A crise da Covid-19 obrigou muitas empresas a se adaptarem repentinamente à ideia de terem uma força de trabalho totalmente remota. E uma vez que todos superamos os novos desafios de interrupções familiares, #vídeosengraçadosdegatos e etiqueta virtual, um problema mais complexo surgiu: como trabalhar juntos quando, na verdade, estamos sozinhos?
Para que uma organização virtual funcione, equipes dispersas geograficamente precisam da capacidade de se comunicar com eficácia. Mas isso é apenas metade da história. O processo decisório também deve ser delegado e descentralizado – o que significa usar dados para avivar sua cultura.
Os escritórios centralizados têm uma grande vantagem: todos ficam em uma sala até resolver um problema. Mas quando você trabalha no mundo virtual, precisa planejar todas as partes do processo decisório, especialmente quando ele é assíncrono. Certas coisas que consideramos perfeitamente naturais em reuniões físicas – como linguagem corporal, concordância não verbal e conexões interpessoais – exigem outro tipo de atenção para o trabalho remoto. Isso, no entanto, pode ser uma vantagem.
Considere uma organização que “nasceu digital”, como a empresa de automação de fluxo de trabalho Zapier, que foi projetada para operar com equipes virtuais desde o início. A crise do coronavírus não forçou a empresa a gerenciar uma transformação complexa no estilo de trabalhar. Para ela, não existe “trabalho remoto” – apenas trabalho.
Em uma conversa, Wade Foster, CEO da Zapier, afirmou que a disciplina que acompanha um processo decisório descentralizado pode trazer à tona o que há de melhor dentro de nós. Em sua opinião, quando se trata de gerenciar pessoas e resultados, as organizações tradicionais permitem que os líderes se sintam quase intocáveis: “Em organizações tradicionais, os líderes podem gerenciar apenas estando presentes – se você vê as pessoas, vê o trabalho sendo realizado”, argumenta. “Mas quando você não pode ver sua equipe, quando não tem certeza do que está acontecendo, ou você literalmente não sabe se as pessoas estão trabalhando ou não, precisa reformular completamente a forma de gerenciar a força de trabalho. Isso o obriga a ser um melhor líder e um melhor gestor.”
Para muitas organizações tradicionais, fazer as equipes trabalharem de casa foi uma resposta direta às determinações emergenciais de confinamento, não uma opção de design organizacional. Quando a empresa inteira muda para o home office, a parte mais difícil de gerenciar não é a tecnologia ou a conectividade, mas o choque cultural.
Didier Elzinga, CEO da Culture Amp, uma empresa de software que ajuda as organizações a monitorar o envolvimento e o desempenho dos funcionários, acredita que a mudança para o trabalho remoto terá implicações profundas na cultura organizacional de grandes empresas, especialmente quando se trata de dar autonomia a equipes descentralizadas para que tomem suas próprias decisões.
Os líderes encontram dificuldades em delegar quando acreditam, erroneamente, que apenas certas pessoas na hierarquia podem tomar uma decisão específica – alguém que conquistou o direito de fazê-lo devido à sua experiência ou capacitação. “Na verdade”, diz ele, “é porque eles têm o contexto que outra pessoa não tem. Felizmente, os dados são um caminho para formar esse contexto.”
Quando a pandemia se instalou, a primeira coisa que a Culture Amp fez foi tentar entender o impacto que a crise estava causando na velocidade de suas decisões. “Criamos uma sala de comando de emergência”, diz ele, “onde passamos a monitorar tudo o que mudava de um momento para o outro, tanto internamente, na empresa, como também no mundo exterior”.
Na sala de comando da Culture Amp são realizadas reuniões diárias com cerca de 20 líderes, onde é possível consultar as informações mais recentes relacionadas à crise, que são publicadas em um canal aberto no Slack. Depois de disponibilizar os dados necessários para dar contexto às suas decisões, a Elzinga e sua equipe descobriram algo espantoso. Os líderes se sentiam mais à vontade em delegar autoridade e permitir que as equipes tomassem decisões próprias e bem embasadas, sem perder tempo procurando informações e aprovações. “Autonomia significa tomar decisões próprias e receber a confiança por tomá-las”, afirma Elzinga. “Mas também significa confiar nos outros para que tomem decisões por você também.”
Quando se trata de estabelecer confiança, um pouco de estrutura ajuda bastante. Na Zapier, as equipes descentralizadas usam uma estrutura chamada DACI, sigla para dirigente, aprovador, consultor e informado. Qualquer indivíduo envolvido em uma decisão desempenhará uma destas quatro funções: uma pessoa responsável por dirigir o trabalho e coletar os dados relevantes, um aprovador que dá o sinal verde, consultores que podem fornecer opiniões especializadas e, finalmente, os informados, que precisam saber o resultado pois ele afeta seu trabalho. Conhecer as funções de decisão antecipadamente acelera as interações entre as equipes e previne ambiguidades que podem causar atrasos ou atritos.
A transparência é essencial em ambas as organizações. As principais decisões da Zapier são documentadas em um registro de decisões chamado Async, uma ferramenta interna criada pela empresa. O objetivo do Async é manter destacadas conversas importantes que podem se perder nos fóruns dinâmicos do Slack. Ele substitui o e-mail interno e serve como um arquivo pesquisável para qualquer pessoa da equipe consultar discussões passadas e acompanhar as atualizações da empresa. Segundo Foster, o Slack é onde as equipes da Zapier falam sobre trabalho, enquanto o Async é onde elas compartilham o trabalho com o resto da equipe.
