No último ano, os líderes de recursos humanos tiveram de lidar com mudanças aceleradas. De uma hora para outra, a área se viu forçada a contratar, desligar, gerenciar e desenvolver talentos remotamente. Foi uma verdadeira corrida para digitalizar processos, conectar times, engajar e cuidar da saúde mental das pessoas.
Nós ainda não derrotamos o coronavírus, é verdade, mas o mundo corporativo fez a lição de casa e se adaptou a ele. Com isso, questões postergadas em 2020 por conta da crise sanitária, como melhorar índices de diversidade e inclusão, contratar rápido e repensar a jornada do funcionário, voltarão à agenda do RH. Mas como lidar com esses desafios em tempos tão voláteis e incertos quanto os atuais?
O mais importante é compreender que estas são tarefas amplas, que não serão resolvidas da noite para o dia, sobretudo com uma pandemia de pano de fundo. Trata-se de uma caminhada, na qual avançar de maneira firme e consistente é o que fará realmente a diferença. Olhe para dentro da sua organização e pense: quais são as microrrevoluções que o RH está promovendo? Quando digo microrrevolução, refiro-me a mudanças internas, em pequena escala, mas com grande potencial de transformar a cultura organizacional.
Em relação à diversidade e inclusão, que considero o principal desafio do ano, a microrrevolução passa por um conjunto de ações mensuráveis que impactem todos os níveis hierárquicos: de analistas a diretores; do chão de fábrica aos departamentos corporativos. Ações aparentemente pequenas que, juntas, ganham força. As empresas que mais obtiveram sucesso no tema desdobraram o tema em ao menos quatro frentes:
- Ampla comunicação, com palestras de conscientização, vídeos, lembretes em totens, banners e e-mails para ”colocar o tema em discussão”.
- Criação de grupos de afinidade com colaboradores engajados e interessados em colaborar com temas como diversidade racial e equidade de gênero, por exemplo. A função desses comitês é promover o debate dentro da organização e propor ações estratégicas: treinamentos internos, rodas de conversa, participação em eventos, entre outras.
- Envolvimento do RH em todas os intake meetings (reuniões prévias de alinhamento do perfil de uma nova vaga) para que as decisões de R&S sejam coerentes com as políticas de diversidade, flexibilizando requisitos e o que for necessário para que a inclusão aconteça.
- Treinar e preparar os líderes (um trabalho contínuo) para que garantam a integração dos novos talentos, permitindo que possam exercer todo seu potencial. As avaliações de performance e desempenho vão acontecer e é importante dar espaço e ferramentas para que sejam ouvidos e atuem em pé de igualdade com todos os funcionários.
A boa notícia é que as questões raciais que dominam o debate público atual, da Casa Branca ao Big Brother Brasil, também chegaram ao alto escalão das empresas, com CEOs e executivos reconhecendo o problema. Minha experiência atuando com RH mostra que, quando o C-Level está disposto a refletir sobre os motivos históricos que causam desigualdade entre negros e brancos, fica mais fácil implementar um pacote de medidas para reverter o cenário, com treinamentos anti-viés, rodas de conversa, metas de inclusão e diversidade para a liderança, e criação de comitês para monitorar o tema.
Sempre digo aos clientes: se quer diversidade nos programas de entrada, como os de jovem aprendiz, estágio e trainee, comece conscientizando e sensibilizando as equipes. Olhar só para processos seletivos, sem enxergar o todo, é um dos principais erros que se pode cometer — amenizam-se os sintomas em vez de tratar a causa. Não à toa, a Pesquisa Global de Diversidade e Inclusão da PwC, realizada no ano passado, mostrou que só 5% das organizações reportam sucesso nas práticas de diversidade e inclusão.
Isso posto, chegamos ao segundo ponto que considero crítico para o RH: contratar com diversidade — e rápido. Hoje, processos seletivos podem durar meses. Isso acontece, em boa medida, porque os recrutadores não encontram candidatos. Melhorar esse tempo passa por um conceito que ainda engatinha no Brasil: employer branding (ou marca empregadora). “Vender” a empresa de maneira efetiva traz uma velocidade absurda na busca por novos colaboradores, pois cria conexão e desejo nos candidatos. Mas não basta divulgar as vagas da companhia com um texto bonitinho no LinkedIn. É preciso ir além.
Para isso, o RH deve voltar algumas casas e revisitar como foram definidas metas, desafios da liderança, cultura, valores, estrutura de cargos, pacote de benefícios e todos os processos, do onboarding ao desligamento. E assim chegamos ao terceiro desafio das companhias: criar uma jornada e uma experiência de trabalho que faça sentido para os colaboradores ao mesmo tempo em que traga resultados para o negócio. Uma maneira eficaz de iniciar essa revisão é estabelecer o EVP (Employee Value Proposition), ou proposta de valor para o empregado. Quando buscamos respostas para perguntas como “porque as pessoas trabalham aqui?” e “o que faz os funcionários ficarem na empresa?”, somos levados a prestar atenção no que realmente importa, questionando o status quo.
Pesquisas mostram que, hoje, os talentos estão mais interessados na experiência e no impacto que a empresa pode causar em sua vida (e na sociedade) do que em salários e bonificações. É claro que o dinheiro também conta, mas reforço que para motivar as pessoas será cada vez mais importante ter um ambiente aberto ao diálogo, com colaboração, tolerância, oportunidades de desenvolvimento e clima de fomento às ideias, onde todos tenham segurança para ser autênticos e expor opiniões. Sei que ainda temos um longo trajeto a percorrer, mas estou otimista. Para mim, a largada rumo a um mundo do trabalho mais justo e interessante já foi dada — e, felizmente, o caminho é sem volta.
*Tiago Mavichian é CEO e fundador da Companhia de Estágios, HR Tech especializada em recrutamento, seleção e desenvolvimento de aprendizes, estagiários e trainees. Mais informações em linkedin.com/in/tiago-mavichian.
Fonte HBR