Em 24 de agosto de 1992, de manhã bem cedo, eu e minha família saímos de nosso abrigo temporário para encontrar nossa cidade — e nossa vida — mudada para sempre. Havíamos passado as últimas horas acotovelados, enquanto o furacão Andrew fustigava nosso bairro no sul da Flórida com chuvas torrenciais e ventos de cerca de 270 quilômetros por hora. Vimos pedaços de casa espalhados pela paisagem, fios de energia arremessados como barbantes e criaturas do mar encalhadas em árvores, carregadas para dentro do continente pelo vendaval.
Como milhares de pessoas, sobrevivemos à tempestade e aos muitos dias escuros que se seguiram graças à bondade de estranhos que nos trouxeram comida, água e conforto. Enquanto a nação se mobilizava para nos ajudar e nós nos apoiávamos uns nos outros, o furacão Andrew forjou um profundo senso de conexão e de comunidade no sul da Flórida. Mas, lentamente, conforme a rotina foi retomada, as pessoas se distanciaram novamente. Cada um voltou para sua casa, seu trabalho, sua escola e sua vida.
Olhando hoje para tantos outros lugares ao redor do mundo devastados por desastres de todos os tipos, penso como a tragédia com frequência nos une — e quão fugaz é essa conexão.
Há boas razões para se preocupar com a conexão social no nosso mundo atual. A solidão é uma crescente epidemia de saúde. Vivemos na era mais conectada na história da civilização, do ponto de vista técnico, mas as taxas de solidão duplicaram desde a década de 1980. Hoje, mais de 40% dos adultos na América relatam sentir-se sozinhos, e pesquisas sugerem que a cifra real é provavelmente bem maior. Além disso, o número de pessoas que relatam ter um confidente próximo tem diminuído nas últimas décadas. No local de trabalho, muitos funcionários — e metade dos CEOs — dizem que se sentem solitários em sua função.
Durante meu mandato como cirurgião geral dos EUA (U.S. Surgeon General, no original), vi em primeira mão como a solidão afetava pessoas de todas as idades e contextos socioeconômicos no país inteiro. Conheci estudantes do ensino fundamental e do médio em áreas urbanas e rurais que se voltaram para a violência, drogas e gangues para aliviar a dor da solidão. Sentei-me com mães e pais que haviam perdido filhos e filhas por overdose e lidavam sozinhos com a situação por causa do infeliz estigma que cerca o vício. E conheci trabalhadores de fábricas, médicos, donos de pequenas empresas e professores que diziam se sentir sozinhos no trabalho e à beira do burnout.
Nos anos em que cuidava de pacientes, a patologia mais comum que vi não foi doença cardíaca ou diabetes — mas a solidão. O homem idoso que vinha ao nosso hospital todas as semanas em busca de alívio da dor crônica procurava também contato humano, estava sozinho. A mulher de meia-idade que lutava contra o HIV avançado e não tinha ninguém a quem ligar para falar de sua doença estava também sozinha. Descobri que a solidão, muitas vezes, se encontrava na base de outras doenças clínicas, contribuía para agravá-la e dificultava o tratamento e a cura.
Talvez isso não o surpreenda. É provável que você ou alguém que você conhece tenha lutado contra a solidão. E isso pode ser um problema sério. A solidão e as conexões sociais fracas estão associadas à redução da vida útil tanto quanto o consumo de 15 cigarros ou quanto as doenças associadas à obesidade. Mas o esforço que dedicamos ao fortalecimento das conexões entre as pessoas não chega aos pés do empenhado para reduzir o uso do tabaco ou a obesidade. A solidão está associada também ao maior risco de doenças cardiovasculares, demência, depressão e ansiedade. No trabalho, a solidão reduz o desempenho das tarefas, limita a criatividade e prejudica outros aspectos da função executiva, como raciocínio e tomada de decisão. Para nossa saúde e nosso trabalho, é imperativo abordar de imediato a epidemia de solidão.
