Abrir agora, ou esperar mais? À medida que se acirram os debates sobre a retomada da economia, um elemento crítico está ausente da discussão. A capacidade de prever nosso grau de sucesso ou fracasso terá menos a ver com quando as empresas abrirão as portas, e mais com a frequência com que as pessoas dão palpites. Décadas de pesquisas sugerem que o cerne de uma cultura de alta confiabilidade é assumir rapidamente a responsabilização.
Alguns anos atrás, John Noseworthy, CEO da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, me contou, com orgulho, sobre uma enfermeira que certa vez o censurou por ele se esquecer de higienizar as mãos ao sair do elevador. Na realidade, ele disse: “Se todos em nosso sistema se manifestarem contra a desatenção dos colegas, não importa seu nível ou posição, poderemos evitar a maioria dos incidentes de danos previsíveis”. Ele tinha razão.
No entanto, no final de abril, no auge da pandemia da Covid-19, o vice-presidente Mike Pence foi até a Mayo Clinic para conhecer as pesquisas em andamento. Durante sua visita, guiada por líderes da Mayo que usavam máscaras, Pence continuou sem nenhuma proteção facial. Embora ele tenha dito que deveria ter coberto o rosto, o incidente é um lembrete óbvio (e público) da dificuldade em se manifestar contra pessoas em posições de poder.
Eu também soube de incidentes semelhantes ocorridos recentemente. Uma enfermeira que se recusou a usar EPI por quatro dias antes de ser, finalmente, repreendida pelo seu supervisor; consumidores que entraram em grandes lojas sem máscara, sem que o funcionário na entrada da loja dissesse alguma coisa; o chefe de uma equipe de trabalhadores essenciais que saiu cumprimentando todos em uma reunião com pessoas que trabalharam duro nas últimas semanas, sem que algum de seus oito subordinados diretos se manifestasse, senão depois da reunião.
À medida que as empresas reabrem, muita atenção está sendo dada às medidas necessárias para manter funcionários e clientes em segurança. E muitas dessas medidas são atitudes simples: lavar as mãos, usar máscaras etc. Mas essas medidas não terão êxito a menos que se tornem normas. E no fim das contas, a velocidade com que as normas mudam é a velocidade com que se torna normal corrigir os outros. Se não tratarmos o descumprimento às normas com frequência, o comportamento saudável se tornará uma piada.
Manter os funcionários e clientes seguros e saudáveis ao abrir seu negócio durante uma pandemia em curso não dependerá apenas de atitudes como usar máscaras, verificar a temperatura, lavar as mãos e manter uma distância de dois metros. Dependerá de todos nós sempre fazermos a nossa parte pelo tempo que for necessário. E isso só acontecerá se aqueles que veem alguém cometendo deslizes se manifestem e relembrem o esquecido.
Temos certa dificuldade inerente em falar livremente. Um estudo recente da VitalSmarts com 1062 entrevistados, identificou que três em cada quatro pessoas admitiram ter receio do risco de infecção ao interagir com outros. No entanto, sete em cada dez pessoas admitem dizer menos do que acham que deveriam para garantir a segurança de si mesmos e de todos.
Ao longo dos últimos 30 anos, meus colegas e eu estudamos o que é necessário para gerar mudanças comportamentais rápidas, profundas e sustentáveis. Segundo nossa principal descoberta, um plano de influência sólido deve envolver todas as seis fontes de influência que moldam o comportamento humano. Elas incluem:
- Um quadro moral convincente
- Prática deliberada
- Pressão dos colegas e da liderança
- Apoio social
- Pontuação
- Referências, ferramentas e recursos ambientais
Quando todas as seis fontes de influência estão presentes de forma robusta, vimos em nossa pesquisa que a probabilidade de uma mudança positiva é dez vezes maior. Discutimos abaixo cinco práticas recomendadas que envolvem coletivamente todas essas fontes de influência. A menos que todas as cinco sejam praticadas em combinação, as chances de mudança significativa caem substancialmente.
Cinco práticas para criar locais de trabalho seguros
Exija “por favor” e “obrigado”. A única maneira de gerar e sustentar mudanças é ter 200% de responsabilização: Os funcionários devem entender que não são apenas responsáveis por seguir práticas seguras (os primeiros 100%), mas por garantir que todos ao seu redor também façam a mesma coisa (os outros 100%). Instrua os funcionários que, quando qualquer pessoa vir qualquer outra violar as práticas de segurança, deve lembrá-la do protocolo adequado com um educado “Por favor”. Por exemplo, “Por favor, use máscara quando estiver no escritório”.
Mas isso não basta. Minha empresa trabalhou com dezenas de hospitais para melhorar a segurança dos pacientes, desenvolvendo normas para relembrar também. É um desafio fazer com que as enfermeiras de linha de frente relembrem a médicos impacientes, de lavar as mãos, a menos que você crie uma norma que permita isso. Os líderes devem ser instruídos de que, quando lembrados sobre uma diretriz de segurança, haja apenas uma resposta permitida: um “Obrigado” imediato, seguido do cumprimento da regra. E ponto final.
