A abordagem, antes utilizada principalmente no desenho de produtos, agora inspira a cultura corporativa. Empresas de grande porte têm passado por uma importante mudança, que coloca o design bem mais próximo do coração da empresa. Mas não se trata de estética, e sim de aplicar os princípios dessa área na forma como as pessoas trabalham.
Essa nova abordagem é, em grande parte, uma resposta à crescente complexidade das novas tecnologias e dos negócios modernos. Processos intrincados assumem muitas formas. Às vezes, o software está no centro de um produto e precisa ser integrado com o hardware (uma tarefa por si própria complicada) e transformado em algo simples e intuitivo do ponto de vista do usuário (outro desafio). Em outros momentos, o problema em questão é multifacetado: é muito mais difícil reinventar um sistema de prestação de cuidados de saúde do que desenhar um sapato, por exemplo. O ambiente de negócios é tão volátil que muitas organizações precisam experimentar vários caminhos para sobreviver.
Eu poderia listar uma infinidade de situações complexas com as quais as empresas lutam todos os dias. Mas uma coisa elas dividem: seus clientes precisam de ajuda para dar sentido aos produtos. Especificamente, as pessoas esperam que a interação com as tecnologias recentes e sistemas complexos seja simples, intuitiva e prazerosa.
Um conjunto de princípios conhecidos como design thinking — empatia com os usuários, disciplina de prototipagem e tolerância com o fracasso são os principais — é a melhor ferramenta disponível para criar esses tipos de relação e desenvolver uma cultura organizacional mais ágil e flexível.
O que é uma cultura centrada no design?
Você se lembra da loucura que foi a bolha das empresas pontocom? Até hoje, muitos mantêm a imagem estereotipada do designer de 20 e poucos anos que passa o dia disparando dardos num escritório que mais parece um bar. Historicamente, essa área tem sido associada com estética e criatividade, o que pode ter colaborado para a fama artística desses profissionais. Uma cultura centrada no design, porém, vai muito além de uma função — trata-se de um conjunto de concepções que pode ajudar qualquer um a ter ideias que servem para a vida. Confira quais são esses princípios.
Foque nas experiências dos usuários, principalmente nas emocionais. Para construir empatia com os clientes, organizações centradas no design precisam capacitar os funcionários a observar comportamentos e tirar conclusões sobre o que as pessoas querem e precisam. É muito difícil expressar esses dados em linguagem quantitativa. Por isso, empresas que adotam o design devem usar os códigos emocionais (palavras relacionadas com desejos, aspirações, compromisso e experiências) para descrever produtos e usuários. E os membros da equipe precisam discutir tanto a ressonância sentimental de uma proposta de valor quanto a utilidade e os requisitos do produto.
Uma proposta de valor tradicional é uma promessa de utilidade: quem compra um Lexus tem a palavra da montadora de que irá receber um transporte seguro e confortável num veículo bem projetado e de alto desempenho. Uma proposta de valor emocional é uma promessa afetiva: aqueles que adquirem um Lexus recebem a garantia de que irão se deleitar, sentir-se exuberantes e requintados. Organizações centradas no design não devem usar a linguagem emocional em tom incoerente, superficial ou tendencioso. As conversas estratégicas nessas empresas precisam abordar frequentemente como as decisões de negócios ou trajetórias de mercado podem influenciar positivamente as experiências dos usuários. Além disso, não raro, essas organizações reconhecem apenas implicitamente que as ofertas bem projetadas contribuem para o sucesso financeiro.
O foco em grandes experiências não pode estar limitado a designers de produto, ao pessoal de marketing e aos estrategistas — mas deve inspirar todas as funções voltadas para o cliente. Considere as finanças. Em geral, o único contato com os usuários é por meio de faturas e sistemas de pagamento projetados para o aprimoramento dos negócios e atendimento das “necessidades” predeterminadas dos clientes. Mas esses processos são pontos de ligação que moldam a impressão do consumidor sobre a empresa. Em uma cultura focada na experiência do cliente, as brechas de contato são delineadas em torno do que os usuários precisam, e não de acordo com a eficiência operacional interna.
