Muitas empresas adaptaram-se a um processo “guiado por dados” para a tomada operacional de decisões. Os dados podem melhorar as decisões, mas é necessário ter o processador correto para obter o máximo deles. Muitos supõem que esse processador seja humano; o termo “guiado por dados” até mesmo implica que a curadoria e o resumo dos fatos sejam feitos por pessoas, para que pessoas os processem.
Porém, para tirar o máximo proveito do valor contido nos dados, as empresas precisam incluir a inteligência artificial (IA) em seus fluxos de trabalho e, vez por outra, afastar do caminho a nós, humanos. Precisamos evoluir de fluxos de trabalho guiados por dados para fluxos de trabalho guiados por IA.
A distinção entre “guiado por dados” e “guiado por IA” não é apenas semântica. Cada um desses termos reflete ativos diferentes, sendo que o primeiro foca nos dados e o segundo, na capacidade de processamento. Os dados guardam os achados que podem permitir melhores decisões; o processamento é a maneira de extrair esses achados e executar ações. Tanto os humanos quanto a IA são processadores – com capacidades muito diferentes. Para compreender a melhor forma de aproveitar cada um, é útil examinar nossa própria evolução biológica e a maneira pela qual a tomada de decisões evoluiu no mercado.
Apenas 50 a 75 anos atrás, o julgamento humano era o processador central da tomada empresarial de decisões. Os profissionais baseavam-se em sua intuição extremamente afinada e desenvolvida ao longo de anos de experiência (e uma quantidade relativamente minúscula de dados) em sua área de atuação, para, por exemplo, escolher o diretor de criação certo para uma campanha publicitária, definir o nível certo de estoque a ser mantido ou aprovar os investimentos financeiros certos. A experiência e o instinto eram a maior parte do que estava disponível para discernir entre bom e ruim, alto e baixo, arriscados e seguros.
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A Decision-Making Model Based on Human Judgment | Modelo de tomada de decisão com base no julgamento humano |
Human judgment | Julgamento humano |
Business decisions | Decisões empresariais |
Fonte: Eric Colson |
Talvez tudo fosse humano demais. Nossa intuição está longe de ser o instrumento ideal de tomada de decisões. Nosso cérebro está submetido a muitos vieses cognitivos que prejudicam nosso julgamento de maneiras previsíveis. Isso é resultado de centenas de milhares de anos de evolução em que, como caçadores-coletores primitivos, desenvolvemos um sistema de raciocínio embasado em heurística simples – atalhos ou regras empíricas que contornam o alto custo de processar uma grande quantidade de informações. Isso permitia que decisões rápidas e quase inconscientes nos livrassem de situações potencialmente perigosas. Porém, “rápidas e quase inconscientes” nem sempre significava ideais, ou mesmo corretas.
Imagine um grupo de nossos ancestrais caçadores-coletores aglomerados ao redor de uma fogueira, quando, repentinamente, ouve-se um ruído de folhagem, vindo de um arbusto próximo. É preciso tomar uma decisão do tipo “rápido e quase inconsciente”: concluir que o ruído é causado por um predador perigoso e fugir, ou investigar e obter mais informações para verificar se é uma presa em potencial – por exemplo, um coelho, que pode fornecer nutrientes valiosos. Nossos ancestrais mais impulsivos – os que decidiam fugir – tinham um índice de sobrevivência mais alto que o de seus congêneres mais curiosos. O custo de fugir e deixar passar um coelho era bem menor que o de ficar e correr o risco de ser morto por um predador. Com tamanha assimetria nos resultados, a evolução favorece a característica que tem consequências menos custosas, ainda que a correção seja sacrificada. Assim, a característica que leva a uma tomada de decisões mais impulsiva e a um menor processamento das informações torna-se mais prevalente na população descendente.
No contexto moderno, a heurística da sobrevivência transformou-se em uma infinidade de vieses cognitivos, pré-carregados em nosso cérebro herdado. Esses vieses influenciam nosso julgamento e nossa tomada de decisões de maneiras que divergem da objetividade racional. Damos mais peso do que deveríamos a eventos vívidos ou recentes. Classificamos sujeitos grosseiramente, em estereótipos amplos que não explicam suas diferenças de forma suficiente. Ancoramo-nos na experiência anterior, mesmo quando esta é completamente irrelevante. Tendemos a conjurar explicações ilusórias para eventos que, na verdade, são apenas ruídos aleatórios. Essas são apenas algumas das dezenas de maneiras pelas quais os vieses cognitivos prejudicam o julgamento humano e, durante décadas, foi ele o processador central da tomada de decisões empresariais. Sabemos agora que contar apenas com a intuição humana é algo ineficiente, caprichoso, falível e limitador da capacidade da organização.
