O problema é que a maioria das recomendações tende a focar nos papéis de liderança ou subordinação de forma isolada, negligenciando os desafios inerentes à necessidade de atuar nos dois papéis.
Embora sejamos fascinados pelo topo da cadeia de poder, a verdade é que a maioria dos profissionais possui um nível intermediário de poder e precisa interagir constantemente com colegas de níveis hierárquicos superiores e inferiores. Esta situação é evidente entre os executivos de média gerência, um grupo caracterizado por sua posição intermediária de poder dentro das organizações.
No estudo a ser publicado na Academy of Management Review, apresentamos uma teoria de poder que vai além da comparação estática entre profissionais de diferentes posições hierárquicas, abrangendo o amplo cenário da dinâmica de poder nas organizações. Nosso estudo baseia-se em conclusões descritas na literatura sobre neuropsicologia e hierarquia social, integrando-as para prever os efeitos do poder sobre aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais. Além disso, atualiza e amplia trabalhos acadêmicos anteriores, que focavam em teorias e testes sobre os efeitos do poder — ou da ausência dele — de forma isolada. Em resumo, nosso estudo aborda não apenas as posições extremas da cadeia de poder onde se encontram, de um lado, o CEO, e de outro os estagiários da empresa, mas também a relação complexa de poder que caracteriza o dia-a-dia da média gerência.
A relação dos executivos de média gerência com o poder é complexa, pois ele é exercido e experimentado no contexto das relações interpessoais. Ao interagirmos com nossos superiores, é natural que adotemos um comportamento de deferência em virtude de nossa posição hierárquica inferior. Por outro lado, quando interagimos com subordinados, adotamos uma postura mais assertiva e dominante. A não conformidade com as expectativas baseadas na estrutura de cargos pode gerar conflitos sociais e confusão, por isso aprendemos rapidamente a agir de acordo com o que se espera de nós.
No entanto, executivos de média gerência precisam exercer papéis bem diferentes nas interações profissionais, alternando entre papéis de liderança e subordinação. Em virtude de sua posição hierárquica são, ao mesmo tempo, “vítimas e agentes de mudança”. Recebem instruções estratégicas dos superiores e precisam implementá-las junto aos subordinados. Por isto, é comum que fiquem encurralados entre vários grupos de stakeholders, o que pode resultar em “demandas conflitantes e contínuas”.
De acordo com Blake Ashforth, professor da Arizona State University, e seus colegas, essas pequenas transições entre papéis na vida profissional podem gerar exatamente o tipo de conflito de papéis que, como concluímos, afetam os executivos da média gerência. Os padrões e expectativas associados a liderança (p.ex. assertividade) muitas vezes são incompatíveis com aqueles associados à subordinação (p.ex. deferência). Isso pode se tornar um problema para aqueles que precisam atuar nos dois papéis, pois seres humanos são sabidamente ineficientes na alternância de papéis. Isso foi demonstrado, por exemplo, na pesquisa sobre os efeitos do transbordamento de emoções entre as esferas doméstica e profissional. Em resumo, alternar entre tarefas que exigem mentalidades muito diferentes é psicologicamente desafiador.
A chamada alternância vertical tem seu preço, como reportado em diversos estudos. Do ponto de vista emocional, papéis conflitantes geram sentimentos crescentes de estresse e ansiedade, refletindo a tensão existente entre expectativas sociais incompatíveis. Os altos níveis de estresse causados por estes conflitos são fator de risco para diversos problemas cardíacos, de hipertensão a doenças cardiovasculares. Como se isso não bastasse, papéis conflitantes podem prejudicar a capacidade cognitiva e a habilidade de focar em tarefas sem se distrair. Um estudo epidemiológico abrangente conduzido por pesquisadores da Columbia University e da University of Toronto, que incluiu pesquisas com 21.859 profissionais de diversos setores, concluiu que a incidência de depressão e ansiedade em executivos de média gerência era maior do que naqueles que ocupavam cargos em uma das extremidades da escala hierárquica. Estes resultados podem ser acrescidos à longa lista de fatores que explicam porque os executivos de média gerência são tão infelizes.
