Stan Lee odiava ver um artista ocioso. O renomado escritor e editor de revistas de histórias em quadrinhos, que morreu em 12 de novembro de 2018, aos 95 anos, acreditava que um talento ocioso era um talento entediado, e este seria facilmente conquistado pela concorrência. Também o aborrecia pessoalmente pensar que pessoas contratadas por ele poderiam estar sofrendo para pagar as contas. Por isso, Stan fazia questão de proporcionar trabalho contínuo, o que por vezes prejudicava a empresa.
Em uma passagem conhecida de sua história, Stan distribuiu mais tarefas do que a empresa precisava – e não se deu ao trabalho de conversar com o chefe, Martin Goodman, sobre essa lista extra de trabalhos. Guardou as revistas suplementares em um armário, com a intenção de usá-las no momento certo. Quando Goodman as viu, ordenou a Lee que despedisse todos os que estavam no escritório. Lee seguiu a orientação do chefe, mas considerou a atitude um erro – ele dizia que precisava encomendar as histórias extras para continuar investindo na equipe.
Estudei Lee para meu livro, Superbosses: How Exceptional Leaders Master the Flow of Talent (Superchefes: como líderes excepcionais dominam o fluxo de talento). Conforme expliquei no artigo da HBR, Secrets of the Superbosses (Segredos dos Superchefes), um superchefe não é apenas um chefe muito bom. Esses profissionais não se limitam a construir uma organização ou superar metas de faturamento; identificam, treinam e desenvolvem uma nova cadeia de talentos. Fazem isso da mesma maneira que Jon Stewart, apresentador do Daily Show, lançou a carreira de novos comediantes, ou que Alice Waters lançou a de novos chefs de cozinha. A capacidade de identificar, cultivar e desenvolver talentos faz com que esses superchefes – assim como os super-heróis dos quadrinhos – tenham um impacto acima do normal.
Mantenha seus talentos ocupados foi apenas uma das lições que aprendi com Lee. Uma segunda lição, tão importante quanto a primeira, foi: não censure o talento. Ele preferia deixar que seus artistas cuidassem dos detalhes criativos. Em uma de suas histórias, contou que, certa vez, havia trabalhado com uma tirinha de quadrinhos que usava o termo pula-pula na parte mais engraçada de uma piada. O editor achou que o público da área rural não entenderia a palavra pula-pula, e instruiu Lee a usar, em vez disso, a palavra patins. Isso tirou toda a graça da piada, mas Lee fez a mudança mesmo assim. A tirinha acabou sendo descontinuada, e Lee comentou: “Esse tipo de censura, para mim, é quase indecente”. Quando você contrata um artista para fazer o trabalho, permite que ele o faça . E completou: “Creio que, se a pessoa está realizando uma tarefa criativa e acredita estar fazendo-a do jeito certo, você deve permitir que continue”.
Lee transformou suas palavras em ação anos depois quando Hulk, uma franquia da Marvel, tornou-se tema de um popular programa de TV no horário nobre. Ele ficou fascinado ao ver como a equipe criativa remodelou o personagem para essa nova plataforma e aceitou de bom grado não interferir com o trabalho. “Aprendi um bocado sobre TV com Ken Johnson durante as muitas conversas que tivemos sobre o melhor jeito de adaptar O Incrível Hulk para a televisão. O sucesso da série, dirigida por Ken, prova de uma vez por todas que é fundamental colocar projetos criativos nas mãos de pessoas realmente criativas.” Como chefe, Lee gostava de dar autonomia às pessoas e estendeu a gentileza até mesmo para os funcionários mais jovens – algo que dificilmente seria feito por chefes mais tradicionais, por considerarem esses funcionários muito imaturos.
A terceira lição que aprendi com Stan Lee foi: dê crédito a quem merece. Parece tão evidente, mas, na vida real, é algo que raramente acontece. Uma das maneiras encontradas por Lee para dar crédito foi criar uma página específica para isso, escrita em tom amigável. Essa página de créditos era única no mundo dos quadrinhos; até então, os artistas que desenhavam e faziam a arte final dos painéis permaneciam anônimos. Os créditos de Stan Lee eram mais ou menos assim: “Escrito com Paixão por Stan Lee. Desenhado com Orgulho por Jack Kirby. Finalizado com Perfeição por Joe Sinnott. Letreiramento feito com Caneta Tinteiro por Artie Simek”. Ele também falava com frequência sobre a equipe na sua newsletter mensal The Bullpen Bulletin (Boletim do Escritório). Esse tipo de reconhecimento, por vezes, mudava ou moldava a carreira de pessoas do seu departamento. Por exemplo, no meio da sua carreira, Kirby foi apelidado de “O Rei dos Quadrinhos” por Stan Lee, e Stan comentou que ele era o “artista dos artistas”. Até hoje, Kirby é conhecido como “O Rei dos Quadrinhos”, ou “O Rei Kirby”. Além de ser benéfico para os artistas, esse tipo de publicidade permitia que os jovens leitores se tornassem particularmente dedicados a seu artista favorito. Além disso, a atitude marcou certos artistas como “artistas da Marvel”, possibilitou aos leitores sentir um nível maior de intimidade com o produto, e permitiu a Lee promover carreiras e fomentar a profissionalização do setor – outra de suas paixões.
Por fim, Stan Lee nos lembra que é preciso sonhar alto. Não há nada melhor para motivar os maiores talentos. “Estamos tentando levar o formato a outro patamar”, disse certa vez. “Queremos tornar [os quadrinhos] tão respeitáveis quanto possível.” Lee acreditava que os quadrinhos tinham o poder de tratar de questões sociais importantes, de serem incisivos, satíricos e inteligentes. Tinha certeza de que, um dia, adultos inteligentes não ficariam mais constrangidos ao serem vistos andando pela rua com uma revista em quadrinhos, e lutava o tempo todo para alcançar esse objetivo. Lee sugeria que os quadrinhos deveriam ser estudados nas universidades, dizendo: “As pessoas estudam filmes, TV, ópera, balé, concertos, esculturas, pinturas e outras mídias. Então deveriam também estudar as histórias em quadrinhos, pois são tão profundas quando essas outras mídias, e igualmente importantes para formatar, mudar e moldar os pensamentos das pessoas”. Argumentava que não havia razão para que os quadrinhos não fossem vistos como uma forma de arte viável. Essa atitude atraiu os melhores artistas para trabalhar com Stan Lee.
Lee não era perfeito – ninguém é. Em última análise, ele reposicionou os quadrinhos, profissionalizou o setor e lançou a carreira de dezenas de protegidos. É um legado que seria considerado super por qualquer outro chefe.
Sydney Finkelstein é professor de estratégia e liderança na Tuck School of Business e autor de Superbosses: How Exceptional Leaders Master the Flow of Talent.
Fonte: HBR