Gemma é extremamente gentil e sensível. Ela presta bastante atenção às emoções dos outros, é amável e atenciosa. Gemma também é muito otimista. Ela costuma ser animada e sempre se mantém positiva, mesmo com a possibilidade de más notícias. Seus colegas adoram trabalhar com ela porque a veem como um ninho de calmaria. Independente do estresse e pressão presentes no trabalho, Gemma é entusiasmada e nunca perde a linha.
O chefe de Gemma gosta de trabalhar com ela, já que ela raramente faz reclamações, é confiável e leal, e também mostra altos níveis de cidadania organizacional. De fato, Gemma é extremamente confiável e ética. Além disso, sua personalidade ainda denota engajamento no trabalho, mesmo quando seu chefe não a orienta da melhor maneira.
Quem não gostaria de contratar Gemma? De muitos jeitos, ela parece ser a funcionária ideal, alguém com um excelente potencial para uma carreira em administração. Se você concorda, não está sozinho: a maioria das pessoas vê a personalidade de Gemma como uma grande qualidade, e não apenas no contexto do trabalho. A razão disso é a alta inteligência emocional (QE) dela, que explica todas as qualidades descritas acima.
As definições variam, mas o QE sempre alia habilidade intra e interpessoais — especialmente a sociabilidade, a sensibilidade, a prudência, e uma alta capacidade de ajustar-se a um grupo. Milhares de estudos científicos testaram a importância do QE em vários aspectos da vida, e apresentaram evidências atraentes para os benefícios de um alto QE com relação ao trabalho, à saúde, e aos relacionamentos. Por exemplo, o QE está associado positivamente à liderança, satisfação e performance no trabalho, à felicidade e ao bem-estar físico e emocional. Além disso, o QE está negativamente associado com comportamentos de trabalho contra produtivos, psicopatia e propensão ao estresse.
Mas um alto nível de inteligência emocional é sempre benéfico? Ainda que o lado ruim de um QE elevado continue largamente inexplorado, há muitas razões para ter cautela com interpretações do tipo “quanto maior, melhor”. A moderação costuma ser recomendada para tudo, e há um lado ruim para cada característica humana. Vamos focar novamente em Gemma e explorar algumas das implicações menos favoráveis de seu quociente emocional.
Níveis menores de criatividade e potencial para inovação. Há uma correlação negativa entre o QE e muitas das características que predispõe o indivíduo na direção da criatividade e da inovação. A criatividade sempre foi relacionada aos atributos característicos do baixo QE: um mal humor artístico, o não conformismo, a impulsividade hostil e uma personalidade volúvel. Se, por um lado, é possível que pessoas criativas sejam emocionalmente inteligentes, o padrão mais comum para pessoas como Gemma é ser excelente em seguir processos, construir relações e trabalhar com os outros, mas não ter o nível necessário de não conformismo e rebeldia que as estimule a desafiar o status quo e substituí-lo por algo novo.
Dificuldades em dar e receber feedback negativo. À primeira vista, quem pontua alto no QE, como Gemma, pode parecer bom em dar ou receber feedbacknegativo, pois ambas as ações envolvem interação social. No entanto, olhe além da superfície e você verá que a alta sensibilidade interpessoal de Gemma e as suas preocupações fundadas na empatia podem dificultar a apresentação de feedback crítico ou negativo dela para com os outros. No mais, pessoas com alta inteligência emocional podem ser tão bem-ajustadas e relaxadas ao ponto de serem indiferentes a qualquer feedback negativo que receberem. De fato, pode ser muito difícil incomodar quem tem alto QE, já que essas pessoas são tão calmas, ajustadas e positivas.
Relutância em contrariar as pessoas. Uma das principais razões que tornam a personalidade de Gemma encantadora é que ela representa a epítome de muitas das qualidades que procuramos em seguidores. Ainda que pessoas como ela sejam bem-dotadas psicologicamente para empregos de baixa e média complexidade, papéis de liderança sênior requerem a habilidade de fazer escolhas impopulares com frequência, trazer mudanças e focar em entrega de resultados, mesmo que isso ponha em risco as relações com os funcionários. Além disso, líderes sênior e executivos apenas terão um impacto substancial sobre suas organizações se agirem à maneira de um empreendedor para buscar inovação e crescimento. Isso requer decisões impopulares, e pessoas como Gemma, que são mais focadas em se relacionar bem do que em estarem à frente, têm menos probabilidade de tomá-las.
Uma habilidade bem-desenvolvida de manipulação. O alto EQ de Gemma pode ajudá-la a ter empatia e passar sempre uma mensagem que parece certa para o público — o que é, frequentemente, algo bom. No entanto, se levado longe demais, isso pode deslizar do campo da influência para o da manipulação. O risco de exagerar nas habilidades sociais é focar demais nos aspectos emocionais da comunicação e ignorar os argumentos lógicos e o lado mais transacional da comunicação. Nesse sentido, o “lado escuro” do QE é auxiliar pessoas mal-intencionadas a serem excessivamente persuasivas e conseguirem o que querem. Assim como o carisma, nós tendemos a considerar a inteligência emocional como positiva, mas ela também pode ser usada para obter objetivos de ética duvidosa.
Aversão ao risco. A maioria das empreitadas inovadores pedem um equilíbrio entre tomar e evitar riscos. Pessoas como Gemma têm muito mais probabilidade de buscar segurança e evitar decisões arrojadas. Isso é porque um alto QE está associado a maiores níveis de autoconsciência. Em outras palavras, quanto mais alto o seu QE, maior a chance de você resistir aos seus impulsos e tomar decisões pensadas. O quociente emocional quer dizer mais autocontrole, mas níveis extremos de autocontrole levam ao perfeccionismo contra produtivo e à contenção demasiada de riscos.
Para ser claro, Gemma é sem dúvida uma funcionária altamente desejável, mas o seu QE extremamente alto a torna mais adequada a funções nas quais regular as próprias emoções e ser apto a se adaptar às dos outros são pivôs. Vendedores, agente imobiliários, profissionais de atendimento ao consumidor, analistas e psicólogos se beneficiam de um QE como o de Gemma. Em contraste, o perfil dela pode não ser vantajoso, e até mesmo apresentar um empecilho, em trabalhos focados na criatividade, na inovação e em liderar, provocar mudanças e correr riscos. Isso não quer dizer que alguém com alto QE não possa aspirar a um cargo de liderança sênior. Ela até poderia, mas isso demandaria um certo autopoliciamento. Por exemplo, ela precisaria começar a levar o feedback negativo a sério e parar de se preocupar em evitar confrontos, e começar a desafiar o status quo (ou a recrutar pessoas que o façam e prestar atenção a elas).
Não há dúvida que o alto quociente emocional é desejável e altamente adaptável, e é compreensível preferirmos um QE alto a um baixo. No entanto, a obsessão em torno dele pode criar uma força de trabalho sempre emocionalmente estável, feliz e diplomática, que prefere seguir a regras a inovar. Eles serão grandes seguidores e bons gerentes, mas não espere que sejam líderes visionários ou agentes de mudança.
Escrito por Tomas Chamorro-Premuzic, CEO da Hogan Assessment Systems, professor de psicologia corporative na University College London, e membro do corpo da Columbia University. Seu próximo livro, The Talent Delusion, será publicado será publicado em 2017.