Consultor de empresas como Apple e Coca-Cola, ele afirma que as pessoas não sabem usar suas próprias habilidades e diz porque temos de aprender como as crianças.
João Loes
Em 1972, o americano Timothy Gallwey, hoje com 73 anos, plantou a semente de uma prática até então quase desconhecida: o coaching. Com o livro “The inner game of tennis” (“O jogo interno do tênis”), publicado naquele ano, ele apresentou uma adaptação para o mundo corporativo do que aprendera nas quadras, como técnico do esporte, ao desenvolver uma forma inovadora de ensinar. Em menos de doze meses o livro vendeu mais de um milhão de cópias só nos Estados Unidos. Todos queriam testar o método de Gallwey, que, basicamente, propõe que todos nós já possuímos boa parte das habilidades que desejamos ter, só precisamos de alguém que nos ajude a fazê-las aflorar. E o coach, ou técnico, é essa pessoa. Com a fama adquirida, o coach, formado em Letras na Universidade Harvard, criou um filão e hoje tem como clientes empresas como Apple e Coca-Cola. Lançou uma série de livros nos quais aplica o conceito para outros esportes, como golfe e ski, e também ao stress, grande mal moderno. Hoje, Gallwey roda o mundo dando palestras e esteve no Brasil pela primeira vez na última semana. De sua casa em Malibu, Los Angeles, ele falou à ISTOÉ e revelou sua última aposta, o coach eletrônico. ”É um software que, com perguntas, estimula a reflexão sobre as qualidades e os defeitos de cada um”, diz. “Quero ajudar os usuários a clarearem suas idéias.”
ISTOÉ – Quais são os problemas mais comuns das pessoas que decidem recorrer a um coach?
Timothy Gallwey – Os clientes que recebo são, em sua maioria, gente de nível gerencial. Eles acham que estão trabalhando demais e aprendendo de menos. Eles executam um volume de tarefas absurdo, mas aprendem pouco com o que fazem. E isso é um problema, principalmente a longo prazo. Se outras equipes aprendem enquanto executam e você só executa, você ficará para trás. Quem me procura costuma estar em busca de algum mecanismo que viabilize o aprendizado durante a execução de uma tarefa banal, diária. Momentos de grande questionamento e dúvida sobre as próprias habilidades também costumam servir de gatilho para a busca de um coach. De maneira geral são pessoas muito estressadas e assustadas que buscam ajuda. E o coaching vai ajudar essas pessoas a usarem as habilidades que elas já tem, mas que estão dormentes. Há quem procure o profissional também apenas para dar mais sentido à própria vida.
ISTOÉ – Falando assim, parece ser uma solução relativamente simples para quase tudo.
Gallwey – Somos nós que criamos boa parte dos nossos problemas. Não é fácil resolvê-los, mas também não é impossível. Nossa cultura tende a focar nos desafios externos, como a competição do mercado, por exemplo. Com o coaching tratamos especificamente dos problemas que a gente cria, que são os maiores e que, muitas vezes, ficam ignorados. Felizmente, hoje cuidar desses problemas não é tão complicado como já foi. Durante algum tempo quem tinha coach ou precisava de um coach era visto como alguém com problemas psicológicos. Poucos gostavam de ser vistos com um coach. Isso mudou. A procura por coaches aumentou e hoje são muitos os executivos que têm o seu. Não é como a terapia, mas tem alguns efeitos parecidos com os da terapia.
ISTOÉ – Como distinguir o profissional sério de um picareta?
Gallwey – Checar se ele integra a Federação Internacional de Coaches é uma opção, embora existam muitos coaches bons por aí que não sejam federados. Verificar as credenciais dele – onde estudou, que empresas ou pessoas já atendeu e quais cursos de especialização fez, também é um bom caminho. Por fim – e esse, a meu ver, é o recurso mais valioso dos contratantes – é marcar uma ou duas sessões de coaching para avaliação. Se o cliente se sentir confortável nas sessões teste, ele pode contratá-lo com segurança. Duas sessões costumam ser suficientes para o cliente ver se o coach é bom.
ISTOÉ – O coaching muda de cultura para cultura? O sr. já atendeu algum brasileiro?
Gallwey – Eu nunca fui coach de um brasileiro. O mais perto que cheguei foi a Argentina. E foi só para um seminário de dois dias em 2010 com pouco mais de 100 pessoas. Ainda existem muitas diferenças entre os vários mercados de coaching. Cada um usa seus métodos, mas não sei se dá para associar a escolha dos métodos com lugares. Eu, por exemplo, uso o método indireto de ensino. Nele tento tirar o melhor do aluno sem dar respostas a suas perguntas ou instruções diretas do tipo faça isso ou aquilo. Eu tento guiar o aluno até que ele encontre a resposta. Outras escolas são mais diretas, com coaches que dão respostas. O método indireto faz a pessoa se virar um pouco mais. E a pessoa se beneficia mais de suas potencialidades dessa maneira. Ela busca recursos em si mesma para chegar às respostas. É menos interferência.
ISTOÉ – Mas o sr. não viu nada de diferente nos latinos, por exemplo, se comparado aos europeus?
Gallwey – Acho que dá pra dizer que, pelo menos na Argentina, a inteligência emocional é bastante evoluída. Principalmente se comparada ao que se tem hoje nos Estados Unidos e na Europa. O problema é que, muitas vezes, a integração entre emoção e razão não está bem estabelecida. Então o sujeito consegue ser muito emocional ou muito racional diante do desafio. Fazer uma mistura equilibrada dos dois ainda é um desafio. E o coach pode ajudar nisso.
