Separar o trabalho da vida pessoal e as relações profissionais das afetivas é complicado em empresas familiares. Em qualquer negócio, os gestores devem ter voz para escolher quem irá trabalhar na empresa, mas não para decidir quem irá se casar com quem. É muito importante reconhecer que convidar um parente por afinidade para atuar na empresa familiar, e não acertar na decisão, pode ser prejudicial tanto para a família quanto para a empresa. E fazer do quarto do casal uma sala de reuniões pode ser bastante tóxico para o casamento.
Parentes por afinidade, mesmo que bem qualificados, devem trabalhar na empresa da família?
De acordo com a nossa pesquisa, as famílias tendem a ter visões polarizadas sobre o assunto. Em algumas empresas familiares, parentes agregados não podem ser contratados, ficando os direitos de posse e os cargos reservados a parentes consanguíneos. Em outras, é implementada uma política inclusiva que aceita esses parentes. Ambos os cenários possuem prós e contras.
Com base em nossa própria experiência com empresas familiares, uma política que não permite esses parentes pode ser o mais recomendado, pois estabelece regras e expectativas claras. Conflitos por poder são comuns em empresas familiares e uma política desse tipo permite que casais tenham algum aspecto de sua vida que não esteja interligado com o restante da família. Também incentiva a família a acolher e considerar o parente agregado como um cônjuge, e não um funcionário. Implementar uma política com antecedência torna o processo menos pessoal. Contudo, se ela é criada depois que o indivíduo de quem você não gosta se junta à família, a atitude causa ressentimento. Uma política como essa também pode impedir atritos entre os familiares que têm direito a herdar o negócio, em oposição aos que adquiriram tal direito após o casamento. Estabelecer uma separação clara entre a vida de casado e a vida profissional reduz a pressão sobre todos.
Uma política que impede que parentes agregados trabalhem na empresa familiar também mitiga riscos em caso de divórcio. É uma consideração importante, pois um divórcio em uma empresa familiar pode ter sérias consequências, capazes de afetar os direitos de posse, o direito a emprego e a reputação, além de ser uma enorme distração para os negócios. As famílias não podem se proteger de todos os riscos, mas é prudente possuir um acordo pré-nupcial que resguarde a posse da empresa. Os parentes por afinidade devem possuir contratos de trabalho, assim como qualquer outro funcionário que não faz parte da família e que possui uma cláusula de não concorrência em seu contrato.
Contudo, uma política que não permite parentes agregados tem suas desvantagens. Regras respaldadas na lei e não flexíveis também podem afastar os familiares. A maioria dos negócios familiares deseja “manter as coisas na família” e os filhos normalmente são “chamados” de volta para casa para fazerem parte da empresa. É possível que o cônjuge seja obrigado a sacrificar sua carreira para apoiar o outro na empresa da família. E como as empresas familiares representam 80-90% das empresas de todo o mundo, pode ser difícil para os parentes por afinidade encontrarem um emprego gratificante que não seja na empresa da família da qual agora fazem parte. Ainda, a empresa pode estar perdendo um grande e confiável talento, pois com o casamento, é possível inserir um indivíduo qualificado nela.
Muitas famílias partidárias da política que proíbe agregados sentem a necessidade de apoiar esses parentes oferecendo-lhes dinheiro para que comecem seus próprios negócios (em geral conhecido como “financiamento para manter distância”). No entanto, essa estratégia em geral dá errado a menos que o investimento seja condicionado ao mérito e os resultados sejam claramente comunicados.
Uma empresa familiar com a qual trabalhamos possuía uma rígida política que proibia a contratação de parentes agregados. A norma foi especificamente criada para impedir que um genro malquisto se juntasse aos negócios. Quando o pai que comandava a empresa faleceu de repente sem deixar um sucessor da família, os negócios degringolaram, pois os filhos não conseguiram chegar a um consenso sobre o que fazer. A dissolução poderia ter sido evitada se a “regra” permitisse que parentes por afinidade fossem contratados com base no mérito, já que havia um genro altamente qualificado para comandar a empresa.
Também entrevistamos uma grande empresa de bebidas em sua décima geração com uma política que proibia parentes agregados. Todos enxergam a política como absoluta e a aceitam. Na verdade, ela possibilitou maior diversidade de gênero na empresa, pois as filhas sucedem seus pais e mais mulheres são educadas desde a infância para se tornarem protagonistas nos negócios da família, em diversos setores e áreas geográficas. Apesar do grande tamanho da família, essa política, em conjunto com outras na constituição familiar, forneceram algumas proteções necessárias, permitindo que os negócios e a família prosperassem.
É claro que há muitos exemplos de parentes agregados e bem-sucedidos que trabalham em empresas familiares. Podemos citar um casal que precisou enfrentar uma doença inesperada que havia acometido o pai de um dos cônjuges. O pai era responsável pelos negócios. O casal se mudou para o outro lado do mundo para que a esposa pudesse ficar à frente da empresa. Seu marido (o genro) também entrou para os negócios, colocando de lado grandes oportunidades em sua carreira para ajudar a empresa da família. Os negócios tiveram sucesso, mas não sem sacrifícios.
