Quarenta e cinco profissionais de 32 empresas recentemente participaram do evento IMD Discovery para debater o que caracteriza um ambiente de alta turbulência, como liderar e conduzir mudanças diante das adversidades, quais capacidades organizacionais e pessoais são necessárias para obter sucesso em épocas turbulentas e como criar e dirigir organizações ambidestras.
Turbulências podem surgir como o resultado tanto de fatores internos quanto externos. Algumas vezes são casos de força maior, como desastres naturais, atos de guerra ou terrorismo, enquanto outros são mais comuns, como a atividade no mercado internacional de commodities, em mercados financeiros ou mudanças no panorama geopolítico, por exemplo.
Os fatores internos que levam à turbulência são, em sua maioria, decorrentes de mudanças significativas nas estratégias das empresas, resultantes de uma performance deteriorada ou de uma operação de fusão e aquisição, por exemplo. Também devem ser consideradas as grandes mudanças internas, como sucessão de lideranças ou casos sérios de fraudes (como no caso da Volkswagen). Frequentemente, as empresas enfrentam turbulências tanto de origem interna quanto externa.
O veloz desenvolvimento e a disseminação das mídias sociais amplificam a rapidez e magnitude das turbulências. Um caso célebre foi a bem-sucedida campanha do Greenpeace em 2010, na qual um vídeo de YouTube foi utilizado para protestar contra o uso de óleo de palmeira nas barras de KitKat pela Nestlé.
A revolução tunisiana em dezembro de 2010 é um bom exemplo do efeito das mídias sociais na esfera política. Nesse caso, a mídia social não provocou a revolução, mas contribuiu para sua aceleração ao permitir o compartilhamento de informações e coordenadas entre os protestantes.
Em resposta ao crescente papel das redes sociais, muitas organizações têm equipes especiais responsáveis por monitorar as redes em busca de novas ideias, tendências e triagem de competidores. Além disso, elas identificam e reagem a incidentes negativos e comentários que possam, potencialmente, ameaçar a reputação da companhia.
O que é turbulência?
Entre as características que distinguem turbulência de outras situações críticas estão: escala ampla e incontrolável, alta velocidade e flutuação, efeito cascata e padrões incertos de evolução, que levam a uma situação caótica.
É de comum acordo que as organizações hoje (tanto no setor público quanto privado) operam em crescentes volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade ambiental, cenário conhecido como VUCA (sigla em inglês). Mesmo assim, em períodos turbulentos, a situação se deteriora rapidamente e se torna explosiva, cheia de conflitos, insegurança e imprevisibilidade. Com isso, as pessoas envolvidas podem assumir opiniões polarizadas e irracionais. Esse quadro leva a demandas irreais que não fazem sentido de uma perspectiva lógica, e os líderes precisam encarar uma oposição forte e inflexível que pode levar o conflito a um nível inédito.
O líder é como um palhaço no circo: ele tem o papel mais importante em toda a performance, mesmo que só tenha um ato para representar. Ele sempre sabe qual é o plano e o que está acontecendo, permanece por trás das cortinas e está sempre pronto para aparecer em casos de necessidade e dar continuidade à apresentação.
A revolução tunisiana também é um exemplo do efeito devastador da turbulência na arena política. Durante 55 anos, a Tunísia experimentou um período de relativa estabilidade com apenas dois presidentes-ditadores. Em apenas três anos da Primavera Árabe, o país teve três presidentes, sete governos e sofreu com o caos político por conta dos altos níveis de desemprego e pobreza, além da ameaça permanente de terrorismo. Houve pressões constantes por parte de partidos políticos, organizações nacionais, bem como da mídia, por melhorias rápidas. Sob tais circunstâncias, apenas medidas drásticas aprovadas por partidos políticos e grandes organizações nacionais poderiam ter algum efeito positivo. Um novo governo apartidário e tecnocrata teve um mandato de um ano para estabilizar a situação, começou implementando reformas estratégicas para reduzir o caos e alavancar a economia e preparar o país para novas eleições democráticas.
Um bom exemplo de turbulência no mundo dos negócios foi a crise da Air France vivida em outubro de 2015, quando, após um ano de baixa performance financeira, os executivos decidiram implementar um plano macro de reestruturação que previa a demissão de 2900 pessoas. Em apenas uma semana, ativistas sindicais inflamaram a situação de tal forma que uma reunião do conselho no início da semana foi seguida por uma multidão violenta que atacou os executivos, rasgou suas camisas e os forçou a permanecer nos limites do cercado de segurança.