Crie modelos para analisar problemas complexos. O design thinking, inicialmente utilizado para produzir objetos, tem sido cada vez mais aplicado a questões intrincadas, mas tangíveis: por exemplo, em como um cliente experimenta um serviço. Independentemente do contexto, nessa abordagem o profissional tende a usar modelos físicos, também conhecidos como artefatos de design, para explorar, definir parâmetros e se comunicar. Esses modelos (principalmente diagramas e desenhos) podem complementar e, em alguns casos, substituir planilhas, especificações e outros documentos que costumam compor o ambiente organizacional tradicional. Também favorecem a fluidez na investigação de temas complexos e permitem pensar de forma criativa na hora de abordar problemas complicados.
Por exemplo, o Centro de Inovação do Departamento de Assuntos dos Veteranos dos Estados Unidos (VA) tem usado um artefato de design chamado mapa da jornada do cliente para compreender melhor os altos e baixos emocionais dos veteranos e suas interações com o VA. “Esse dispositivo nos ajudou na comunicação com os stakeholders”, diz Melissa Chapman, uma designer que trabalhou no Centro de Inovação. E, ainda mais importante, acrescenta, “ajudou a desenvolver uma habilidosa forma de pensar sobre como mudar toda a organização e comunicar a estratégia emergente”. O mapa da jornada do cliente e outros modelos de design são ferramentas que favorecem a compreensão. Apresentam formas alternativas para olhar para um problema.
Utilize protótipos para explorar soluções potenciais. Em organizações centradas no design é comum observar moldes que representam novos conceitos, produtos e serviços espalhados pelos ambientes. Enquanto diagramas como o mapa da jornada do cliente exploram o âmbito do problema, os protótipos se dedicam às soluções. Eles podem ser digitais, físicos ou diagramáticos, mas em todos os casos, são formas de comunicar ideias. O hábito de exibir publicamente produtos em estado bruto aponta para uma cultura de mente aberta, que valoriza a exploração e experimentação em detrimento do cumprimento de regras. O laboratório de mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) formaliza esse processo em seu lema: “Demo or die” (Demonstre ou morra), que reconhece que apenas a prototipagem pode transformar uma abstração em algo realmente valioso — ideias por si sós não levam a lugar nenhum. Empresas centradas no design não devem se intimidar em ajustar seus produtos em um fórum público, mas transformá-los rapidamente em modelos, uma atividade que o especialista em inovação Michael Schrage chama de serious play (jogo sério). Em seu livro de mesmo nome, ele escreve que a criatividade é “mais social do que pessoal”. E acrescenta: “A prototipagem é provavelmente o comportamento mais pragmático que uma empresa inovadora pode ter”.
Tolere as falhas. A cultura do design é um processo. Obviamente não incentiva os erros, mas reconhece que raramente as coisas acontecem como gostaríamos logo de cara — os equívocos fazem parte do desenvolvimento das ideias. A Apple é conhecida por seus sucessos, mas, cavando um pouco, podemos chegar ao tablet Newton, o videogame Pippin e o sistema operacional Copland — produtos que não se saíram muito bem. (Pippin e Copland foram interrompidos depois de apenas dois anos.) A empresa aproveita o fracasso como aprendizado, incluindo-o
no custo relacionado à inovação.
Greg Petroff, diretor de experiência da GE Software, explica como funciona o processo iterativo na empresa: “A GE tem se afastado de um modelo exaustivo de exigência de produtos. As equipes aprendem o que fazer durante o processo de execução”. É preciso ficar claro para os funcionários que eles podem assumir riscos sociais (ao sugerir algo irrelevante, por exemplo) em relação a qualquer aspecto do negócio, sem ser desrespeitados ou sofrer punições.
