Compreender o comportamento e as necessidades do cliente com o objetivo de trazê-lo para perto da marca é tarefa de longa data das empresas.
A primeira iniciativa estruturada de fidelização ocorreu em 1930, quando a americana Sperry & Hutchinson lançou um programa de recompensas chamado S&H Green Stamps. A mecânica era simples: a cada compra, os clientes de estabelecimentos parceiros da S&H ganhavam uma quantidade de selos que podiam ser trocados por produtos de um catálogo da empresa. Durante décadas, foi uma febre entre os americanos, que escolhiam onde fazer suas compras de acordo com o local que oferecia mais “green stamps” por dólar gasto. Entretanto, a capacidade de processamento de dados ainda era bastante limitada, o que impossibilitava o rastreamento dessas transações e a compreensão do comportamento dos consumidores.
Somente na década de 1980, com o avanço da tecnologia, surgiram os programas como conhecemos hoje. A American Airlines foi uma das pioneiras ao lançar o AAdvantage, que premiava os clientes mais assíduos com milhas que poderiam ser convertidas em passagem aéreas. Na mesma época surgiram o Discovery Cashback — considerado o primeiro a dar dinheiro de volta (“cashback”) — e o HHonors, da rede Hilton. Os avanços no armazenamento e processamento de dados permitiram a proliferação desse tipo de programa, e as empresas começaram a entender o valor que isso poderia trazer para os negócios.
Quando a ciência se une aos dados
O grande salto nesse segmento foi em 1995, quando a rede britânica Tesco lançou o Clubcard, o primeiro programa a utilizar análise de dados para entender o comportamento de compra do cliente. Rapidamente percebeu-se o valor de identificar cada um dos itens de milhões de transações. Hoje o Clubcard conta com mais de 15 milhões de membros cadastrados e penetração em de 80% dos lares britânicos.
De lá para cá, muitas empresas entenderam a importância da ciência do consumidor para lhe oferecer promoções e mensagens personalizadas e relevantes. No Brasil, um dos pioneiros foi o Pão de Açúcar ao lançar, há 15 anos, o programa Mais. Extremamente bem-sucedido, os participantes representam cerca de 70% do total das vendas da bandeira, e suas taxas de utilização chegam a 53%: os clientes cadastrados usam o programa pelo menos duas vezes por mês — a média global está em 50% segundo a UBS.
Abordagem de fidelidade
O verdadeiro valor de um programa de fidelidade está no conhecimento obtido dos dados coletados e transformados em insights e ações. Por meio dessas informações é possível melhorar e centrar no cliente promoções, estratégias de preço, gerenciamento de categoria (método de gestão de linhas de produtos derivado da colaboração entre varejistas e fornecedores. Neste processo, as categorias de bens de consumo são administradas de forma a identificar características de cada uma delas e a otimizar estratégias de posicionamento, gestão de estoque e sortimento, garantindo que os produtos certos estejam disponíveis nos lugares certos, nos momentos certos, para as pessoas certas) e comunicação one to one. No varejo, tudo isso corresponde, em média, a 80% do valor dos programas, enquanto somente 20% são atribuídos às vendas geradas pelos dados obtidos. Daí a importância de adotar a fidelidade como estratégia.
Dados sem ciência são somente dados
Em um cenário em que, de acordo com estudo recente da dunnhumby, cerca de 3,4 bilhões de pessoas estão conectadas à internet — taxa que cresce 10% ao ano —, é necessário pensar em estratégias para atrair consumidores cada vez mais multicanais e hiperconectados. Intitulado “Social Economy”, o estudo, realizado em maio de 2016, foi baseado na análise de dados de 1 bilhão de consumidores de mais de 30 países, e aponta como os avanços tecnológicos — aumento da penetração de internet, adesão aos smartphones e avanço das mídias sociais — têm permitido um entendimento muito maior sobre gostos e comportamentos.
Essa revolução influencia não só os negócios, mas também o relacionamento entre marcas e clientes. De acordo com o estudo, globalmente hoje há mais de 2,3 bilhões de usuários em plataformas sociais. No Brasil, 49% da população está ativa nas redes — a média mundial é de 31%.
Os programas de fidelidade estão evoluindo de acordo com essa nova realidade. O uso de mídias sociais é cada vez mais frequente nessa interação, e já é possível recompensar as pessoas independentemente da transação comercial: pela preferência pela marca e pela capacidade de propagar mensagens.
