Quem não gostaria de uma carreira com propósito e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal? Para muitos de nós, o que nos impede de trocar de carreira é o aspecto financeiro. Mesmo que o trabalho atual tenha visivelmente perdido seu brilho, ainda é estável. Seguro. Garantido. Constante. Surge aquela preocupação: Como será que uma troca de carreira afetaria o saldo bancário? O estilo de vida? A família? Partimos do princípio de que uma reinvenção drástica provocaria um descompasso no orçamento entre a saída do emprego antigo e o desbravamento de uma nova área. Às vezes, pensamos (ou constatamos) que a carreira dos sonhos traria, por um lado, um propósito maior a nosso tempo empenhado, mas também menos dinheiro (bem menos, dependendo do caso).
Veja o caso de Steve. Gerente de RH consagrado no setor público, que lidera sua própria equipe de contratação e recebe salário condizente. Ou de Amanda, professora de ensino fundamental com 11 anos de experiência em uma escola bem localizada. Ou Brandon, estrela em ascensão em uma grande organização de renome sem fins lucrativos. A carreira dos três poderia ser considerada como de sucesso por quem os conhecesse. Mas Steve, Amanda e Brandon largaram o emprego e fizeram uma transição de meio de carreira.
O que os levou a abandonar carreiras sólidas, salários regulares e segurança? Para Steve, foi o desejo de atribuir um propósito ao trabalho. Embora tivesse bons resultados e gostasse da equipe e da empresa, parecia que, no decorrer da jornada de trabalho, ora esperava os minutos passarem, ora corria para tratar assuntos urgentes. Se por um lado o salário era bom, por outro dava a impressão de que suas funções não se traduziam em algo maior. Não se sentia realizado.
Amanda considerava o aspecto pedagógico do trabalho bastante gratificante, mas se desanimava com toda a papelada e com o enfoque de “preparar para a prova”. Ela observou: “Passava apenas 30% do tempo lecionando de fato; o restante gastava preenchendo formulários”. Com o tempo, a frustração com essas funções do trabalho foi se acumulando, e ela acabou esgotada.
Brandon arriscou tudo e largou o emprego estável na organização sem fins lucrativos para ir atrás de um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Não pretendia mudar de carreira, até que, em uma conversa com sua filha, constatou a impressão de que ele trabalhava demais e passava pouco tempo com ela. Embora estivesse alcançando grandes melhoras na forma como a organização operava, a jornada de 80 horas semanais estava acabando com sua vida doméstica. Uma mudança se fazia necessária. A exemplo de Steve, Amanda e Brandon, todos nós somos levados a mudar de carreira por diferentes razões. Mas, para muitos, o medo do eventual risco financeiro durante a troca torna-se um obstáculo intransponível. Cada caso tem suas particularidades. Entretanto, eis alguns fatores a serem considerados para aliviar questões financeiras e fazer com que uma mudança radical pareça mais próxima da realidade.
Tente levar a vida com a nova renda
Caso receie que vá ganhar menos no novo emprego, experimente viver com o salário estimado. Calcule quanto espera receber e conte com esse valor por dois a quatro meses. Ou ainda, conte com um valor menor do que o salário esperado. Assim, você terá uma noção realista de como levaria a vida, do ponto de vista orçamentário, na nova carreira. Antes de tudo, confira seus gastos para entender para onde vai seu salário atual. Se ainda não possuir um orçamento, verifique a fatura dos últimos seis meses do cartão de crédito, do talão de cheques e os extratos da conta corrente para entender como tem gastado. Assim que conseguir montar um orçamento, confira as despesas, tanto fixas quanto avulsas, para saber onde enxugar. Até que ponto você deve cortar? Depende de quanto espera reduzir em sua renda. Se a nova carreira render 90% do ganho atual, é provável que consiga transitar de carreira com diminuição de gastos em mantimentos, planos de TV paga ou refeições fora de casa. Caso a nova carreira exija um corte mais profundo nos gastos, você precisará de uma abordagem mais agressiva. Analise as principais categorias de gastos para saber quais são as oportunidades de economia. Há opções residenciais mais em conta na região? Consegue usar transporte público para cortar os custos de condução? Mesmo não se sentindo à vontade para experimentar medidas tão drásticas, utilize esse período para estudar alternativas e determinar o impacto das mudanças. Digamos que você queira se mudar para uma residência menor, economizando no gasto mensal. Qual é a possibilidade de encontrar moradia mais barata na região? Se o mercado imobiliário local estiver em baixa, pode ser mais difícil deixar a moradia atual.
