Recentemente, ajudei uma grande empresa do setor industrial no seu processo de planejamento. Com tantas incertezas rondando veículos autônomos, 5G, robótica, comércio global e mercados de petróleo, os executivos seniores da empresa precisavam de diretrizes e estratégias que pudessem fazer uma ligação entre o futuro da companhia e os dias de hoje. Antes mesmo do início oficial do nosso trabalho, os executivos já haviam decidido como ele iria se chamar: Estratégia 2030.
Fiquei curiosa para saber por que haviam escolhido aquele ano específico – 2030 – como referência para o trabalho. Afinal, as forças envolvidas na empresa tinham tempos variados: mudanças no comércio global eram uma preocupação imediata, enquanto o campo da robótica ainda passaria por avanços, frustrações e enormes rupturas, muitas vezes com anos de diferença. Teriam os executivos escolhido o ano 2030 por algum motivo especial a ter impacto na empresa daqui a 11 anos?
Logo, o motivo ficou claro. Eles tinham escolhido o ano aleatoriamente, por ser um número redondo, que lhes daria uma ideia de controle sobre um futuro incerto. A escolha também funcionava bem para a comunicação. “Estratégia 2030” seria um título de fácil entendimento por seus funcionários, clientes e concorrentes, além de se alinhar perfeitamente com a mensagem da empresa sobre o que esperar do futuro. Além disso, quando as empresas passam por processos de planejamento de longo prazo, normalmente criam linhas de tempo marcadas por anos que terminem em zero ou em cinco. O cérebro humano consegue contar facilmente de cinco em cinco, mas precisa de um pouco mais de esforço para contar a cada quatro ou seis.
Uma linha do tempo bem linear oferece uma certa garantia de que os acontecimentos podem ser predeterminados, o caos pode ser contido e o sucesso pode ser dominado e garantido. Mas, obviamente, o mundo real em que vivemos é bem mais desordenado. Ações regulatórias e desastres naturais estão completamente fora do nosso controle, ao mesmo tempo em que outros fatores – desenvolvimento da mão-de-obra, operações, ideias de novos produtos – estão sujeitos a camadas de decisões tomadas pela empresa como um todo. Ao colidirem, todas essas variáveis moldam o horizonte.
Normalmente, espera-se que os executivos estrategistas das empresas façam reuniões visionárias, que estimulem o brainstorm de ideias nas equipes. No entanto, elas não substituem o pensamento crítico sobre o futuro. Planos estratégicos de um, três ou cinco anos, que já se tornaram itens de primeira necessidade na maioria das empresas, também não, embora sejam úteis para abordar metas operacionais de curto prazo. Incertezas profundas pedem questionamentos profundos, e as respostas nem sempre estão atreladas a uma data específica no futuro. Onde se pretende o impacto? O que é necessário para se atingir o sucesso? Como as empresas irão se desenvolver para fazer frente aos desafios no horizonte? As respostas a esses questionamentos profundos e fundamentais chegam por meio do planejamento de longo prazo.
Por que Evitamos Linhas do Tempo de Longo Prazo
Como uma futurista quantitativa, meu trabalho é investigar o futuro, utilizando modelos com base em dados. Minha constatação é que as equipes de liderança erram ao abordar riscos de longo prazo com soluções rígidas de curto prazo. E, nesse processo, abrem espaço para a entropia. Equipes baseadas em linhas do tempo lineares e tradicionais ficam presas a um ciclo de respostas táticas ao que parece uma mudança constante forçada por fatores externos. Ao longo do tempo, essas respostas táticas – que requerem grande esforço e alinhamento interno – sugam os recursos das empresas, tornando-as vulneráveis a rupturas.
Por exemplo, em 2001, liderei uma reunião com executivos de jornais dos Estados Unidos, com o objetivo de prever o futuro das empresas de notícias. Eles também tinham um ano estabelecido – 2005. Esse era um segmento com uma óbvia ruptura iminente do setor de tecnologia, onde o ritmo de mudanças era assustadoramente acelerado. Eu já conhecia o viés cognitivo que estava em jogo (o ano desejado por eles terminava em cinco). Contudo, o que eu não previa era a relutância em planejar além de quatro anos, o que, para os executivos, parecia um futuro distante. Minha preocupação era que qualquer estratégia que desenvolvêssemos para confrontar o risco futuro e encontrar novas oportunidades seriam apenas táticas em teoria. Ações táticas sem uma visão de prazo mais longo resultariam em menor controle de como todo o ecossistema da mídia evoluiria.
Para ilustrar, mostrei a eles um telefone celular i-Mode japonês, que utilizei no período em que morei em Tóquio. O protótipo de smartphone tinha conexão à internet, permitia-me fazer compras e, importante, tinha uma câmera. Perguntei a eles o que aconteceria se os aparelhos celulares caíssem de preço. Será que não haveria uma explosão de conteúdo para dispositivos móveis, publicidade digital e modelos de negócios com participação nos lucros? Em breve, qualquer pessoa poderia postar fotos e vídeos na internet, e havia todo um ecossistema de jogos para celular prestes a nascer.