Vários programas já começaram a recompensar clientes pela forma de utilização. O Tudo Azul, da Azul Linhas Aéreas, premia com 250 pontos quem faz check-in pelo aplicativo. Já a Multiplus, seguindo a tendência de gamification (utilização de técnicas de jogos), recentemente lançou a campanha “Missão Multiplus”, que vai recompensando os clientes com pontos por meio de tarefas como indicar amigos ou seguir o perfil da empresa.
Outra estratégia que vem sendo difundida é a adoção de plataformas dedicadas a experimentação de produtos e cocriação. A “Tesco Orchard” envia a clientes do Clubcard — selecionados com base em seus hábitos de compra — novos produtos para ser testados. A empresa incentiva os usuários a compartilhar suas opiniões sobre os itens em suas redes sociais, dando espaço para o chamado marketing boca a boca. Trata-se de uma forma eficaz de divulgar o programa e ao mesmo tempo de avaliar lançamentos, ajustar a comunicação e efetuar melhorias nos produtos antes de iniciar as vendas.
Os dados justificam o sucesso de campanhas desse tipo: ainda segundo o estudo, “a recomendação de pessoas que eu conheço” é a forma mais crível de fazer propaganda de produto — 80% dos entrevistados confiam mais nesta do que em qualquer outra forma comunicação.
A conexão emocional se tornou fundamental na relação entre marcas e clientes. Muitos aspectos dos programas de fidelidade, como a mecânica de acúmulo e resgate de pontos, são racionais e facilmente copiáveis. Aqueles que de fato entendem seus clientes e conseguem, por meio da ciência, tornar-se relevantes e estabelecer essa conexão obtêm vantagem competitiva.
Ainda pouco explorado no Brasil, o conceito “surprise & delight” tem se tornado cada vez mais usado em outros mercados. Recentemente criamos para a rede americana de restaurantes e padarias Panera um programa focado em recompensas surpreendentes: os consumidores ganham, amiúde, mimos baseados no seu perfil — como sobremesas grátis. Após a implementação, 50% dos clientes aumentaram a frequência nas lojas.
Por fim, uma das grandes apostas é a possibilidade de se comunicar com os consumidores no momento, lugar e hora certos. Cerca de 50% de todos os celulares no mundo são smartphones, e o poder desses aparelhos como ferramenta de captura de dados e de relacionamento ainda está longe de ser plenamente alcançado. O uso de geolocalização já é realidade para alguns programas, como o Dotz e Multiplus, assim como a integração do dispositivo ao dia a dia do consumidor — a Starbucks, que se inspirou na ideia de um cliente enviada para a plataforma de cocriação “My Starbucks Idea”, instituiu os pedidos a distância. Contudo, o uso dos dados de navegação e localização capturados no celular ainda é incipiente, e somente com a ciência poderemos torná-los relevantes. Veremos muito progresso nos próximos anos.
Dados sem relevância são inúteis.
Personalizar é fundamental
O uso de todo esse arsenal precisa evoluir e respeitar a privacidade. Ter muitos dados não significa muita coisa. Acima de tudo, devemos entender que cada indivíduo é único, e o que todos realmente esperam de um programa de fidelidade é que possa tratá-los de forma individualizada e personalizada. Para isso, é fundamental usar a ciência e os algoritmos que ajudem a identificar o que oferecer, para quem, quando e como.
Ainda em desenvolvimento no Brasil, uma das ações mais bem-sucedidas e relevantes foi a introdução de cupons de desconto personalizados, que já vêm sendo adotados por grandes varejistas, como Pão de Açúcar e Droga Raia. O resultado fala por si só: ações desse tipo têm retorno de 15 reais em venda incremental para cada 1 real investido.
Ciência do consumidor: a melhor estratégia para o sucesso
A tecnologia é uma aliada e deve ser usada como facilitadora para a constante evolução da forma como marcas e clientes se relacionam. Os programas de fidelidade devem sobretudo estabelecer essa relação de forma transparente e consentida, e as empresas devem retribuir a lealdade de seus clientes por meio de benefícios e mensagens relevantes. Só é possível mudar o comportamento do cliente quando a empresa entende suas motivações e lhe permite agir de maneira fácil, intuitiva e no momento mais oportuno. Os smartphones e a internet cumprirão um papel crucial nessa jornada, e as marcas que melhor souberem utilizar os dados e a ciência sairão na frente de seus concorrentes, ganhando vantagem na fidelização de clientes.
Rodrigo Bueno, diretor de loyalty LATAM da dunnhumby