O coronavírus mudou para sempre o ambiente de trabalho da maior parte das empresas. Muitos líderes se viram forçados a aprimorar estratégias existentes e criar outras para conduzir a empresa remotamente, construir ambientes que ajudassem – e não prejudicassem – o sistema imunológico das pessoas, e desenvolver diretrizes para reforçar medidas de segurança, como o distanciamento social. Talvez a mudança mais presente na abordagem de todas as áreas seja a necessidade de repensar o horário de trabalho, para dar apoio à gestão do equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, para reduzir o contato social, ou para atender a demandas oscilantes. O horário de trabalho tradicional das 9h às 17h deixou de ser o padrão.
A pandemia colocou em destaque enfermeiros, médicos, funcionários de supermercados, entregadores, entre outros profissionais com horários de trabalho normalmente irregulares. Mas a realidade é que os horários de trabalho irregulares são comuns, e qualquer empresa que esteja repensando o local de trabalho deve estar ciente dos prós e contras que eles impõem. O horário de trabalho pode ter sérias consequências para os funcionários, tanto do ponto de vista pessoal, como do profissional.
Analisamos recentemente 153 artigos acadêmicos sobre o efeito que trabalhar em horários irregulares causa na atitude, comportamento, saúde física e psicológica dos funcionários, além do impacto em sua vida pessoal e familiar. Nossa análise levanta quatro questões que os empregadores precisam levar em consideração ao repensar escalas de trabalho:
(1) Como a escala de horário da minha empresa pode afetar a eficiência e o bem-estar do funcionário? Avaliamos estudos sobre uma variedade de tabelas de horário fora do padrão, incluindo escala rotativa, turno da noite, horário flexível, entre outros, e concluímos que eles afetam o absentismo, rotatividade da mão de obra e desempenho de formas diferentes. O trabalho noturno é associado a maior absentismo e baixa produtividade, enquanto horários de trabalho flexíveis são comumente relacionados a menores absentismo e taxa de rotatividade. De fato, no início deste ano, a Gallup divulgou que 51% dos funcionários nos Estados Unidos disseram-se dispostos a mudar para um trabalho que oferecesse horário flexível. Profissionais mulheres com filhos eram as mais interessadas em rotinas de trabalho com essas características.
O esquema de horários afeta não apenas a eficiência dos funcionários como tem também impacto significativo nas atitudes e no bem-estar deles. Concluímos que o horário flexível e uma jornada de trabalho comprimida (ou seja, uma jornada semanal de menos dias, com mais horas de trabalho diárias) permitem que o profissional tenha maior controle sobre sua programação com períodos mais longos de tempo livre – o que traz maior satisfação geral. Por outro lado, a escala rotativa e o turno da noite tendem a ser menos previsíveis e têm maior interferência na vida pessoal dos funcionários, contribuindo para a redução do nível de satisfação geral com o trabalho.
Do ponto de vista do bem-estar, turnos alternativos costumam influenciar comportamentos importantes para a saúde física e mental dos trabalhadores, como hábitos de alimentação e sono. Ao longo do tempo, hábitos irregulares podem trazer sérias consequências à saúde. Caso em questão: um estudo divulgado em 2016, após acompanhar 189 mil mulheres por um período de 24 anos, revelou que, aquelas que trabalharam por mais de dez anos em escala rotativa noturna tiveram o risco de desenvolver doenças cardíacas aumentado em 15% a 18%. Horários irregulares também podem afetar a capacidade de os funcionários manterem relacionamentos positivos com seus parceiros e filhos. Tal interferência pode ser fonte de insatisfação com o cronograma de trabalho, algo de grande importância, já que a satisfação com o horário de trabalho tem relação direta com o engajamento dos funcionários.
(2) É possível alinhar o horário de trabalho da empresa com as necessidades, anseios e personalidade dos funcionários? Horários de trabalho personalizados serão um importante fator a se levar em consideração na estratégia pós-pandemia. Embora os estudos mostrem que alguns horários fora do padrão sejam mais prejudiciais que outros, há também evidências de que certos funcionários trabalham melhor em determinadas horas. Por exemplo, apesar de os estudos indicarem que horários fora do padrão – como a escala noturna – são prejudiciais para a saúde e o bem-estar do trabalhador, as pesquisas sugerem, também, que alguns funcionários se encaixam melhor nessa rotina, seja em função de diferentes ritmos circadianos, seja por sua situação familiar.