No entanto, existem algumas formas de aliviar o fardo. Listamos a seguir algumas sugestões:
• Simplifique a estrutura de reporte para reduzir as interações entre diferentes níveis hierárquicos. Elimine reuniões desnecessárias que exijam esse tipo de interação ou estruture o fluxo de trabalho para limitar as frequentes alternâncias entre papéis de liderança e subordinação.
• Faça uma auditoria da intranet da empresa para entender como pessoas em diferentes cargos se comunicam (pessoalmente, por email, etc.) e quais são os impactos dessa estrutura de comunicação na percepção de poder.
• Ajude os executivos de média gerência a enxergar seus diversos papéis de forma integrada, e não segmentada, por meio de treinamentos efetivos. Mostre a correlação entre as responsabilidades da média gerência e a missão da empresa, fazendo com que os executivos mudem a visão que têm de si mesmos de “ora líder, ora subordinado” para “executivo de média gerência relevante para a empresa”. Lembre-se que algumas pessoas se sentem naturalmente confortáveis em alternar posições de liderança e subordinação, ao passo que outras precisam de ajuda para conseguir ver os aspectos aparentemente incompatíveis de seu cargo como partes coerentes de uma identidade única.
• Evite o microgerenciamento, pois ele causa uma alternância de papéis desnecessária. Forneça orientações estratégicas e dê espaço para que os próprios executivos as implementem com um mindsetpoderoso.
• Negociar transições verticais de posição em culturas organizacionais hierárquicas pode ser extremamente desafiador. Adotar culturas e estruturas organizacionais igualitárias pode minimizar estes desafios, reduzindo de forma efetiva as discrepâncias comportamentais entre os diferentes cargos.
• Tenha um roteiro. O peso associado à alternância vertical de papéis pode ser reduzido por meio de um roteiro eficaz de transição de papéis que estabeleça uma rotina para a mudança de um papel para outro. Com alguma prática, executivos de média gerência podem desenvolver boas estratégias para alternar entre os papéis de líder e subordinado sem sentirem os efeitos remanescentes das interações anteriores.
Algumas pessoas acreditam que estão apenas “de passagem” pela média gerência, em direção a cargos mais elevados. Entretanto, a verdade é que as empresas precisam de executivos de média gerência eficientes no longo prazo. A Google fez uma tentativa frustrada de eliminar seus gerentes de engenharia, mas descobriu que eles eram importantes — e muito. Outros pesquisadores também concluíram que os executivos de média gerência podem ter grande impacto no desempenho da empresa. Ethan Mollick, da Wharton Business School, conduziu um estudo recente de grande abrangência sobre a indústria de jogos eletrônicos e concluiu que o comportamento dos executivos de média gerência tinha um impacto de 22,3% sobre a receita das empresas. O Boston Consulting Group chegou a uma conclusão semelhante, chamando esses executivos de “grupo negligenciado, mas essencial” após uma pesquisa com milhares de empregados sobre as suas motivações para o sucesso.
Isso sugere que é imprescindível entendermos as pressões psicológicas singulares enfrentadas por esses executivos, bem como criarmos estratégias para reduzir o fardo inerente aos seus cargos.
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Eric M. Anicich é professor assistente no Departamento de Gestão e Organização da Marshall School of Business da University of Southern California. Sua pesquisa tem foco nas formas e funções da hierarquia social nos grupos.
Jacob B. Hirsh é professor assistente de comportamento organizacional e gerenciamento de recursos humanos na University of Toronto e pesquisa as dinâmicas cognitivas e afetivas da personalidade, motivação e processo de tomada de decisão.
*Artigo originalmente publicado no portal HBR