Em uma sala de emergência, quem você atende primeiro: um idoso ou uma criança igualmente feridos? Como não travar, quando o trânsito está parado e você tem um órgão humano no banco de trás da ambulância, vindo ao encontro de uma pessoa que esperou meses na fila para recebe-lo? Como atender um paciente racista, que acabou te ofender em público e extraiu de você os sentimentos mais dolorosos? Como enfrentar a solidão após uma decisão de vida ou morte, tomada em momento de pura adrenalina?
Trabalhar sob pressão é uma realidade em qualquer segmento, mas na Saúde ela ganha contornos ainda mais dramáticos, afinal, somente um ser humano pode salvar outro ser humano.
Na semana passada, fui convidado pela área de Responsabilidade Social da Globo para assistir à gravação do REP Sob Pressão e conhecer algumas das histórias de mulheres e homens que vivem no limite todos os dias. Quis ouvir deles o que os leva a trilhar uma carreira tão extremada, a despeito de todas as adversidades, com o nobre intuito de salvar outros seres humanos.
Conheci profissionais fortes e sensíveis, obrigados a conviver com o efeito de decisões muito depois de o paciente deixar o hospital, clínica ou consultório. Escutei deles como lidam com as frustrações, as alegrias, os êxitos e os fracassos. Como driblam a falta de recursos e o que prevalece na hora de tomar uma decisão sobre a vida alheia.
O REP da Globo, “plataforma de diálogo feita para repercutir ideias e histórias que valem a pena ser contadas”, é uma inovação em nível mundial, em se tratando de Responsabilidade Social em TV. E dará complemento a uma série ficcional, que chega à TV em julho. Os nove depoimentos irrigarão apenas as mídias digitais, aumentando o alcance da mensagem. A proposta busca a reflexão.
“A gente procura oportunidades o tempo todo. Neste caso, a oportunidade é uma série de nove episódios de ficção que irá ao ar em breve e tratará do dia-a-dia de médicos que vivem sob pressão em emergências de hospitais públicos. A dramaturgia abordará os dramas pessoais e profissionais e o que está por trás do dia a dia desses médicos. Então, como área de Responsabilidade Social, quisemos reverberar isso, por meio de depoimentos verdadeiros, enquanto a série estiver no ar. Chamamos de 360º”, me contou Beatriz Azeredo, diretora de Responsabilidade Social da Globo.
Com direção geral de Andrucha Waddington e direção de Mini Kerti, a série Sob Pressão é fruto do longa-metragem de Andrucha Waddington de mesmo nome, e livremente inspirada no livro “Sob Pressão – A rotina de guerra de um médico brasileiro”, de Márcio Maranhão.
Soco no estômago
A gravação do REP foi simples e direta: em um estúdio com plateia pequena e silêncio sepulcral, os nove profissionais da Saúde entraram um a um para, em frente às câmeras, relatar episódios que marcaram suas vidas e trajetórias.
Nove pequenas histórias, nove biografias distintas, unidas pela missão de ajudar o próximo, melhor dizendo, os próximos. Nove socos no estômago dados ali mesmo, sem retórica, sem encenação, entre o choro e o riso.
Me impressionei ao ouvir de um médico que um paciente da emergência vociferou que “não seria atendido por um negro” e que, em nome da ética, foi atendido e salvo. Saber que há 40.000 casos de aids diagnosticados todos os anos no Brasil, e que jovens têm-se contaminado sucessivamente porque simplesmente as campanhas minguaram.
Me emocionei ao ver um homem feito chorar ao pedir que as pessoas autorizassem a doação de seus órgãos, visto que um ser humano pode doar até sete órgãos do corpo. E constatei, tristemente, o quanto a nossa sociedade acolhe mal, bem mal, quem passa por uma depressão, doença tão comum nos dias atuais.
“Estamos aqui para inspirar outras histórias, para inspirar outras vidas. É por isso que é tão importante ver o outro lado do balcão. Do ponto de vista do paciente, você só sabe da metade do caminho”, me explicou Raphael Vandystadt, gerente de Responsabilidade Social da Globo, entre uma gravação e outra.
A escolha dos depoentes, disse Vandystadt, teve como critério a trajetória de cada um: “A gente queria ter um recorte muito claro do Sistema Único de Saúde (SUS), das experiências dessas pessoas vindas de todas as regiões do País, e contar as narrativas destes verdadeiros heróis anônimos da nossa sociedade, e que muitas vezes experimentaram a solidão de uma decisão. É isso que configura o tema Sob pressão”.
O primeiro REP tratou das diferenças. E o terceiro já está engatilhado. Discorrerá sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. “É um tema supercomplexo, não ajuda em nada a sigla, mas a gente vai trabalhar muito o cotidiano”, me revelou a diretora Beatriz Azeredo.
E você, que chegou até aqui, já pensou quem salvaria primeiro, o idoso ou a criança?
Fonte: Linkedin – Marc Tawil