Smartphones não foram incluídos na nossa linha do tempo para 2005. Como havia tempo até que eles se tornassem um risco, ainda era possível montar e testar um modelo de negócios de longo prazo. Proprietários de jornais estavam acostumados a executar estratégias trimestrais, e não viam motivo para se planejar para um mercado de smartphones que ainda estava a anos de distância.
Desde aquela reunião, a venda de jornais se mantém em queda constante. Os donos de jornais norte-americanos não conseguiram fazer um planejamento de longo prazo que incluísse um modelo de receita radicalmente diferente para a era digital. As receitas com publicidade caíram de US$ 65 bilhões em 2000 para menos de US$ 19 bilhões em todo o setor em 2016. Nos EUA, 1.800 jornais fecharam de 2004 a 2018. As empresas deram algumas respostas táticas de curto prazo (reforma de sites, aplicativos para celular), sem jamais desenvolver uma visão clara da evolução do setor. Histórias parecidas aconteceram também em outros setores, como serviços de profissionais liberais, empresas de telecomunicações, instituições de poupança e empréstimo, e indústrias.
Usar Cones do Tempo, Não linhas do Tempo
Futuristas pensam no tempo de maneira diferente, e os estrategistas das empresas poderiam aprender com essa experiência. Para cada incerteza sobre o futuro – seja ela risco, oportunidade ou crescimento – tendemos a pensar no curto e longo prazos ao mesmo tempo. Para tanto, costumo utilizar um quadro que mede ações gráficas e certezas, em vez de simplesmente marcar a passagem do tempo como trimestres ou anos. Por isso, minhas linhas do tempo, na verdade, não são linhas, mas cones.
Para cada projeto previsto, desenvolvo um cone com quatro categorias distintas: (1) tática, (2) estratégia, (3) visão, e (4) evolução do nível do sistema.
Uma Estrutura Futurista para o Planejamento Estratégico
Em vez de estabelecer metas aleatórias em uma linha de tempo trimestral ou anual, utilize um cone. Primeiro, identifique acontecimentos altamente prováveis, sobre os quais já existam dados ou evidências, e, então, vá abrindo. Cada seção do cone é uma abordagem estratégica, e engloba a seção anterior, até chegar à evolução de nível de sistemas da sua empresa.
LINHA SUPERIOR:
“Mais ~ Dados, evidências e certezas ~ Menos”
CENTRO DO CONE:
Tática / Estratégia / Visão / Evolução de nível de sistema
LINHA INFERIOR:
1-2 anos ~ 2-5 anos ~ 5-10 anos ~ 10+ anos
Começo por definir a aresta do cone, inserindo acontecimentos altamente prováveis, sobre os quais já existam informações ou evidências. A quantidade de tempo varia para cada projeto, empresa e setor, mas, a rigor, um período de 12 a 24 meses é um bom ponto de partida. Como conseguimos identificar tendências e prováveis acontecimentos (tanto internos, quando externos a uma empresa), o tipo de planejamento a ser feito é tático por natureza, e as ações correspondentes incluem itens como redesenho de produtos e identificação de novo segmento de consumo.
Decisões táticas devem fazer parte da estratégia de uma organização. Nesse ponto do cone, não temos tanta certeza dos resultados, pois estamos observando os próximos 24 meses a cinco anos. Essa é a área mais conhecida para diretores de estratégia e suas equipes. Estamos descrevendo a estratégia tradicional e a direção que a empresa irá tomar. Nossas ações incluem a definição de prioridades, a alocação de recursos, além das mudanças necessárias nos quadros de pessoal.
Muitas empresas acabam se perdendo em meio a estratégias e táticas. Pode parecer que estão realizando um sério planejamento para o futuro, mas o processo acaba resultando em um ciclo vicioso em que elas passam a correr continuamente atrás de concorrentes, novas empresas e fontes de ruptura externas.
Por isso, é de se esperar que, quanto mais você calibrar a visão de futuro da empresa, mais incertezas aparecerão. As previsões de uma empresa não vão incluir cada detalhe, já que muitos são ainda desconhecidos. Os líderes podem articular uma previsão consistente para 10 a 15 anos adiante, mantendo-se abertos para rever categorias de estratégias e táticas à medida em que forem surgindo novas tendências tecnológicas, acontecimentos globais, mudanças sociais e econômicas. Na categoria da previsão, formulamos ações com base em como os líderes executivos irão buscar pesquisas, onde farão investimentos, e como irão desenvolver a mão-de-obra de que um dia precisarão.
Mas a visão de futuro para uma empresa também precisa se encaixar na última categoria: ruptura de nível de sistema que possa acontecer num futuro mais distante. Se os líderes executivos não tiverem uma forte noção de como o setor irá evoluir, para fazer frente aos desafios de novas tecnologias, forças de mercado, regulação, entre outros, então uma terceira parte estará na posição de ditar os termos para o futuro dessa empresa. O final do cone dos horizontes de tempo é muito largo, pois pode ser impossível calcular a probabilidade de que esses eventos aconteçam. Portanto, as ações tomadas devem descrever a direção para onde se espera que a empresa e o setor evoluam.