Uma vez que entendemos os profundos custos humanos e econômicos da solidão, devemos determinar quem é responsável por resolver o problema. O governo e o sistema de cuidados de saúde têm papéis importantes a desempenhar, ajudando-nos a entender o impacto da solidão, a identificar quem é afetado e a determinar as intervenções eficazes. Mas, para realmente resolver a solidão, é necessário o envolvimento das instituições nas quais as pessoas estão inseridas na maior parte do tempo: família, escola, organizações sociais e o local de trabalho. Empresas, em especial, têm o poder de impulsionar a mudança social, não só fortalecendo as conexões entre funcionários, parceiros e clientes, mas também servindo como um centro de inovação que possa inspirar outras organizações a enfrentar e mitigar esse problema.
Raízes da solidão
A solidão é o sentimento subjetivo de ter conexões sociais inadequadas. Por que aumentou ao longo das últimas décadas? Em parte, porque as pessoas têm maior mobilidade geográfica e, portanto, são mais propensas a viver longe de amigos e familiares. De fato, mais e mais pessoas relatam viver sozinhas hoje do que em qualquer outro momento desde que o censo começou a coletar esses dados. Novas modalidades de trabalho — como o trabalho a distância e alguns acordos de contratação da “economia de frilas” sob demanda — criaram flexibilidade, mas, muitas vezes, reduziram as oportunidades de interação pessoal. E trabalhar rodeado de colegas, mesmo em espaços abertos, não garante conexões significativas: as pessoas olham para o computador ou participam de reuniões que, orientadas para tarefas, tornam as oportunidades de conexão humana bastante escassas.
Happy hour, pausas para o café e exercícios de formação de equipes são planejados para construir conexões entre colegas, mas será que realmente ajudam as pessoas a desenvolver vínculos profundos? Em média, passamos mais horas de vigília com nossos colegas de trabalho do que com a família. Mas eles conhecem nossos interesses? Entendem nossos valores? Compartilham nossos triunfos e dores?
Essas não são questões simplesmente retóricas. Da perspectiva biológica, evoluímos para ser criaturas sociais. Há muito tempo nossa capacidade de construir vínculos de confiança e cooperação ajudou-nos a aumentar o fornecimento estável de alimentos e a proteção consistente contra predadores. Ao longo de milhares de anos, o valor da conexão social foi assimilado pelo nosso sistema nervoso, de modo que a ausência de tal força protetora cria um estado de estresse no corpo. A solidão causa estresse, e o estresse prolongado ou crônico leva a níveis frequentes e elevados de um hormônio-chave do estresse, o cortisol, e de inflamação no corpo. Isso, por sua vez, prejudica os vasos sanguíneos e outros tecidos, aumentando o risco de doenças cardíacas, diabetes, doenças das articulações, depressão, obesidade e morte prematura. O estresse crônico pode também sequestrar o córtex pré-frontal do cérebro, que rege a tomada de decisão, o planejamento, a regulação emocional, a análise e o pensamento abstrato.
Isso não é ruim apenas para a saúde. É ruim também para os negócios. Pesquisadores da Gallup descobriram que ter fortes conexões sociais no trabalho faz com que os funcionários sejam mais propensos a se envolver com o emprego e a produzir um trabalho de melhor qualidade, e menos propensos a adoecer ou se ferir. Sem fortes conexões sociais, esses ganhos se transformam em perdas. Indiretamente, a conexão aumenta a autoestima e a eficácia, além de direcionar nossa experiência para as emoções positivas — o que protege o indivíduo em situações estressantes e tem efeitos positivos sobre a saúde geral. De fato, estudos descobriram que empresas cujos funcionários acham que seu emprego é estressante têm despesas de cuidados de saúde consideravelmente maiores do que suas congêneres com menos níveis de estresse.
Nossa compreensão da biologia, da psicologia e do local de trabalho pressiona as empresas a fazer da promoção das relações sociais uma prioridade estratégica. É mais provável que uma força de trabalho com melhores relações desfrute de maior satisfação, produtividade e engajamento e fique mais protegida contra doenças, deficiência e burnout.
Forje relações no trabalho
Pela minha experiência, as pessoas levam o melhor de si para o trabalho quando se sentem conectadas à missão e às pessoas ao seu redor. Quando eu era cirurgião geral, nosso pessoal cresceu rapidamente à medida que procurávamos construir uma equipe que pudesse abordar uma série de questões urgentes de saúde pública. Embora os membros da equipe se dessem bem, logo ficou claro que não conhecíamos plenamente a rica experiência de vida que um trazia para a equipe. Tínhamos uma enfermeira do Exército condecorada, uma mulher que passou anos prestando cuidados médicos a prisioneiros, um pianista talentoso e pregador, um atleta de nível olímpico e várias pessoas que lutaram contra o vício na família. Embora estivéssemos operando com a formalidade e a hierarquia de um serviço uniformizado, minha equipe estava ansiosa para saber mais sobre cada um.