Em outra empresa, um parente por afinidade foi responsável por arruinar a empresa da família. Pai e filho trabalhavam juntos e começaram a se desentender. O genro, Tom (nome fictício), viu a situação como uma oportunidade para se juntar ao pai e provocar a saída do filho. A estratégia funcionou por um tempo, até que pai e filho fizeram as pazes. Ambos perceberam a intenção de Tom e o demitiram. Isso causou um distanciamento entre a filha, Sara (nome fictício), e a família. Sara e Tom acabaram se divorciando, mas os danos não pararam por aí. Devido à falta de profissionalismo e de liderança, os funcionários começaram a sair da empresa e os clientes deixaram de fazer negócios. Sara havia dividido com Tom sua parte na empresa. Posteriormente, eles demoraram muito para tomar decisões, pois Sara tinha pouco conhecimento dos negócios, e Tom tentava sabotar a empresa por raiva e desejo de vingança. A família toda acabou perdendo a empresa.
Não há uma orientação que sirva para todos quando o assunto é contratar parentes agregados para trabalhar em empresas familiares. Contudo, é importante separar de forma clara os direitos de posse e o emprego do parente na empresa familiar, pois esses papéis possuem responsabilidades e autoridades bem distintas.
Cada empresa familiar é única e possui uma dinâmica familiar própria. É crucial refletir sobre diversas questões antes de implementar qualquer política. Uma delas seria o funcionamento da hierarquia, remuneração e avaliações. Avaliar de forma objetiva o cônjuge de um dos filhos, por exemplo, pode ser complicado. Conforme a empresa e a família crescem, essas questões só aumentam.
Se você está considerando envolver um parente agregado na empresa de sua família, veja as seguintes sugestões:
- Coloque a família em primeiro lugar. Uma família em desacordo não consegue gerenciar uma empresa de sucesso.
- Esclareça quais são os objetivos da empresa, os objetivos da família e os objetivos individuais.
- Elabore uma política de trabalho da família. A política deve definir regras “familiares” específicas sobre como os diferentes membros podem atuar nos negócios. Deve haver regras sobre as estruturas hierárquicas, os planos de sucessão e sobre quem tem autoridade para revisar as políticas.
- Crie um comitê de remuneração e patrimônio composto por uma combinação de gestores familiares e profissionais que se reportam ao conselho. Caso a empresa seja muito pequena para possuir um conselho, contrate um assessor independente para ajudar nas questões de remuneração.
- Desenvolva sólidas práticas de RH referentes a avaliações, bônus e rescisão para todos os funcionários, bem como transparência em relação a promoções e autoridade.
- Seja gentil com seu parente por afinidade. Ofereça apoio e o incentive na empresa.
- Reduza as conversas íntimas, pois os cônjuges em geral possuem visões distorcidas um do outro e a negatividade pode ser algo desastroso.
- Seja generoso a respeito do tempo que dedica a treinar o parente e da forma como faz isso. Casamentos já são difíceis sem que um parente agregado se junte à família e se sinta discriminado.
- Crie uma saída. Antes de convidar um parente por afinidade para se juntar aos negócios, saiba como poderá removê-lo da empresa. A maioria dos funcionários pode ser demitida, mas a família não. Assim, fale antes sobre as suas preocupações, documente os resultados de desempenho e estabeleça um período de experiência para avaliação. Isso também cria um ambiente seguro e justo.
- Crie uma cultura segura, que promova o talento, que tenha um bom fluxo de feedback e um objetivo em comum. Se um parente agregado destoar dessa cultura, mantenha-o longe dos negócios da família.
Independentemente do que você decidir em relação à contratação de um parente por afinidade para trabalhar na empresa familiar, ele deve ser considerado um familiar da empresa e deve ser atualizado todos os anos em relação à situação dos negócios e às políticas de governança, bem como incentivado a fazer perguntas. Desmistificar os negócios facilita as coisas em casa. Tenha a certeza de, também, encontrar tempo somente para a família, sem abordar assuntos relacionados aos negócios, para criar uma forte cultura familiar. Um parente por afinidade pode ser uma ótima fonte de solidez e suporte. Em geral, ele é um herói não descoberto na família e na empresa, e se for inserido nos negócios de forma adequada, pode ser um grande embaixador da marca.
As empresas familiares que prosperam em longo prazo compartilham os mesmos valores, possuem relacionamentos sólidos, se orgulham da própria família e confiam uns nos outros. Quando um parente agregado — alguém de fora da família estendida — é levado para a empresa, pode ser muito difícil para ele fazer parte desse círculo. Enquanto pode haver resultados bastante positivos, o processo carrega riscos e exige análise e políticas cautelosas.
Christina R. Wing é professora na Harvard Business School na área de Liderança e Prestação de Contas Corporativas e também leciona o tema Desmistificando Famílias nos Negócios. Ela é copresidente do Programa de Educação Executiva na HBS sobre Famílias nos Negócios e é palestrante e assessora ativa que ajuda empresas familiares em todo o mundo.
Rohit K. Gera é diretor-administrativo de uma empresa de empreendimentos imobiliários na Índia e nos Estados Unidos, que está na sua terceira geração. Em Pune, na Índia, Gera dirige a empresa de sua família há oito anos, além de atuar em diversos outros negócios da família no país.
Fonte HBR