Em situações assim, a sobrevivência da organização (ou país) depende da sua capacidade de reagir rapidamente a desafios e se sua liderança é responsiva e um ponto de estabilidade confiável para empregados e outros stakeholders.
O papel de um líder em tempos de turbulência
No mundo VUCA, estresse e ansiedade crescem exponencialmente. Para habilitar as pessoas a lidarem com isso, um líder deve conceder autonomia e controle sobre decisões relativas a elas próprias.
Em um ambiente de altos riscos e insegurança, o foco muda para o que é realmente importante. O papel do líder deve ser o de estabilidade, ele ou ela deve estar consciente do que está acontecendo, como a situação irá se desenvolver e estar preparado para intervir apenas em caso de problemas.
Em tempos de crise, é mais importante do que nunca motivar e inspirar os outros. Desempenhar uma liderança real nesses períodos envolve várias dimensões importantes:
Presença. Enquanto a autoconsciência se firma como um elemento chave da boa liderança, a presença — capacidade de um líder permanecer seguro sobre quem ele é e se fazer visível para os outros — é, de longe, mais importante.
Relacionamento. Um bom líder precisa ter empatia com os outros, construir relacionamentos e descobrir o que está se passando.
Contexto. Em tempos de crise, um líder é frequentemente confrontado com uma miríade de opiniões e perspectivas sobre o que está acontecendo. Ela ou ela precisa estar pronto para contextualizar a informação, criar um direcionamento e compartilhar com os outros de modo compreensível e que garanta o engajamento de todos.
Ação. Uma vez que líderes estabelecem sua presença, se relacionam com os outros e contextualizam a situação, eles podem adotar ações para levar as coisas adiante.
Serviço. O papel do líder envolve não apenas servir à organização, mas também se responzabilizar pelos outros e atuar de maneira a servir, em última análise, a todos os stakeholders naquela situação, seja interna ou externa.
Outro elemento essencial da liderança é confiança. Um bom lúder deve ser confiável e capaz de confiar nos outros. Confiança perpassa credibilidade, segurança, intimidade (capacidade de fazer as pessoas se sentirem seguras e dispostas a conversarem) e auto-orientação (capacidade de focar e se importar com os outros). Líderes também precisam de coragem — para assumir o papel de liderança e ação necessária — e para compreender o poder do senso comum — colocar várias pessoas entendidas numa sala pode não resolver o problema.
Por fim, líderes precisam de resiliência, especialmente em uma situação turbulenta. Líderes resilientes são capazes de construir resiliência em toda a organização ao colocar as pessoas certas nos lugares certos, forçá-las para fora de suas zonas de conforto e fazê-las atingir picos de performance. Funcionários resilientes, por sua vez, são focados, energizados, engajados e têm senso de bem-estar.
Organizações ambidestras respondem melhor às turbulências
Um vasto espectro de pesquisas têm sido empreendidas dentro do tópico de estruturas de organizações ambidestras que combinam a drenagem de capacidades existentes e a exploração de novas oportunidades de negócios (novos clientes, mercados, produtos, disruptores em potencial). Por natureza, esse tipo de organização é muito melhor em lidar com diferentes desafios, especialmente em tempos de turbulência.
Stora Enso, uma empresa global no segmento de papéis, biomateriais, madeira e empacotamento, tradicionalmente focou sua atuação na área de papel e celulose. No entanto, em 2006, enfrentou o desafio de repensar seus negócios em um ambiente de drástica mudança (urbanização, crescimento populacional, digitalização, consciência ecológica e sustentabilidade).
Para sair do modo sobrevivência e entrar no jogo para vencer, a empresa precisou focar em algumas prioridades-chave. A primeira era dar atenção ao topo, construindo equipes diversificadas para perspectivas completamente novas, enfatizando a importância de inspirar e motivar pessoas e desenvolver capacidades internas. A empresa escolheu empoderar seus funcionários ao invés de consultores externos para confiar os desafios-chave dos negócios, implementando a mudança estratégica e cultivando agentes de mudança em toda a organização.
Até este ponto, a Stora Enso era conhecida como uma organização tradicional, que drenava ao invés de explorar. E então, decidiu como transformar para melhor se adequar às novas iniciativas estratégicas sem prejudicar seus negócios já em andamento. Deliberadamente acrescentou uma nova estrutura de rede orientada a projetos para a sua linha organizacional existente, capacitando a empresa a transformar a si mesma, com sucesso, de uma empresa produtora de papel e quadros para uma companhia de cultivo de materiais renováveis.