Para nos aproximar, criamos o “inside scoop”, um exercício no qual os membros da equipe eram convidados a contar um pouco de sua história por meio de fotos durante 20 minutos nas reuniões semestrais. Essas apresentações foram excelentes oportunidades de compartilhamento que serviram também para que nossos colegas se manifestassem sobre a maneira como desejavam ser vistos.
O impacto foi imediato. Essas sessões rapidamente se tornaram o momento favorito da maioria das pessoas, que se entusiasmaram em participar das reuniões de equipe. Elas se sentiram valorizadas pelo grupo depois de ver as reações genuínas de seus colegas às suas histórias. Os que geralmente ficavam calados durante as discussões começaram a falar. Muitos assumiram tarefas fora de suas funções tradicionais e pareciam estar menos estressados no trabalho. E quase todos me contaram que se sentiam bem mais conectados aos colegas e à missão que serviam.
Lembro-me do inside scoop de um membro da equipe que, com orgulho, servira no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Eu esperava que ele falasse sobre suas experiências nas Forças Armadas. Em vez disso, falou sobre a relação complexa que teve com seu pai e disse que enxergava o espírito dele vivo no talento musical de seus próprios filhos. Ele descreveu sua mãe como sua heroína e compartilhou o fato de que, diante de um desafio, lembrava-se dela para transformar suas dúvidas em força. Enquanto ele falava, seus olhos brilhavam. Senti uma conexão profunda com ele naquele momento e fui inspirado por sua honestidade e levado a refletir sobre meus próprios relacionamentos. Embora fôssemos próximos antes, meu relacionamento com ele tornou-se ainda mais próximo depois desse dia.
Compartilho o que meu escritório fez não como um antídoto para a solidão, mas como prova de que pequenos passos podem fazer a diferença. E porque pequenas ações são vitais para melhorar nossa saúde e a saúde de nossa economia.
Crie conexões
Cultivar conexões significa dar prioridade à nossa saúde e à saúde da empresa. E o local de trabalho é o ideal para esses propósitos. Seguem cinco passos que podem ajudar a construir relacionamentos saudáveis e produtivos:
Avalie o estado atual das conexões em seu local de trabalho. Conexões sociais fortes não dizem respeito simplesmente ao número de amigos e familiares de cada um. O que mais importa é a qualidade dessas conexões. Mesmo cercado por muitas pessoas, mesmo com milhares de conexões no LinkedIn ou no Facebook, você pode se sentir sozinho. Por outro lado, se você tiver apenas um punhado de pessoas com quem interage, poderá se sentir perfeitamente conectado com elas. Para avaliar a qualidade das relações em sua organização, considere estas questões: os funcionários sentem que seus colegas os valorizam de fato e cuidam deles? Acreditam que a cultura da instituição apoia a troca de gentilezas? Diriam que o relacionamento com os colegas é impulsionado mais pela afeição ou pelo medo?
Compreenda os relacionamentos de alta qualidade. Conexões sociais fortes são caracterizadas por experiências compartilhadas significativas e relacionamentos mutuamente benéficos. Os relacionamentos de alta qualidade devem ser fundamentados na afeição e caracterizados pela bondade, compaixão e generosidade. Há uma tendência de ver tais emoções positivas como “fraqueza” e até mesmo como falha que distorce o julgamento e prejudica as tomadas de decisão difíceis. Mas pesquisas mostram cada vez mais que as emoções positivas aumentam o desempenho e a resiliência. Seja claro com os funcionários e colegas sobre os tipos de relacionamento que você quer ver no trabalho e sobre os sentimentos, como a generosidade, que promovem esses relacionamentos.
