Inúmeras pesquisas em psicologia social indicam que as pessoas mentem — e mentem com frequência. Um estudo proeminente descobriu que contamos, em média, uma ou duas mentiras todos os dias. Os negociadores não são exceção. A julgar por estudos feitos em 1999 e 2005, cerca de metade das pessoas que negociam mentem quando têm motivo e oportunidade de fazê-lo. Normalmente, elas veem isso como uma maneira de assumir o controle (embora isso possa, na realidade, causar reação e comprometer o tipo de solução criativa que leva a acordos em que todos ganham). A mentira é, portanto, um dos aspectos intangíveis para os quais os negociadores devem se preparar, tomando medidas para evitá-la.
Muitos acham que a solução é se aprimorar em detectar mentiras. Há uma noção generalizada de que se pode detectar um mentiroso de maneira confiável por meio de dicas comportamentais e sinais sutis — ou “tells”, no jargão do pôquer e outros jogos que envolvem o blefe. Mas as evidências não confirmam essa crença. Uma meta-análise descobriu que as pessoas conseguem identificar corretamente se alguém está dizendo uma mentira em apenas 54% dos casos — não muito melhor do que a chance de acertar no cara ou coroa. Mesmo o polígrafo — uma tecnologia projetada especificamente para detectar mentiras em um ambiente controlado — está repleto de problemas e chega a conclusões erradas um terço das vezes. Os seres humanos são particularmente ineptos em reconhecer uma mentira quando ela é envolta em bajulação: a promessa de seu chefe de que uma promoção está chegando a qualquer momento; a garantia do fornecedor de que seu pedido é prioridade máxima. Somos programados a aceitar prontamente a informação que está em conformidade com nossas esperanças ou suposições preexistentes.
Há algo que você possa fazer para garantir que não será enganado em uma negociação? Sim, se você se concentrar na prevenção em vez de na detecção. Há muitas estratégias apoiadas pela ciência que podem ajudá-lo nas negociações de forma que seja mais difícil para a outra parte mentir. Embora esses métodos não sejam à prova de falhas, eles vão deixá-lo em melhor posição na sua negociação e auxiliá-lo a criar mais valor.
1 Incentive a reciprocidade
Os seres humanos têm forte inclinação para retribuir a transparência: quando alguém compartilha informações confidenciais conosco, nosso instinto é também se abrir. Basta dizer que outras pessoas — mesmo estranhos — contaram algum segredo para incentivar a reciprocidade. Em uma série de estudos que realizei com Alessandro Acquisti e George Loewenstein, apresentamos aos leitores do New York Times uma lista de comportamentos antiéticos, como fazer um sinistro de seguro falso e mentir na declaração de imposto de renda. Um grupo foi informado de que “a maioria dos participantes” admitiu já terem sido antiéticos, enquanto o outro foi informado de que poucos haviam feito tal admissão. O primeiro grupo teve probabilidade 27% maior do que o segundo de fazer a revelação.
A reciprocidade é particularmente acentuada em interações face a face. Em experiências conduzidas separadamente por Arthur Aron e Constantine Sedikides, os participantes, colocados aleatoriamente em pares, discutiram uma série de questões. Aqueles que receberam questões destinadas a proporcionar o compartilhamento de informações ficaram mais propensos a se tornar amigos do que os pares instruídos a simplesmente jogar conversa fora. (Um casal que recebeu o questionário das revelações acabou se casando!) Evidentemente, induzir uma relação estreita não é o objetivo primário da maior parte das negociações. Mas pesquisas feitas por Maurice Schweitzer e Rachel Croson mostram que as pessoas mentem menos para aqueles em que elas conhecem e confiam do que para estranhos.
Uma boa maneira de promover a reciprocidade é ser o primeiro a revelar algo de importância estratégica (porque a pessoa com que você está negociando provavelmente vai compartilhar informações na mesma categoria). Por exemplo, imagine que você está vendendo um terreno. O preço vai depender de quão desenvolvida é a região. Então, você pode dizer a um potencial comprador que deseja vender o terreno para quem fizer o melhor uso. Isso poderá induzi-lo a revelar seus planos; no mínimo, você está incentivando uma conversa sobre interesses, o que é fundamental para a criação de negócios mutuamente benéficos. Essa estratégia tem a vantagem adicional de permitir que você enquadre a negociação, o que certamente aumentará suas chances de prosseguir a negociação.