Apresente restrições calculadas. Muitos produtos desenvolvidos sobre uma proposta de valor emocional são mais singelos do que as ofertas dos concorrentes. Essas limitações se desenvolvem a partir de decisões sobre o que o produto deve e, tão importante, o que não deve fazer. Ao remover características, a empresa pode oferecer aos clientes algo claro e simples. O termostato Nest (muito complexo internamente) tem menos funções na parte exterior do que outros produtos semelhantes, oferecendo assim uma experiência emocional que reflete a cultura do design da empresa. “No fim do dia, você deve compartilhar um sentimento — nos seus anúncios, nos seus produtos. E essa emoção vem de dentro, é visceral”, disse o CEO Tony Fadell em uma entrevista publicada na Inc.
O aplicativo para celular Cash, da Square, permite que você faça apenas uma coisa: envie dinheiro para um amigo. “Acredito que sou apenas um editor, e acho que todo CEO também é”, escreve Jack Dorsey, diretor executivo da Square. “Absorvemos muitas informações, vamos a vários lugares… mas precisamos apresentar uma história coesa para o mundo.” Em organizações como a Square, você vai encontrar muitos líderes de produtos que concordam com isso. Em vez de atacar o mercado com características que evoluem, eles lideram com um foco restrito.
Que tipos de empresas estão nessa fase de mudança?
Gigantes da indústria como a IBM e a GE sabem que o software é uma parte fundamental para os negócios. Reconhecem também a alta complexidade daquilo que devem gerenciar. O design thinking é uma ferramenta essencial para simplificar e humanizar processos. Não é algo extra, mas sim uma competência imprescindível.
“Não há mais qualquer distinção real entre a estratégia de negócios e o design da experiência do usuário”, disse Bridget van Kralingen, vice-presidente sênior da IBM Global Business Services em um comunicado à imprensa. Em novembro de 2013, a IBM abriu um estúdio de design em Austin, Texas (parte do investimento de US$ 100 milhões da empresa na construção de uma organização sólida na área). Como Phil Gilbert, o diretor-geral, explicou em um comunicado de imprensa: “O nosso objetivo — em uma escala incomparável na indústria — é modernizar o software da empresa para o usuário de hoje, que exige qualidade no design em todos os lugares, em casa e no trabalho”. A empresa pretende admitir mil profissionais da área.
Quando eu trabalhava na Frog Design, a GE nos contratou para ajudar a formalizar e disseminar a linguagem, as ferramentas e as métricas de sucesso para apoiar sua prática de design em crescimento. Dave Cronin, diretor executivo de design da GE para aplicações industriais de internet, descreve como a empresa percebeu que não operava só no negócio de fabricação de produtos físicos, mas que havia se tornado uma das maiores fornecedoras de software do mundo. A complexidade dos componentes era esmagadora, por isso sua equipe se concentrou no design. “Nossa tarefa era criar produtos, mas também possibilitar uma rápida inovação”, diz Cronin. “Isso é algo bem difícil — fomos convidados a executar o projeto em escala e, ao longo do caminho, criar uma mudança na cultura.”
A IBM e a GE estão praticamente sozinhas. Todas as empresas estabelecidas que mudaram de produtos para serviços, de hardware para software, de produtos físicos para digitais, precisam se concentrar novamente na experiência do usuário. E as que pretendem globalizar seu negócio devem desenvolver processos que podem se ajustar a diferentes contextos culturais. E se escolherem competir na inovação, em vez da eficiência, precisam ser capazes de definir os problemas com muita habilidade e achar o próprio caminho para as soluções. (Para mais informações sobre as últimas mudanças, consulte “Como a Samsung se tornou uma potência do design”).