Por esse motivo, empresas que estejam planejando adotar horários fora do tradicional devem se esforçar para identificar funcionários interessados nessa programação, seja com base na personalidade, necessidades específicas ou circunstâncias de vida. As empresas podem enfatizar esse aspecto durante o processo de recrutamento, utilizando pesquisas para identificar as preferências de horário de trabalho e até mesmo os cronotipos de funcionários que já façam parte do quadro de pessoal. Medir a satisfação com o horário de trabalho, da mesma forma como muitas empresas monitoram o engajamento de seus funcionários, pode permitir a mais empresas um melhor acompanhamento de como os funcionários se sentem no ambiente de trabalho.
(3) Quais as implicações da criação de horários customizados ou do maior poder de decisão do funcionário sobre seu próprio horário? É possível criar horários de trabalho específicos e customizados para atender às necessidades e aos anseios de funcionários, individualmente. Teorias de justiça organizacional sugerem que a escala de horários seja igualitária, não necessariamente igual; o que significa que uma abordagem universal talvez esteja obsoleta. Durante a pandemia, muitos funcionários já começaram a realizar suas tarefas em home office, e a seu próprio tempo.
Empresas interessadas em dar aos funcionários maior poder de controle sobre sua rotina e horários podem começar ampliando o conceito de job crafting para incluir o agendamento. Tradicionalmente, o conceito de job crafting permite que os profissionais ajudem a determinar o que é o seu trabalho, com quem trabalham e por quê. Esse conceito pode ser ampliado para incluir quando o trabalho será feito.
Obviamente, surgirão desafios, principalmente aos gestores, para quem um agendamento mais flexível tende a ser mais estressante. No entanto, o momento é oportuno para que se dê mais atenção e consideração ao assunto.
(4) É possível equilibrar necessidades e anseios de ambos empresa e funcionários? Em uma economia que opera ininterruptamente, espera-se que as empresas tenham funcionários trabalhando 24h por dia, inclusive aos feriados, para atender às demandas dos clientes. Nosso estudo revelou que, cada vez mais, exige-se dos funcionários uma rotina exaustiva, caracterizada por horários imprevisíveis, com demandas de última hora e equipe reduzida. Embora as pesquisas nesse campo sejam recentes, é evidente que rotinas tão instáveis podem criar forte estresse e enormes dificuldades para os funcionários e suas famílias. Esse cenário é ainda mais real para trabalhadores em cargos de remuneração inferior e com benefícios limitados.
Sem dúvida, os gestores devem ter em mente que as empresas precisam ter bom desempenho nas suas funções principais, e nem sempre será possível oferecer aos funcionários horários de trabalho ideais. A pandemia mostrou que certas funções, como profissionais de saúde, são verdadeiramente essenciais e precisam trabalhar em jornadas mais pesadas. Ao mesmo tempo, porém, o pós-pandemia poderá ser um momento para as empresas e a sociedade repensarem a definição de essencial. Por exemplo, pensando mais à frente, será mesmo necessário que trabalhadores estejam disponíveis o tempo todo, durante todo o ano, para fornecer serviços não essenciais no varejo e em lojas de fast food?
O segredo será encontrar o equilíbrio entre as necessidades de curto prazo das empresas e os benefícios de longo prazo que as novas estratégias de planejamento de horários trazem para ambos, empresas e funcionários.
Para concluir, em vez de operar no automático, as empresas podem adotar uma abordagem mais orgânica e permitir que os funcionários tenham maior poder de decisão sobre quando fazer seu trabalho. Já vimos discussões suficientes sobre onde (de casa, por exemplo) e como (via plataformas de videoconferência) as pessoas irão trabalhar no mundo pós-pandemia, mas uma atenção especial também merece ser dada a quando todos vão trabalhar. Recomendamos que os gestores, em parceria com suas equipes, pensem com cuidado na melhor programação de horário para cada um quando chegar o momento de retornar aos locais de trabalho.
Mark C. Bolino é professor da cadeira David L. Boren é Professor e titular da cadeira Michael F. Price de International Business no Price College of Business da University of Oklahoma.
Thomas K. Kelemen será Professor Assistente de Gestão na Kansas State University.
Samuel H. Matthews é Professor Assistente de Gestão na University of Northern Iowa.
Fonte HBR