Tomada de decisões apoiada por dados
Assim sendo, ainda bem que existem os dados. Hoje, dispositivos conectados capturam volumes impensáveis de dados: cada transação, cada gesto de cliente, cada indicador micro e macroeconômico, todas as informações que podem embasar decisões melhores. Em resposta a esse novo ambiente rico em dados, adaptamos nossos fluxos de trabalho. As áreas de TI dão suporte ao fluxo das informações utilizando máquinas (bancos de dados, sistemas de arquivos distribuídos etc.) para reduzir esses volumes de dados impossíveis de administrar a resumos que possam ser tratados por humanos. Em seguida, humanos processam novamente esses resumos, utilizando ferramentas como planilhas, painéis de controle e aplicativos de inteligência analítica. Ao final, os dados, altamente processados e, a essa altura, reduzidos a um volume administrável, são apresentados para tomada de decisões. Esse é o fluxo de trabalho “guiado por dados”. O julgamento humano permanece sendo o processador central, mas agora utiliza dados resumidos como novo input.
(Tradução da imagem) | |
A Decision-Making Model That Utilizes Summarized Data | Modelo de tomada de decisão utilizando dados resumidos |
Machines | Máquinas |
Big data | Big data |
Summarized data | Dados resumidos |
Human judgment | Julgamento humano |
Business decisions | Decisões empresariais |
Fonte: Eric Colson |
Embora indubitavelmente melhor que contar unicamente com a intuição, ter o ser humano no papel de processador central ainda cria várias limitações.
- Não aproveitamos todos os dados. Dados resumidos podem obscurecer muitos dos achados, relacionamentos e padrões contidos no “data set” (conjunto de dados) original (de grande volume). A redução dos dados é necessária para acomodar a capacidade de produção dos processadores humanos, pois, por mais hábeis que sejamos em digerir nosso meio, processando com facilidade grandes quantidades de informação ambiente, somos notavelmente limitados quando se trata de processar dados estruturados que se manifestam na forma de milhões ou bilhões de registros. A mente é capaz de lidar com números relativos a vendas e com preços médios de venda elevados para o nível regional, mas enfrenta dificuldades ou simplesmente “trava” quando começamos a pensar na distribuição completa dos valores e, criticamente, nos relacionamentos entre os elementos de dados – informações que se perdem no agregado dos resumos, mas são importantes para a boa tomada de decisões. (Não se pretende sugerir que os resumos de dados não sejam úteis. É bem verdade que eles são ótimos para proporcionar uma visibilidade básica do negócio, mas agregam pouco valor para utilização em tomada de decisões, pois perde-se uma parcela grande demais na preparação para o processamento por humanos.) Em outros casos, dados resumidos podem ser simplesmente enganosos. Fatores de confusão podem dar a aparência de um relacionamento positivo quando, na verdade, ocorre o contrário (veja o paradoxo de Simpson e outros). Além disso, uma vez que os dados sejam agregados, pode ser impossível recuperar os fatores contribuintes para controlá-los adequadamente. (A melhor prática é utilizar estudos randomizados controlados, isto é, testes A/B. Sem essa prática, talvez nem mesmo a IA seja capaz de controlar adequadamente os fatores de confusão.) Em resumo, ao utilizar humanos como processadores centrais de dados, ainda sacrificamos a correção para contornar o alto custo do processamento de dados por humanos.
- Os dados não são suficientes para nos isolar do viés cognitivo. Os resumos de dados são direcionados pelos humanos de um modo propenso a vieses cognitivos. Direcionamos a elaboração do resumo de uma forma que nos é intuitiva e pedimos que os dados sejam agregados em segmentos que nos parecem ser arquétipos representativos. Apesar disso, tendemos a classificar sujeitos grosseiramente, em estereótipos amplos que não explicam suas diferenças de forma suficiente. Por exemplo, podemos elevar os dados para atributos como a geografia, mesmo quando não há diferença perceptível de comportamento entre as regiões. Também é possível pensar no resumo como uma “granulação grossa” dos dados; trata-se de uma aproximação grosseira dos dados. Por exemplo, um atributo como a geografia precisa ser mantido em um nível regional em que haja relativamente poucos valores (isto é, “leste” x “oeste”). O que de fato importa pode ser mais refinado que isso – dados em nível de cidade, CEP, até mesmo rua. Isso é mais difícil de agregar e resumir para ser processado pelo cérebro humano. Além disso, preferimos relacionamentos simples entre os elementos; tendemos a pensar nos relacionamentos como sendo lineares porque isso é mais fácil para processarmos. O relacionamento entre preço e vendas, penetração de mercado e índice de conversão, risco de crédito e renda – supomos que tudo seja linear, mesmo quando os dados sugerem o contrário. Até mesmo gostamos de conjurar explicações elaboradas para tendências e variações nos dados, mesmo quando são explicadas de modo mais adequado por variação natural ou aleatória.
E, tristemente, acomodamos nossos vieses enquanto processamos os dados.