Amanda, quando pretendia abandonar o cargo de professora, sabia que a mudança para um trabalho de meio período em uma organização sem fins lucrativos implicaria uma queda no salário de cerca de US$ 30 mil por ano, com base em uma reunião preliminar com o futuro gestor. Na época, Amanda estava grávida, mas pretendia retornar ao trabalho de meio período assim que sua filha nascesse. Entretanto, viu-se obrigada a prolongar o período de repouso absoluto devido a complicações pré-natais. Os benefícios do cargo de professora não cobriam ausência de curto prazo. Como não podia trabalhar, não recebia salário. “Esse experimento ocorreu por acaso e foi difícil, pois tínhamos que contar cada centavo… mas, no fim, deixou claro que conseguíamos nos virar com menos dinheiro”, disse. Embora Amanda não tenha estipulado o início nem a duração do experimento, você pode esquematizar um orçamento intencionalmente apertado por determinado período, de forma a conseguir uma noção prática de uma vida com salário menor.
Ao término do experimento, analise novamente o orçamento ou os comprovantes bancários e veja como você se saiu. Que influência houve em suas economias — e em suas dívidas? Como você se sentiu? Está pronto para conviver com tais cortes por um período maior? Aproveite a oportunidade para esmiuçar seus gastos e ver se há outras despesas, tais como pacotes da Netflix ou da Amazon Prime, que possam ser cortadas.
Crie uma reserva para emergências
E se ocorrer algo inesperado na nova carreira? Ou se você não conseguir vender o imóvel? A tensão e o medo de começar uma nova carreira podem ser mitigados ao criar uma reserva para emergências ou ao reforçar uma já existente. Um bom princípio básico é ter uma reserva que dê para você se sustentar por um período de três a seis meses. Em geral, essa é a prática recomendada por consultores financeiros. Porém, procure reservar o valor mais alto dentro dessa faixa para garantir mais fôlego, caso sua transição não ocorra conforme planejado. Quanto mais margem você tiver, mais tempo terá para encontrar outra vaga caso necessário.
Como criar uma reserva de emergência? A princípio, você pode aproveitar sua restituição de imposto de renda ou seu bônus anual. À medida que testa o novo salário, recolha a diferença mensal cortada dos gastos no experimento anterior e deposite na reserva de emergência. Ou prolongue o experimento, optando por um orçamento regrado por bastante tempo, de forma a juntar mais dinheiro. Steve e sua esposa tomaram essa decisão, guardando dinheiro antes de ele entrar na pós-graduação. Além das medidas mais comuns de corte de gastos, venderam também um dos carros e passaram a usar só um carro. O corte desonerou o casal não só do financiamento, mas também dos gastos com combustível, seguro e manutenção. Essa fase de despesas mais regradas pode ser tanto como a de Steve quanto com cortes em outras áreas. Se seu veículo ocasiona altas parcelas mensais, será que consegue trocar por um mais barato? Será que consegue restringir gastos avulsos (cafezinho, pacotes de conteúdo, taxas de associações)? Pensando diferente, será que consegue chegar a formas mais drásticas de economizar? Você poderia compor um vestuário bem simples, com algumas peças básicas e fáceis de combinar e manter, o que reduziria seus gastos com roupas novas e lavanderia.
É certo que viver regradamente exige muita motivação. Parece algo horrível. E pode acabar sendo horrível. Talvez ajude se você mantiver o foco no motivo por trás dos cortes. Você estará enxugando os gastos para trocar um cargo que só paga as contas por outro que você almeja. Explore ideias para economizar — e para lidar com a situação — com a ajuda de pessoas próximas. E não deixe de se premiar vez ou outra. Comemore seus sucessos. A cada US$ 1000 guardados na reserva de emergência, presenteie-se com algo prazeroso (mas dentro do razoável), como um jantar fora.
Avalie a tolerância a riscos de seu domicílio
Como você se sente em relação ao risco? Como seu cônjuge se sente? A tolerância varia de acordo com cada um. Veja o caso de Brandon. Como ele se considera avesso a riscos, passou de líder da organização para empreendedor com cautela. Deu início ao fundo de reserva quando tirou sua filha da creche e passou a cuidar dela em casa. Assim que abriu sua empresa, continuou a atenuar riscos ao ser extremamente criterioso quanto a novos clientes. Para garantir uma quantidade segura de serviços e uma renda planejada, Brandon firmou contratos apenas com organizações que lhe permitissem administrar conferências por, no mínimo, dois anos. Da mesma forma, Margaret, solteira, mãe de dois filhos, admite que é avessa a riscos. Só concluiu a transição de estável professora universitária para a posição de consultora de RH quando encontrou uma vaga com o salário necessário. Caso o valor não fosse suficiente, ela não haveria feito a mudança. Sabia quais eram seus gastos e sua tolerância a riscos, e não podia contar com o salário ou plano de saúde de um parceiro. Não estava disposta a abrir mão de alguns aspectos ou colocar sua família em uma situação ruim só para concretizar a mudança.