Faça do fortalecimento das conexões sociais uma prioridade estratégica de sua organização. Projetar e modelar uma cultura que apoia a conexão é mais importante do que qualquer outro programa. Isso exigirá o apoio e o envolvimento de todos os níveis da organização, em particular da liderança. Fazer com que membros seniores invistam na construção de relações próximas com outros membros da equipe pode ser um exemplo poderoso, em particular quando os líderes estão dispostos a demonstrar que a vulnerabilidade pode ser uma fonte de força, não de fraqueza. Pergunte-se se a cultura e as políticas atuais de sua empresa apoiam o desenvolvimento de vínculos de confiança.
Incentive colegas de trabalho a procurar e ajudar os outros — e a aceitar ajuda quando oferecida.Embora pareça contraintuitivo ajudar os outros quando se sente solitário, oferecer ajuda e abrir-se para recebê-la cria uma conexão de reforço mútuo. Tarde da noite, durante minha residência médica, eu geria uma unidade de terapia intensiva lotada quando um de meus colegas parou e se ofereceu para ajudar em um súbito influxo de pacientes em estado crítico. Graças a sua generosidade, logo conseguimos colocar cateteres especializados em pacientes com infecções sanguíneas e obter antibióticos que salvam vidas rapidamente. Trabalhamos juntos por apenas uma hora naquela noite, mas a conexão que construímos durou anos. Dar e receber com liberdade é uma forma tangível pela qual vivenciamos nossas conexões com os outros.
Crie oportunidades para conhecer a vida pessoal de seus colegas. A probabilidade de desenvolver conexões sociais autênticas é maior quando as pessoas se sentem compreendidas e estimadas em seu papel de pai, mãe e filho; com paixões fora do trabalho; como cidadãos preocupados; como membros da comunidade. Todos na organização têm o poder de criar espaços de compartilhamento, seja numa reunião formal, seja numa conversa descontraída na hora do almoço.
Cura mútua
Quando penso em solidão, o que me vem à mente é meu primeiro dia no programa de residência em clínica geral. Um membro do corpo docente nos aconselhou a chamar as pessoas que amamos e dizer-lhes que não teríamos muito contato ao longo do ano. Como estudantes de medicina, sabíamos das provações da residência: o horário implacável, a intensidade extenuante e o isolamento esmagador. Naquela manhã, a ideia de nos afastar de nossas relações sociais mais confiáveis era muito incômoda.
Apesar do medo inicial da solidão, esses três anos foram a melhor parte da minha vida. A experiência foi tão extenuante quanto o previsto, ou até mais. Conforme avisado, era muito difícil manter contato com os amigos. Mas, com o tempo, estabeleci relacionamentos ricos e gratificantes com os colegas do hospital.
Ir para o trabalho era como passar um tempo com os amigos. Houve vários momentos difíceis quando nossas reservas emocionais, intelectuais e físicas foram testadas: uma conversa difícil no fim de uma vida, encontrar uma fonte de infecção difícil de localizar em um paciente em estado crítico, ou simplesmente lutar contra a própria exaustão. Mas meus vínculos com os colegas suavizaram muitos golpes e me livraram de tantos outros. Tais vínculos me permitiram fazer mais, dar mais, sentir mais gratidão e ser um médico melhor para milhares de pacientes. Hoje, anos mais tarde, pergunto-me se essas relações proporcionaram uma cura mais profunda: se me tornaram não apenas um médico melhor, mas também um colega e líder melhor.
O mundo sofre de uma epidemia de solidão. Se não pudermos reconstruir conexões sociais fortes e autênticas — no local de trabalho e na sociedade —, continuaremos nos afastando. Se não nos unirmos para enfrentar os grandes desafios que temos diante de nós, ficaremos cada um no seu canto, com raiva, doentes e sozinhos. Devemos agir agora para construir as conexões que são a base de empresas e comunidades fortes e garantem mais saúde e bem-estar a todos nós.
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O vice-almirante Vivek H. Murthy foi o 19º cirurgião geral dos Estados Unidos de 2014 a 2017. Como cirurgião geral, o doutor Murthy comandou o Corpo Comissionado de Serviços de Saúde Pública dos Estados Unidos, um serviço uniformizado com 6.600 escritórios de saúde pública que atende populações vulneráveis em 800 locais no país e no exterior. Durante seu mandato, ajudou a abordar questões críticas de saúde pública, como o surto de ebola, o vírus da zika, os baixos níveis de atividade física e a explosão do uso de cigarros eletrônicos entre os jovens.
Fonte HBR