Não somente as grandes corporações investem no design. Importantes empresas de consultoria em estratégia também se preparam para esse novo mundo e muitas apostam nos principais fornecedores de serviços da área. Nos últimos anos, a Deloitte adquiriu a Doblin; a Accenture, a Fjord; e a McKinsey, a Lunar. Olof Schybergson, o fundador da Fjord, encara a postura empática do design thinking fundamental para o sucesso dos negócios. “Abordar diretamente o consumidor é uma estratégia disruptiva. Há novas oportunidades para reunir dados e insights sobre o comportamento do consumidor, aquilo que gosta ou não… Aqueles que possuem essas informações e têm sede de inovação contam com mais chances de prevalecer.” Essas aquisições sugerem que o design tem se tornado uma aposta com o mínimo de investimento para consultoria empresarial de alto valor — uma parte esperada de um portfólio de serviços empresariais.
Quais são os desafios?
Há alguns anos, prestei consultoria para uma grande empresa de entretenimento que havia escondido o design em um seleto grupo de pessoas “criativas”. A companhia estava empolgada em relação à introdução da tecnologia em seus parques temáticos e reconhecia que a experiência bem-sucedida do visitante iria depender de um design adequado. E assim ficou claro que a empresa toda precisaria abraçar o design como uma competência essencial. Esse tipo de mudança não é fácil. Assim como muitas organizações de cultura arraigada e bem-sucedidas por muitos anos, essa empresa de entretenimento enfrentou vários obstáculos.
Aceitar maior ambiguidade. A organização em questão atua globalmente, por isso valoriza a eficiência operacional previsível que pode ser repetida sem deixar de proteger os relatórios de lucros trimestrais. A introdução da tecnologia nos parques representou um enorme investimento de capital, por isso havia pressão para a garantia de retorno. No entanto, o design não se adapta facilmente às estimativas. É difícil, se não impossível, prever o lucro em relação à melhor experiência do usuário ou calcular o retorno sobre o investimento em criatividade.
Abraçar riscos. Inovações são inerentemente perigosas. Envolvem inferências e crenças de fé; se algo não foi feito antes, não há nenhuma maneira de garantir o resultado. O filósofo Charles Peirce disse que as ideias chegam até nós “como um relâmpago” — numa epifania —, o que torna difícil racionalizá-las ou defendê-las. Líderes precisam criar uma cultura que permita assumir riscos e avançar mesmo sem compreensão completa e lógica dos problemas. Nossos parceiros na empresa de entretenimento foram autorizados a contratar uma consultoria de design; a organização reconhecia que o empreendimento não era algo certo.
Redefinir expectativas. Muitos líderes empresariais reconhecem a potencialidade da abordagem e encaram o design thinking como uma solução para todos os problemas. Muitos designers, aliás, aproveitam essa influência estratégica e reforçam essa impressão. Quando eu trabalhava com empresa de entretenimento, confesso que colaborava com isso, principalmente porque meu sustento dependia de vender consultoria na área. O design, obviamente, não resolve tudo, mas pode ajudar pessoas e organizações a atravessar situações complexas. É uma excelente estratégia para a inovação. E funciona muito bem para auxiliar a estimar dados. Mas não é o conjunto de ferramentas mais indicado para aprimorar, racionalizar ou operar um negócio estável. Além disso, mesmo que as expectativas estejam definidas adequadamente, precisam estar alinhadas com um cronograma realista — a cultura muda lentamente nas grandes organizações.
O FOCO ORGANIZACIONAL no design pode contribuir para a humanização da tecnologia e para o desenvolvimento de produtos e serviços que ressoem emocionalmente. Adotar essa perspectiva não é fácil. Mas ela pode ajudar a criar um ambiente de trabalho onde as pessoas queiram estar e que responda rapidamente às mudanças dinâmicas empresariais, além de capacitar os colaboradores. O design é empático, por isso tende a reforçar implicitamente uma abordagem mais reflexiva e humana dos negócios.
Escrito por Jon Kolko, vice-presidente de design da Blackboard, empresa de software educativo. É fundador e diretor do Centro de Austin para o Design e autor de Well-Designed: how to use empathy to create products people love (HBR Press, 2014).