Inclusão da IA no fluxo de trabalho
Precisamos evoluir mais e incluir a IA no fluxo de trabalho como processador principal dos dados. Para decisões de rotina que dependam somente de dados estruturados, obtemos os melhores resultados quando delegamos as decisões à IA, que é menos propensa ao viés cognitivo dos humanos. (Há um risco muito real na utilização de dados enviesados que possam levar a IA a encontrar relacionamentos ilusórios e sejam tendenciosos. Devemos nos assegurar de compreender como os dados são gerados, além de como são utilizados). A IA pode ser treinada para encontrar segmentos na população que melhor expliquem a variação em níveis de granulação fina, mesmo que sejam contraintuitivos para nossa percepção humana. A IA não tem dificuldade para lidar com milhares – ou mesmo milhões – de agrupamentos. Além disso, a IA está mais que à vontade para trabalhar com relacionamentos não lineares, sejam exponenciais, leis de potência, séries geométricas, distribuições binomiais ou outros.
(Tradução da imagem) | |
A Decision-Making Model That Utilizes AI | Modelo de tomada de decisão utilizando IA |
Machines | Máquinas |
Big data | Big data |
AI | IA |
Business decisions | Decisões empresariais |
Fonte: Eric Colson |
Esse fluxo de trabalho aproveita melhor as informações contidas nos dados, é mais coerente e objetivo em suas decisões e capaz de determinar melhor qual o diretor de criação mais eficaz, qual o nível ideal de estoque a estabelecer ou quais os investimentos financeiros a efetuar.
Embora os humanos sejam removidos desse fluxo de trabalho, é importante observar que a mera automação não é o objetivo de um fluxo de trabalho guiado por IA. De fato, ele pode reduzir custos, mas isso é apenas um benefício a mais. O valor da IA está em tomar decisões melhores que as decisões humanas tomadas sem auxílio. Isso cria um salto qualitativo de melhoria na eficiência e abre espaço para novas possibilidades.
Aproveitamento da IA e de processadores humanos no fluxo de trabalho
Remover os humanos dos fluxos de trabalho que envolvem apenas o processamento de dados estruturados não significa que os humanos tornem-se obsoletos. Há muitas decisões empresariais que dependem de mais que somente dados estruturados. Visões de negócio, estratégias empresariais, valores institucionais e dinâmicas de mercado são exemplos de informações que somente estão disponíveis em nossa mente e são transmitidas através da cultura e de outras formas de comunicação não digital. São informações inacessíveis à IA e extremamente relevantes para as decisões empresariais.
Por exemplo, pode ser que a IA determine objetivamente os níveis corretos de estoque para maximizar os lucros. Porém, em um ambiente competitivo, a empresa poderá optar por níveis mais altos de estoque a fim de proporcionar uma experiência melhor aos clientes, mesmo à custa dos lucros. Em outros casos, pode ser que a IA determine que, das opções disponíveis à empresa, investir mais recursos financeiros em marketing trará o maior retorno sobre o investimento. No entanto, a empresa poderá preferir moderar o crescimento a fim de manter padrões de qualidade. As informações adicionais disponíveis aos humanos na forma de estratégia, valores e condições de mercado podem justificar um afastamento da racionalidade objetiva da IA. Nesses casos, a IA pode ser utilizada para gerar possibilidades, dentre as quais os humanos poderão escolher a melhor alternativa, considerando as informações adicionais a que tenham acesso. A ordem de execução desses fluxos de trabalho é específica para cada caso. Às vezes, a IA vem em primeiro lugar, a fim de reduzir a carga de trabalho sobre os humanos. Já em outros casos, poderá haver iteração entre a IA e o processamento humano.
(Tradução da imagem) | |
A Decision-Making Model That Combines the Power of AI and Human Judgment | Modelo de tomada de decisão combinando o poder da IA e o julgamento humano |
Machines | Máquinas |
Other info (nondigital) | Outras informações (não digitais) |
Big data | Big data |
AI | IA |
Possible actions | Ações possíveis |
Human judgment | Julgamento humano |
Business decisions | Decisões empresariais |
Fonte: Eric Colson |
A chave é que não há interface direta dos humanos com os dados, mas sim com as possibilidades produzidas pelo processamento dos dados executado por IA. Valores, estratégia e cultura são nossas maneiras de conciliar nossas decisões com a racionalidade objetiva. Isso traz melhores resultados quando é feito de forma explícita e totalmente embasada. Ao aproveitar tanto os humanos quanto a IA, podemos tomar decisões melhores que ao usar apenas um dos dois.
A próxima fase da evolução
Passar de “guiado por dados” a “guiado por IA” será a próxima fase da nossa evolução. Assimilar a IA em nossos fluxos de trabalho proporciona um melhor processamento de dados estruturados e permite que os humanos contribuam de formas complementares.
É improvável que essa evolução ocorra dentro de uma organização isoladamente, do mesmo modo que a seleção natural não ocorre nos indivíduos. Em vez disso, trata-se de um processo de seleção que opera em uma população. O índice de sobrevivência será mais alto entre as organizações mais eficientes. Considerando que é difícil que as empresas maduras se adaptem a mudanças no ambiente, suspeito que veremos o surgimento de novas empresas que assimilarão tanto a IA quanto as contribuições humanas desde o princípio, incorporando-as nativamente em seus fluxos de trabalho.
Eric Colson é o Diretor de Algoritmos da Stitch Fix. Seu cargo anterior foi o de Vice-Presidente de Ciência e Engenharia na Netflix.
Fonte HBR