A adoção de uma estrutura organizacional ambidestra não é limitada apenas às empresas. Os tecnocratas do governo tunisiano, cujo mandato serviria apenas para tirar o país do caos da Primavera Árabe, foi o primeiro a aplicar uma estrutura organizacional dualista entre as instituições governamentais.
Junto com a estrutura ministerial tradicional que se responsabilizava pelas operações diárias do governo, uma nova unidade esploratória chamada “Laboratório de Governo” foi constituída para conduzir projetos de transformação inovadores. Pesosas entusiastas e criativas foram selecionadas entre os diferentes ministérios em diferentes níveis, bem como no setor privado, formando equipes transministeriais colaborativas trabalhando nos mesmos projetos. Nessa estrutura, comunicação aberta com a organização linear era vital para reduzir a sensação de ceticismo e ameaça de substituição dos ministérios tradicionais. A nova estrutura foi bem sucedida em desenvolver e implementar vários grandes projetos, como o redesenho do sistema nacional de subsídios, configurando um único número de identificação para cada cidadão e organizando a conferência internacional “Invista na Tunísia, a Democracia das Startups”.
Aprendizados-chave
- Em situações de alta turbulência, a sobrevivência não pode e não deve se vista como garantida.
- Em tempos de crise, a liderança deve fazer escolhas difíceis, às vezes inesperadas, até mesmo virtualmente impossíveis em face da oposição.
- Em um ambiente de alta turbulência, a resiliência emocional e o esprit des corps (espírito de solidariedade) é crítico entre os líderes das equipes.
- Decidir acerca dos limites da informação entre as esferas pública e privada pode ser decisivo para o sucesso.
- Quando você não pode antecipar tudo (ou até mesmo nada), você deve confiar nos instintos, se ater às suas crenças e permanecer nos seus valores.
Revolução tunisiana: como um governo tecnocrata trouxe ordem ao caos
Em 17 de dezembro de 2010, Mohamed Bouazizi, então com 26 anos, depois que um oficial de polícia confiscou frutas e vegetais que ele vendia na rua sem permissão e foi humilhado pela administração local, ateou fogo sobre o próprio corpo. O ato de desespero acendeu a ira da população, já que representava muitos dos problemas do país: pobreza, corrupção, ausência de oportunidades econômicas e um governo rígido e autocrático. Em poucas horas, protestantes saíram às ruas da cidade onde Bouazizi morava, e poucos dias depois os protestos se estenderam a todo o país, dando início à revolução tunisiana.
A despeito dos esforços do presidente Ben Ali em parar os protestos com o uso das forças policiais, o caos continuou a submergir o país — em parte, graças às mídias sociais, que permitiu aos revoltosos compartilhar informações e coordenar protestos. As rebeliões logo se espalharam pela capital Tunis, culminando em um movimento nacional e demonstrações em massa. Menos de um mês após o ato de protesto de Bouazizi, o presidente Ben Ali e sua família fugiram para a Arábia Saudita. A crise atingiu seu clímax em 2013, após o assassinato de dois políticos proeminentes, e, no final daquele ano, um governo de transição foi formado com ministros apartidários, incluindo seis tunisianos expatriados que viviam e trabalhavam além das fronteiras por anos.
A missão dos tecnocratas do governo se desdobrava em quatro pontos:
- Finalizar a transição democrática na Tunísia dentro de um ano, colocando as instituições do Estado em seus lugares, conforme estipulado pela nova Constituição.
- Organizar e gerenciar eleições presidenciais e parlamentares livres e de credibilidade, além de se comprometerem a não concorrer nessas eleições.
- Iniciar reformas para melhorar a situação macro econômica e criar um ambiente amistoso para investimentos.
- Restaurar a segurança do país em meio ao ambiente complexo e volátil, tanto regional quanto internacionamente.
O novo governo foi capaz de desenvolver vários grandes projetos, como o redesenho do sistema nacional de subsídios — retirando os benefícios amplos e focando em benefícios direcionados aos mais pobres — bem como definindo um número de identificação único para cada cidadão, tornando possível oferecer melhores serviços. Os projetos também incluíram a reforma do sistema educacional superior, o que incluiu a mudança do foco para a educação de empregabilidade, formulando e lançando o plano estratégico Tunísia Digital, e organizando eleições livres e justas para a presidência e parlamento, finalizando a transição democrática do país.
Gráficos: informações do IMD com design da editoria de arte do Administradores.com.
Fonte: Portal Administradores