É importante entender até que ponto você se sente confortável com o risco para saber quais opções são as melhores — e quais você deverá deixar de lado. Quantifique seu nível de tolerância a riscos preenchendo uma das várias autoavaliações online, tais como o questionário de tolerância a riscos financeiros desenvolvido por Ruth Lytton, da Virginia Tech, e John Grable, da University of Georgia. Caso tenha tolerância a riscos bem baixa e a mudança de carreira que tem em mente reduzirá sua renda em 75%, talvez queira repensar a decisão. Por outro lado, se o questionário sugerir que você possui uma tolerância a riscos mais alta, uma redução drástica no salário pode não ser um impedimento.
Tenha um plano B
Se você sabe como se sente em relação a riscos, também terá uma noção da solidez exigida para um plano B. Se você for muito cauteloso em relação a mudanças, diminua o estresse elaborando um Plano B (e C e D, se for o caso). Aproveite toda a reflexão e imaginação que teve para chegar até aqui, e use-as para ponderar sobre o que faria caso a nova empreitada não dê certo. Steve, Amanda e Brandon tinham cônjuges com renda que proporcionava respaldo na transição de carreira. Ademais, os três observaram que outros parentes haviam oferecido ajuda financeira caso houvesse necessidade. Dinheiro à parte, Steve, Amanda e Brandon mantiveram o vínculo com os antigos colegas do ambiente de trabalho e do setor. Saber que tinham esses contatos e que podiam falar com eles caso precisassem voltar à antiga área dava certo conforto.
Além de manter vínculos com ex-colegas de sua rede, fique por dentro do que se passa em seu antigo setor. Caso esteja saindo da área de financiamentos de habitação, atualize-se sobre os regulamentos e as políticas vigentes. Ou, se estiver saindo de um setor que exige um certificado (como o de contador), mantenha todas as licenças ou credenciais até haver se consolidado na nova carreira. Você aliviará o estresse e o risco na transição e terá mais oportunidades de voltar ao antigo setor, caso precise.
Controle as expectativas
Converse com a família sobre as consequências da mudança na vida deles. Essas conversas devem focar em alterações de horários, variações de renda e hábitos de consumo que garantirão o sucesso da transição. Ao estabelecer quais são as expectativas para seu novo estilo de vida — no âmbito financeiro em particular — você dará menos margem para imprevistos e frustrações na mudança de patamar de renda. Steve, Amanda e Brandon tiveram várias conversas com seus cônjuges no período anterior à mudança de carreira. Amanda e seu marido estavam acostumados a jantar fora algumas vezes por semana em sua época de professora. Então, falaram de gastos avulsos que poderiam cortar — refeições fora de casa — para viver com uma renda menor que correspondesse à transição de carreira. Quando mudou de emprego, passaram a jantar fora apenas em raras ocasiões, o que, a princípio, causou certo desconforto, mas não surpresa.
A mudança de carreira de Steve exigiu etapas diferentes de estabelecimento e controle das expectativas dele e da esposa, já que sua transição se deu em duas fases ao longo de quatro anos. Primeiro, ele trocou o cargo de gerente de RH pelo de professor de faculdade, o que acarretou uma queda de US$ 15 mil na renda anual. Depois de um ano e meio no cargo, voltou aos estudos da pós-graduação em tempo integral — não tendo renda fixa por três anos. Steve e sua esposa negociaram por um ano inteiro antes que ele entrasse na fase de estudante não remunerado de sua transição. “Tivemos que assumir riscos financeiros, mas foi uma decisão em comum”, observa Steve. “Sabíamos no que estávamos nos envolvendo.” Para avaliar a situação, Steve e sua esposa analisaram os preços de aluguel e informações de custo de vida nas cidades em que ele se inscreveria para pós-graduação. Também analisaram os dados de emprego em cada cidade para estimar a possibilidade da esposa encontrar trabalho quando se mudassem. Todo esse levantamento e essa discussão acabaram valendo a pena, pois descobriram que tinham a disposição e a capacidade de viver regradamente em várias das cidades selecionadas.
As consequências financeiras de uma mudança de carreira têm peso preponderante para quem considera fazer algo diferente. Você terá que pensar a fundo, ter conversas difíceis e alterar o estilo de vida. Mas, ao escolher uma carreira que o recompense por levantar-se e ir trabalhar diariamente, você saberá que os sacrifícios de curto prazo estão a serviço dos objetivos de longo prazo. A transição não se dará da noite para o dia nem sem percalços pelo caminho. Mas não perca a esperança. É uma meta tangível.
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Russell Clayton faz parte do corpo docente da Muma College of Business, University of South Florida. É autor do livro In search of work-life balance (Blue Moon Books, 2016).
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Tradução: Clayton Rodrigo Cardoso
Fonte HBR