Nesse sentido, as organizações descentralizadas geralmente estão à frente das empresas tradicionais, em que os documentos podem ser escassos ou ocultos em cadeias de e-mail particular. “Teoricamente”, explica Foster, “isso significa que devemos melhorar a tomada de decisões ao longo do tempo, porque todos podem se beneficiar do fortalecimento do processo decisório organizacional”.
Uma boa decisão ainda estará errada se demorar demais. A Mars Incorporated, que faz quitutes e presta serviços para pessoas e animais de estimação, já estava bem adiantada nos planos de transformação digital antes da crise. No entanto, quando falei com Sandeep Dadlani, diretor digital da empresa, ele explicou que a pandemia levou a Mars a imprimir um novo ritmo ao seu relógio interno. Normalmente, as grandes empresas globais de produtos de grande consumo (PGC) desenvolvem um plano anual rígido com seus varejistas, que abrange seus produtos, promoções e estoque. Entretanto, neste novo mundo, com padrões de consumo que mudam rapidamente e eventos imprevisíveis, a rigidez não cabe mais. “Na primeira semana da crise do coronavírus, comprar mantimentos não foi um desafio”, Dadlani argumenta. “Mas na sexta semana, de repente as compras pela internet se tornaram 15% do mercado norte-americano, número que a Mars estava planejando atingir daqui a cinco anos.”
Com a velocidade sendo atualmente um elemento essencial, ou como dizem na Mars, “entregando valor a 100x”, Dadlani percebeu que a empresa precisava reduzir parte da subjetividade nas comunicações e no processo decisório e incentivar as equipes – agora remotas – a encarar os problemas de uma maneira que levasse a soluções ampliadas. Dadlani me disse: “Nossas cadeias de suprimentos são compostas por ótimos líderes que se conhecem há muitos anos, se ajudam e sabem como as coisas acontecem porque estão nas fábricas. Eles controlam os caminhões, atendem às ligações e conversam com os varejistas, e incentivam seus colegas e funcionários a enviar outro lote ou a mudar outra linha de produção.” Mas, à medida que a crise se acelerava, Dadlani percebeu uma mudança de comportamento. Agora que as equipes de logística e tecnologia perderam a perspectiva in loco da cadeia de suprimentos e só têm acesso a dados brutos de inventário, suprimentos, materiais e embalagens, suas interações mudaram. As conversas entre os membros remotos das equipes ficaram mais focadas e menos subjetivas, a produtividade aumentou, as decisões se orientam mais pelos dados, e perguntas novas com maior profundidade estão sendo colocadas: “Por que os estoques estão nesse nível? As matérias-primas nessas fábricas podem ser transferidas para outro local? Conseguimos aumentar a taxa de produção?” Em outras palavras, era exatamente o que a equipe de transformação digital tentava alcançar há algum tempo.
“Empresas como a nossa precisam se concentrar para identificar tendências, escolher os modelos de negócio certos, falhar algumas vezes e então ter êxito”, pondera ele. “Na Mars, chamamos de Motor Digital: encontre o problema, resolva-o e difunda a solução o mais rápido possível”.
Não obstante a importância da agilidade e do tempo de resposta, à medida que empresas e equipes se tornam mais digitais, cresce também a necessidade de os líderes serem capazes de compreender as nuances e os riscos da racionalidade orientada por dados. Na Culture Amp, Elzinga orienta clientes e funcionários a reconhecerem os limites da inteligência artificial e de outros modelos estatísticos – especialmente quando se trata de prever o comportamento humano ou tomar decisões sensíveis de contratação e demissão. “O desafio para nós como ramo de atividade, e para o RH em geral”, reflete ele, “é que precisamos trabalhar não só para encontrar as respostas, mas também para a alfabetização de dados”.
Essa habilidade só é conquistada com muito esforço. Não é fácil aprendê-la, mesmo para uma geração que domina o uso de aplicativos, emojis e hashtags. Para obter os resultados desejados, as empresas precisam investir em treinamento e capacitação especializados. Na Mars, Dadlani ficou pasmo quando um e-mail endereçado à equipe de tecnologia convidando os funcionários para um curso sobre aprendizado de máquina foi acidentalmente enviado a milhares de funcionários da empresa e – para sua surpresa – muitos desses destinatários acidentais apareceram, o que mudou sua perspectiva sobre o quanto todos na empresa estavam preparados para enfrentar os desafios das novas tecnologias.
Foster incentivou ativamente os programas de alfabetização de dados na Zapier, oferecendo aos funcionários um minicurso em cinco partes chamado O Caminho de Ouro para os Dados, que oferece capacitação para o uso de ferramentas de dados, criação de consultas e interpretação de resultados. Como um incentivo adicional para a atualização da formação, as solicitações à equipe de dados são priorizadas para as pessoas que concluíram o curso.
Foster diz: “Não é preciso que todos sejam especialistas, mas o benefício real começa a acontecer quando toda equipe tem um usuário avançado de dados, o que pode ajudar a equipe a responder a novas questões e desafios mais rapidamente. Isso aumenta a velocidade da tomada de decisões que ocorre dentro da empresa”.
Os dados nunca substituirão as interações sociais genuínas ou a cultura da empresa, mas à medida que construímos empresas mais globais, descentralizadas e virtuais, o que eles oferecem é algo igualmente importante: uma linguagem comum para a transformação.
Mike Walsh é autor do livro ” The algorithmic leader: how to be smart when machines are smarter than you“. Walsh é CEO da Tomorrow, uma consultoria global cujo foco é preparar as empresas para o século 21.
Fonte HBR