Ao contrário das linhas de tempo tradicionais, com datas rígidas, o cone sempre está em movimento. À medida em que se dispõe de mais informações e evidências, e que se obtenha progresso nas ações, o início do cone e sua categoria tática serão restabelecidos no presente. O resultado, espera-se, será uma empresa flexível, pronta para constantes reavaliações e para responder a acontecimentos externos.
Imaginar o Futuro dos Carrinhos de Golfe (ou Mini-Gs)
Como exemplo, vamos imaginar de que forma uma empresa fabricante de carrinhos de golfe poderia utilizar essa abordagem ao considerar o futuro dos transportes. Poderíamos considerar algumas das macro forças relacionadas a carrinhos de golfe, como o aumento da população mais idosa e as mudanças climáticas. Precisaríamos conectar as tendências tecnológicas emergentes que terão impacto no futuro do setor, tais como logística autônoma ao consumidor final, visão computacional e inteligência artificial na nuvem. E, então, iríamos investigar o trabalho de startups e outras empresas; Amazon, Google e Nuro estão, todas, trabalhando com veículos de pequeno porte para o transporte de entregas de curta distância. O que se vê é um futuro em que carrinhos de golfe têm sua função repensada como veículos de entrega climatizados capazes de transportar pessoas, medicamentos, alimentos, materiais de escritório e animais de estimação, sem um motorista humano. Vamos chamá-los de “mini-Gs”. A fabricante de carrinhos de golfe provavelmente já detém a principal competência, a cadeia de suprimentos e o expertise necessários para desenvolver frotas do veículo, garantindo uma vantagem estratégica sobre as empresas de tecnologia e startups. Essa é uma oportunidade para uma empresa tradicional tomar a frente e liderar a evolução de seu próprio futuro.
Com uma noção de como deve ser um futuro mais distante, os líderes podem abranger todo o cone, de forma simultânea. Serão necessárias novas regulamentações delimitando velocidade e rotas para esses veículos. Urbanistas e arquitetos serão úteis para colaborar no desenho de rotas para os mini-Gs. Drogarias, como CVS e Walgreens, nos EUA, poderiam ser as primeiras compradoras de mini-Gs; a oferta de entrega em domicílio de medicamentos em veículos climatizados poderia evoluir, quem sabe, para a utilização de mini-Gs para a coleta de sangue ou outras amostras diagnósticas, com o avanço tecnológico. Ao trabalhar na ponta final do cone, os executivos da fabricante de carrinhos de golfe é que vão determinar a formação desse ecossistema, ao mesmo tempo em que desenvolvem a visão de futuro de sua empresa.
Ao trabalhar no início do cone, os executivos irão incorporar mini-Gs à sua estratégia. As ações, aqui, tomariam mais tempo e um trabalho mais profundo: estabelecer e rever orçamentos, reorganizar unidades de negócios, fazer novas contratações, buscar novos sócios, e por aí vai. Precisariam ser flexíveis para fazer novas escolhas à medida em que os acontecimentos se desenrolassem nos três a cinco anos seguintes. Embora esse futuro que descrevi acima com os mini-Gs, possa ainda ser distante, é ele que vai mover a empresa a buscar pesquisa tática hoje: sobre as macro forças relacionadas aos carrinhos de golfe, tendências tecnológicas emergentes, e todas as empresas, startups e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento hoje atuantes nos vários componentes do ecossistema, tais como logística ao consumidor e reconhecimento de imagem. No ano seguinte, a fabricante de carrinhos de golfe vai montar uma equipe multifuncional de colaboradores e especialistas; conduzir auditorias internas de habilidades; promover sessões e workshops de aprendizado; pesquisar atuais e potenciais fornecedores; e se manter aberta às novidades que possam surgir dos lugares mais inesperados. O que os colaboradores e equipes aprenderem com as ações táticas será utilizado para informar a estratégia, que continuará moldando a visão de futuro da empresa, posicionando-a a liderar o setor de carrinhos de golfe.
Dezenas de empresas no mundo todo utilizam o cone de horizontes de tempo ao se ver diante de grandes incertezas. Como os líderes estão cada vez mais pensando e tomando medidas de melhoria, têm condições de moldar o futuro dessas empresas. Pode não parecer tão natural para você, mas se dê uma chance, e também à sua equipe, de pensar no curto e longo prazos simultaneamente. Resista à tentação de escolher aleatoriamente um ano terminado em zero ou cinco para começar seu processo de planejamento estratégico. Sem dúvida, você irá perceber que sua empresa vai se tornar mais resiliente ao surgimento de rupturas.
Amy Webb é futurista quantitativa e professora titular de previsão estratégica da NYU Stern School of Business. É autora de The signals are talking: why today’s fringe is tomorrow’s mainstream.
Fonte HBR