2 Faça as perguntas certas
A maioria das pessoas gosta de pensar em si mesmas como honestas. No entanto, muitos negociadores protegem informações sensíveis que podem prejudicar sua posição competitiva. Em outras palavras, eles mentem por omissão, não revelando fatos pertinentes. Por exemplo, uma pessoa que está vendendo uma empresa e sabe que o equipamento vital precisa ser substituído — mas o problema é imperceptível. Talvez pareça pouco ético para ela reter essa informação, mas ela pode achar que, simplesmente evitando o tema, isso lhe permita cobrar um preço mais alto, mantendo a integridade. “Se o comprador tivesse me perguntado, eu teria dito a verdade!”, ela pode argumentar.
O risco de não ouvir a história completa é o motivo pelo qual é tão importante testar seus parceiros de negociação com perguntas diretas. Schweitzer e Croson constataram que 61% dos negociadores admitem o problema quando questionados sobre informações que enfraquecem seu poder de negociação, comparado com 0% dos que não perguntam. Infelizmente, essa tática pode ter efeitos negativos. Na mesma experiência, 39% dos negociadores que foram questionados sobre a informação, em última análise, mentiram. Mas você pode dar um passo importante para evitar essa situação fazendo perguntas cuidadosas. Uma pesquisa feita por Julia Minson, Nicole Ruedy e Schweitzer indica que as pessoas são menos propensas a mentir se as perguntas fizerem suposições pessimistas (“O negócio vai precisar de equipamento novo em breve, certo? ”), em vez de otimistas (“O equipamento está em boas condições, certo?”). Parece mais fácil mentir fazendo uma declaração falsa do que negando uma declaração verdadeira.
3 Cuidado com as esquivas
Negociadores astutos muitas vezes se esquivam de perguntas diretas respondendo não o que foi perguntado, mas o que eles desejavam que tivesse sido perguntado. Infelizmente, não somos naturalmente capazes de detectar esse tipo de evasão. Como Todd Rogers e Michael Norton descobriram, os ouvintes não costumam notar esquivas, geralmente porque esquecem a pergunta inicial. Segundo esses pesquisadores, as pessoas se impressionam mais com digressões eloquentes do que com respostas relevantes, porém desarticuladas.
A detecção da esquiva fica mais fácil, no entanto, quando o ouvinte pode relembrar as perguntas — por exemplo, quando ele está visível enquanto a outra pessoa fala. Em uma negociação, portanto, uma boa ideia é ter à mão uma lista de perguntas, deixando espaço para anotar as respostas da outra parte. Depois de cada resposta, dê a si mesmo algum tempo para decidir se ele forneceu de fato a informação que você procurava. Apenas quando a resposta a essa pergunta for “sim”, passe para a próxima.
4 Não se apoie na confidencialidade
Pesquisas mostram que quando nos esforçamos para assegurar aos outros que vamos manter sua privacidade e confidencialidade, podemos acabar aumentando suas suspeitas, levando-
os a se calar e compartilhar menos. Já em 1970, o National Research Council documentou esse paradoxo com participantes em potencial da pesquisa: quanto maiores as promessas de proteção, menos as pessoas se mostravam dispostas a responder. Essa relação se mantém em pesquisas experimentais. Em estudos realizados por Eleanor Singer, Hans-Jürgen Hippler e Norbert Schwarz, por exemplo, menos de metade das pessoas que receberam uma boa garantia de confidencialidade concordaram em completar uma pesquisa inócua, ao passo que 75% daqueles que não receberam tal garantia concordaram em fazê-lo.