A Spectrum Health, no oeste do estado de Michigan, trabalhou por meses para incentivar os profissionais da saúde a fazerem lembretes. Após pedirem aos destinatários dos lembretes que estes agradecessem e cumprissem a regra, a prática de higienizar as mãos aumentou mais de 60% em questão de semanas. Após os médicos serem treinados para “mostrar gratidão, não contestação”, o lembrete se tornou uma norma de baixo risco e não, um terrível suplício.
Realize um treinamento intensivo contra a Covid quando retornar ao escritório. A ideia de um “treinamento intensivo” é romper com padrões antigos e instaurar novas condutas. O melhor momento para redefinir as normas é quando ninguém sabe o que é normal. Agora que os funcionários retornam aos escritórios, aproveite suas expectativas ainda não formadas, realizando um treinamento intensivo. As sessões podem variar de 30 minutos a algumas horas, dependendo de quantas novas normas você precisa que as pessoas adotem. A reunião deve incluir o seguinte:
- Líderes como facilitadores. Isto não pode ser legado ao RH ou deixado a cargo de um consultor. Os líderes devem ficar na frente dos funcionários e demonstrar sinceridade e comprometimento com as novas políticas.
- Mensagens morais. Defenda moralmente as mudanças de comportamento, contando histórias de amigos, familiares ou clientes afetados, para ilustrar melhor os riscos de não conformidade.
- Prática deliberada. Os líderes não devem simplesmente instruir as pessoas sobre as novas condutas de segurança; as pessoas devem realizar as ações por conta própria a fim de desenvolverem uma memória muscular para que as práticas pareçam simples, normais e necessárias. Por exemplo, na Spectrum Health, desenvolvemos um treinamento de campo, onde todas as pessoas de uma unidade realizavam os movimentos de entrar e sair de um quarto de paciente. Com uma condição, eles lavariam as mãos ao chegar e ao sair, conforme a exigência. Em outro, eles não lavariam as mãos, e outro profissional os relembraria. Assim, a pessoa que recebeu o lembrete diria “obrigado” e então, lavaria as mãos. A experiência não levou mais de 20 minutos. Isto pode parecer trivial, mas o cumprimento das novas normas aumentou substancialmente nas unidades que fizeram o treinamento, mais do que naquelas que não o fizeram.
Pratique com exercícios de combate a incêndio. Realize exercícios diários de combate a incêndio na primeira semana, quando as pessoas recebem o aviso de parar o que estão fazendo e de praticar as novas condutas. Nas semanas seguintes, duas vezes por semana é o suficiente. Exercícios de combate a incêndio eficazes também exigem liderança. Os líderes devem orientar todos os funcionários por meio dos movimentos de cada nova conduta de segurança, inclusive dizer “por favor” e “obrigado”. Os exercícios de combate a incêndio requerem muito menos tempo, mas são fundamentais para embasar as mudanças, pois relembram aos funcionários da importância dessas condutas.
Realize rondas diárias. Como diz o ditado: “Quem inspeciona sempre alcança”. Assim como em um hospital, os líderes devem usar uma lista de checagem para fazer “rondas” e verificar os resultados da avaliação de conformidade. Eles podem percorrer a área de trabalho e observar o grau em que o comportamento adequado está sendo executado. Eles devem levantar a pontuação todos os dias nos primeiros 30 dias e fazer suas observações em horários imprevisíveis do dia. Depois disso, as rondas podem ocorrer em dias alternados.
Mantenha os resultados públicos. Os líderes devem publicar os resultados das rondas diariamente. Acima do resultado, eles podem fazer um círculo grande em cores que indique o nível de conformidade da organização: Verde = +95%. Amarelo = 80-90%. Vermelho = <80%. Os líderes devem se comprometer a postar os resultados, independentemente de quais sejam, e garantir sua visibilidade aos clientes e parceiros comerciais. O constrangimento é um poderoso fator capaz de incentivar melhorias, e quanto mais público o constrangimento, maior a motivação.
Essas práticas podem parecer estranhas para muitos funcionários e líderes – especialmente aqueles que antes não fizeram parte dos esforços coordenados de segurança no local de trabalho. Mas estes são tempos atípicos, e se quisermos manter todos seguros e saudáveis, as pessoas precisam atuar fora de suas zonas de conforto.
Se os líderes encararem essas práticas com seriedade, poderão inculcar novas normas muito mais rapidamente. Isso não é importante apenas para a segurança dos funcionários, mas também para a saúde da sua empresa. A adesão a esses comportamentos essenciais permitirá que as empresas reabram – e permaneçam abertas.
Joseph Grenny é autor e ganhador de best-sellers pelo New York Times por quatro vezes, palestrante e um importante cientista social para o desempenho empresarial. Suas obras possuem traduções em 28 idiomas, estão disponíveis em 36 países e geraram resultados para 300 empresas entre as 500 melhores empresas listadas na Fortune. Grenny é cofundador da VitalSmart, um inovador em treinamento corporativo e desenvolvimento de liderança.
Fonte HBR