ISTOÉ – Como desenvolveu a teoria do jogo interno?
Gallwey – Sempre fui professor. Em 1971 resolvi parar um pouco para um período sabático. Nesse tempo resolvi dar aulas de tênis, um esporte que sempre joguei. Dando as aulas, percebi que, como professor, muitas vezes estava atrapalhando o aluno no seu processo de aprendizado. Percebi que dava muitas instruções e que essas instruções se acumulavam na cabeça dos alunos a ponto de eles não saberem mais como estavam jogando. Os grandes atletas não pensam que vão acertar a bola, eles simplesmente acertam. A mente deles está em silêncio nesse momento. Eles não pensam nos aspectos técnicos da coisa. Isso me fez pensar em uma forma de ensinar os alunos a jogar tênis sem que eu precisasse ensinar tênis a eles.
ISTOÉ – Que resultados obteve?
Gallwey – Resultados espetaculares. Ao deixá-los em paz e dar apenas diretrizes, e não instruções, os alunos começaram a aprender. E aprendiam cada vez mais rápido. Batizei o desafio que esses alunos conseguiram vencer de jogo interno – um jogo em que o medo de perder, a dúvida, a falta de concentração e o estresse são os maiores oponentes. Vi milagres nas quadras com o novo método. São princípios básicos e adaptáveis a muitas situações. Escrevi livros sobre o jogo interno de outros esportes, também do trabalho e do estresse sempre usando esse mesmo sistema.
ISTOÉ – Por que essa nova forma de ensinar e aprender surgiu nos esportes?
Gallwey – No mundo dos esportes você tem feedback instantâneo da sua performance. Por exemplo, no tênis, quando comecei a aplicar o método perguntava ao aluno se ele sabia a altura de sua raquete na hora do swing. A maioria não sabia responder. Precisávamos desenvolver a percepção que o atleta tinha do jogo. Quanto mais atento o jogador, maiores as chances do jogo dele melhorar, muitas vezes sem ele sequer pensar que precisa mudar isso ou aquilo. Com o tempo chamei isso de ou autoafinação. Você treina o atleta para prestar atenção em si mesmo. Com o tempo ele volta a aprender como uma criança, sempre muito atenta ao que acontece com ela e no espaço que ela ocupa. O atleta então passa a aprender muito mais rápido. Essa agilidade é mais fácil de encontrar no mundo do esporte. Meu método se baseia na ideia de que é a partir do aumento da percepção que temos de nós mesmos que conseguimos nos melhorar. E isso vale para todos os ambientes.
ISTOÉ – Quais são os fatores que impedem o sucesso?
Gallwey – Quando fazemos uma coisa errada entramos em um estado de questionamento das nossas habilidades. Por exemplo, é comum ouvir de quem erra que “tudo está dando errado” naquele dia. Isso vira uma profecia autorrealizável. Tudo vai dar errado nesse dia se o sujeito pensar dessa maneira. Questionar as próprias habilidades é o jeito mais eficiente de se sabotar. Outra coisa que frequentemente fazemos quando erramos é nos dar instruções baseadas no que julgamos estar errado. Em pouco tempo temos cinco, seis ou sete diferentes instruções acumuladas e já não sabemos mais o que estamos fazendo. É o que eu chamo de acúmulo de vozes internas, que ficam altas demais e em pouco tempo eliminam qualquer chance de bom desempenho. Começar uma atividade com um “eu não consigo fazer isso” também é fatal.
ISTOÉ – Então qualquer um pode fazer qualquer coisa contanto que administre esses problemas?
Gallwey – Não necessariamente. Há coisas para as quais você tem potencial. Para essas você consegue se desenvolver. Há coisas, porém, para as quais você não tem vocação. O segredo é descobrir para quais você tem vocação e entrar em um esquema de aprendizado parecido com o de uma criança. As crianças não julgam seus erros. Se elas caem, por exemplo, elas reconhecem o tropeço, entendem o que deu errado, levantam e seguem adiante. Elas não duvidam de si mesmas e assim criam um ambiente ideal de aprendizado. Mas, é claro, a criança sempre teve o potencial, a vocação para a andar. Isso já estava lá. Ela só não atrapalhou o desenvolvimento desse potencial. E é isso que a gente quer para a gente.
ISTOÉ – O estresse é o grande mal moderno. Como é que a sua técnica ajuda a lidar com esse problema?
Gallwey – Há três ferramentas do coaching que eu criei a partir da filosofia do jogo interno que ajudam a lidar com o estresse. A primeira é aumentar a percepção que temos de nós mesmos sem nos julgar. Com esse despreendimento reduziremos em muito nosso estresse sem comprometer o olhar cuidadoso que temos de ter com nós mesmos. A segunda é ter muito bem estabelecidos os objetivos que pretendemos alcançar. Isso reduz em muito a ansiedade e, por tabela, o estresse. Saber o que você quer evita que você tente fazer seis coisas diferentes ao mesmo tempo, coisas estas que você, evidentemente, não conseguirá concluir. Por fim, a terceira ferramenta é desenvolver a autoconfiança. Acreditar no próprio potencial ou correr atrás do prejuízo se essa autoconfiança não existir também reduz o estresse.
Fonte: Isto É.