Eu e meus colegas descobrimos que proteções de privacidade podem aumentar as mentiras. E que quando as perguntas são feitas em tom descontraído, em vez de formal, as pessoas ficam mais propensas a revelar informações confidenciais. Imagine que você está negociando uma oferta de trabalho com um possível empregado e gostaria de avaliar quão atraentes são suas outras opções: ele tem ofertas competitivas? É provável que ele seja mais aberto se você evitar, ou pelo menos minimizar, garantias de confidencialidade e, em vez disso, abordar o tema despreocupadamente: “Todos sabemos que há toneladas de grandes empresas por aí. Você, por acaso, está considerando propostas em outros lugares?”. Claro, você ainda deve proteger adequadamente qualquer informação confidencial que receber, mas não há nenhuma razão para anunciar isso a menos se for solicitado.
5 Cultive vazamentos
As pessoas vazam informações inadvertidamente, de diversas maneiras, inclusive em suas próprias perguntas. Por exemplo, suponha que você é o encarregado pelas compras de uma empresa e está prestes a assinar um contrato com um fornecedor que prometeu entregar produtos dentro de seis meses. Antes de assinar, ele pergunta o que acontece no caso de entregas atrasadas. A pergunta pode ser inocente, mas também pode sinalizar suas preocupações sobre cumprimento do cronograma. Por isso, você precisa prestar atenção.
Quando as pessoas vazam uma informação sem pensar, ela tende a ser precisa. Negociadores astutos sabem que é possível adquirir conhecimento valioso simplesmente escutando tudo o que é dito pelo interlocutor — até mesmo comentários aparentemente irrelevantes ou espontâneos — da mesma forma que interrogadores procuram depoimentos de suspeitos de crimes que incluem fatos não conhecidos do público.
Mesmo que a pessoa com quem você está negociando esteja determinada a reter as informações, você ainda pode encorajar vazamentos. Em uma série de experimentos, eu e meus colaboradores descobrimos que é mais provável que as pessoas deixem escapar informações sobre seu envolvimento por meio de atitudes sutis do que revelando-as explicitamente. Em um estudo, sondamos leitores do New York Times sobre assuntos como mentir sobre a própria renda. Num grupo, perguntamos diretamente às pessoas se elas já haviam se comportado de determinadas maneiras. Usamos uma abordagem indireta no outro grupo, pedindo aos participantes que classificassem o grau de ética de vários comportamentos, usando uma de duas escalas — uma escala se elas próprias tivessem se comportado de determinada maneira, e uma escala diferente se não tivessem. Os participantes do segundo grupo estavam cerca de 1,5 vez mais propensos a admitir (tacitamente) o mau comportamento do que as pessoas perguntadas à queima-roupa sobre sua conduta.
Em uma negociação, você pode usar táticas indiretas semelhantes para obter informações. Por exemplo, dê uma opção de dois pacotes de ofertas — duas maneiras possíveis de dividir as vantagens —, e ambos seriam aceitáveis para você. Se a outra parte expressar preferência por um sobre o outro, estará vazando informações sobre suas prioridades e dando-lhe um insight sobre sua valoração relativa das questões em negociação.
Há mais uma estratégia que pode incentivá-lo a mostrar inadvertidamente suas cartas: solicite cláusulas de contingência que atribuam consequências financeiras às suas reivindicações. Se ela se recusar a concordar com elas, pode ser que esteja mentindo. No mínimo, tal reação é um sinal de que você deve investigar mais. Suponha, por exemplo, que seu objetivo é negociar a aquisição de uma pequena startup. Ele lhe dá projeções de vendas que parecem muito otimistas ou até mesmo impossíveis. Nesse caso, proponha uma cláusula de contingência que vincule o preço de aquisição ao nível de vendas alcançado. Isso pode motivar o oferecimento de projeções de vendas realistas, o que o protegeria caso estivesse errado.
A MENTIRA NOS RODEIA — e pode ser um impedimento real para a criação de valor nas negociações. A boa notícia é que a implantação de estratégias apoiadas pela ciência podem ser um grande passo para que as negociações cheguem aos melhores resultados, e as partes envolvidas deem o melhor de si.
Escrito por Leslie K. John, professora associada da Harvard Business School.