo mundo e, por não terem um objetivo tangível, acabam sendo de pouca utilidade e só para alguns. Um instituto orientado por dados, alinhado a um programa de mudança que seja realmente importante para a empresa, terá mais chances de funcionar. Escolha criteriosamente as habilidades relacionadas a dados necessárias ao seu pessoal para, então, desenhar um conjunto de habilidades necessárias. Use esse conjunto para inspirar experiências, pessoas, cursos, podcasts, vídeos e artigos, tudo o que possa despertar prazer em aprender. Esqueça o resto. Para melhorar as habilidades em dados de um grande número de pessoas, provavelmente será necessário ter centenas – e não milhares – de oportunidades de aprendizagem. A qualidade ganha da quantidade.
Em terceiro lugar, use exemplos e histórias em campanhas de conscientização para ensinar e inspirar outros a fazer bom uso dos dados. Quando a empresa usar dados para realizar uma grande mudança estratégica, apresente os resultados para todos os funcionários para que possam ver exemplos de como fazer isso bem feito. Por exemplo, a Starbucks usa IA no aplicativo móvel para otimizar sugestões de novas bebidas para os consumidores. A Netflix usa conjuntos de dados robustos não só para personalizar os conteúdo da plataforma, mas também para ajudar a criação de conteúdo persuasivo. A PepsiCo utiliza a visualização de dados para tomar decisões de vendas de alto risco.
É possível que essas histórias permeiem várias áreas da empresa — aquela importante campanha de marketing que evoluiu com base nos teste A/B, quais eram as hipótese A e B, o que acontece na sequência em seu último projeto experimental, a análise de estoque que identificou ineficiências, o melhor gerenciamento de estoque e economia de custos, o relatório de vendas que levou a um maior foco em contas mais rentáveis e considerável aumento de receita, e a pesquisa de engajamentos de funcionários que gerou benefícios apreciados por todos na empresa. Estas são histórias bastante significativas e emocionais para públicos diversos.
Como parte disso, enfatize os benefícios de melhores habilidades relacionadas a dados como sendo mais importantes que os dados em si. As habilidades (estatísticas, lookups, verificação de erros, etc.) podem rapidamente se tornar desmotivadoras. Porém, os benefícios mais importantes podem ser valorizados por todos: melhor capacidade de julgar e de tomar decisões, além do aumento na segurança ao tomar essas decisões. Use histórias reais de sucesso para exemplificar estes benefícios tão sutis.
Em quarto lugar, traga os dados para todas as decisões importantes. “Que dados temos disponíveis ou que podemos conseguir que corroborem ou derrubem este case comercial?” é o tipo de pergunta que você deve se habituar a fazer. Ao tomar uma decisão específica, encoraje as pessoas a questionar (de forma respeitosa) os dados apresentados como evidências. As fontes são confiáveis? A análise está correta? Que verificações foram feitas? Existem outras fontes de evidências consistentes com esta história? Qual a importância da decisão? Que outras evidências serão necessárias para que possamos agir?
Uma maneira de fazer isso é colocar os dados relevantes e em tempo real, nas mãos dos gestores de primeira linha, forçando-os a prestar atenção. Por exemplo, a Warby Parker desenvolveu uma equipe grande de cientistas de dados, mas, mais importante e raro, coloca a responsabilidade sobre os dados nas mãos de todos os funcionários, inclusive o pessoal das lojas. Um importante prestador de serviços da área de defesa fornece a todos os gestores um conjunto de dashboards de alto nível para medir a “saúde dos talentos”, gerando o envolvimento dos funcionários, avaliações e outros tipos de feedback. Nos dias atuais, várias novas “plataformas de ação’’ para gestores, produzidas por diversos fornecedores em todas as áreas de atuação de negócios estão disponíveis.
A literacia em dados se tornou importante para quase todo mundo. As empresas precisam de mais pessoas com a habilidade de interpretar dados, construir insights e fazer as perguntas certas desde o início. São habilidades que qualquer um pode desenvolver e, atualmente, existem diversas maneiras de os indivíduos se capacitarem e de as empresas os apoiarem, aumentarem a efetividade e proporcionarem transformações. De fato, dados em si deixam isso muito claro: a tomada de decisões baseadas em dados claramente melhora o desempenho dos negócios.
Josh Bersin é o fundador da Bersin by Deloitte, e agora, da Josh Bersin Academy, um instituto de pesquisa e desenvolvimento profissional para líderes de RH e negócios. Bersin é analista de pesquisa global, palestrante, e escritor de assuntos como recursos humanos corporativos, gestão de talentos, recrutamento, liderança, tecnologia, e intersecção entre trabalho e vida.
Marc Zao-Sanders é CEO e cofundador da filtered.com, uma empresa que mistura consultoria com tecnologia para incrementar competências e gerar mudanças empresariais.
Fonte HBR