Nós mentimos para atingir nosso objetivo em negociações?
Depende, de acordo com a pesquisa conduzida por Jason Pierce, da Universidade da Carolina do Norte, em Greensborough. Verificamos que a probabilidade de comportamento antiético durante negociações está fortemente relacionada ao gênero: homens tendem mais a agir de forma enganosa do que mulheres.
A diferença no comportamento em negociações está vinculada à empatia e ao senso de competitividade dos negociadores. Os homens tendem ser competitivos, de modo que se comportam de forma antiética para obter vantagens, enquanto as mulheres optam por uma abordagem empática, o que as leva a um comportamento menos enganoso.
Contudo, é surpreendentemente simples “ativar” os modos competitivos e empáticos. E, quando ativamos esses diferentes tipos de motivação, tanto mulheres quanto homens agem igual ao gênero oposto durante negociações.
Gênero e negociação
Meu interesse nesse campo de pesquisa proveio parcialmente de minha própria experiência como uma mulher em situações de negociação. Como uma jovem professora na Universidade de Washington, por exemplo, percebi que estava usando uma abordagem passiva quanto ao meu crescimento de carreira, esperando que as promoções chegassem até mim em vez de me empenhar para criar oportunidades. Isso foi muito surpreendente, considerando que eu já era uma pesquisadora de negociações!
Enquanto estudava a relação entre gênero e comportamento em negociações, descobri que até mesmo as mulheres mais qualificadas da elite profissional — incluindo as com MBAs de instituições renomadas e com décadas de experiência — se saiam pior que os homens nas negociações. Elas não buscavam condições favoráveis da mesma forma que homens, ajudando a explicar a desigualdade salarial entre gêneros que ainda persiste.
Mas até que ponto ambos os gêneros estariam dispostos a ir visando uma vitória nas negociações, casos em que poderia ser tentador — mas antiético — enganar o outro?
Uma coisa é progredir se empenhando, se impondo e clamando por mais, como as mulheres são cada vez mais incentivadas a fazer. Mas outra bem diferente é mentir descaradamente ou fingir o que não se é durante uma negociação.
Pesquisas substanciais demonstram que homens estabelecem padrões éticos mais baixos para si próprios, inclusive em situações de negociação: mentem com mais frequência do que as mulheres durante negociações, têm maior probabilidade de acreditar que a deturpação é aceitável e apoiam a busca inescrupulosa de informações relacionadas às negociações, como a consulta de relatórios confidenciais que não lhes foram endereçados.
Ao contrário de estudos anteriores, que se basearem em atitudes autodeclaradas, baseamos a pesquisa no estudo de comportamentos associados à conduta de negociação antiética. Mais especificamente, pretendemos buscar diferenças entre os gêneros quanto a comportamento enganoso, as razões para isso e, ainda, se seria possível motivar tanto homens quanto mulheres a usar táticas de negociação menos (ou mais) éticas.
Mentiras no laboratório
Em nosso primeiro experimento, trouxemos os participantes ao laboratório e pedimos que participassem do que chamamos de “tarefa de tomada de decisão em dupla”. Então, demos ao participante focal — “Participante 1” — um envelope com dinheiro e pedimos que comunicasse ao Participante 2 a quantia de dinheiro do envelope e a sua proposta sobre como dividir o dinheiro. O participante 2 estaria, supostamente, em outra sala, e toda a comunicação se deu por mensagens online.
Considerando a vantagem do Participante 1, por ter a informação, havia a tentação de mentir, informando ao Participante 2 uma quantia diferente da que havia no envelope para ficar com mais dinheiro. E foi exatamente isso que aconteceu em muitos casos: os participantes agiram de forma antiética em prol de seus próprios interesses. Mas a diferença de comportamento entre os gêneros foi notável. Dos participantes masculinos, 44% mentiram; já entre as mulheres, apenas 29% apresentaram o mesmo comportamento.
Para entender as razões que explicassem a diferença, pedimos aos participantes que respondessem às perguntas acerca de seu senso de competitividade (expressado por homens com maior frequência) e empatia (expressada por mulheres com maior frequência). Como esperado, os homens demonstraram mais competitividade, enquanto as mulheres expressaram maior nível de empatia, explicando as nossas descobertas.
Libertando o tigre — ou a empatia?
Com base nos resultados de nosso primeiro experimento, criamos um segundo estudo, no qual os participantes encararam uma tarefa de tomada de decisão explicitamente marcada por competitividade, para verificar se isso poderia fomentar o comportamento antiético.
Os participantes passaram pela mesma tarefa de divisão de dinheiro do primeiro estudo. Mas, dessa vez, alguns receberam instruções que induziriam a competição, fazendo da atividade um “jogo do ultimato” no qual se joga contra um oponente, com “perdedores” e vencedores” bem definidos.
Dessa vez os resultados foram drasticamente diferentes: na parcela de participantes induzidos à competitividade, 64% dos homens e 61% das mulheres mentiram para se dar bem, enquanto nos casos de condições neutras, similares ao Experimento 1, apenas 49% dos homens e 23% das mulheres tomaram a mesma atitude.
Assim, simples sugestões sobre competitividade induziram as mulheres a assumir o mindset mais agressivo de negociação comum aos homens, levando ao comportamento antiético. Havíamos “libertado o tigre” dentre as participantes femininas, e elas se comportaram mais como os homens.
Em seguida, perguntamo-nos se poderíamos fazer o inverso: induzir homens a se comportarem mais como as mulheres em negociações. Esse teste foi realizado em um terceiro estudo, buscando induzir empatia em participantes envolvidos no mesmo jogo dos estudos anteriores. Na condição de alto nível de empatia, os participantes receberam uma mensagem do Participante 2, na qual constava que ele participou do estudo para comprar guloseimas para seus netos, já que viviam de sua pequena aposentadoria. Na condição de baixo nível de empatia, a mensagem do Participante 2 dizia que eles haviam usado a remuneração do experimento para comprar coisas para si, bem como para planejar uma aposentadoria adiantada.
Na condição de nível baixo de empatia, 44% dos homens mentiram e 21% das mulheres também, resultado similar ao anterior em condições neutras. Na condição de alto nível de empatia, apenas 22% dos homens e 16% das mulheres agiram de maneira antiética, indicando que a empatia induzida levou a um comportamento mais justo.
Rumo a negociações mais éticas
Analisados em conjunto, nossos resultados sugerem que, sob condições normais, homens usam táticas antiéticas de negociação com maior frequência do que mulheres, em grande parte pela tendência deles a maior competitividade. As mulheres tendem a ser mais empáticas, levando a um comportamento menos enganoso.
Mas o contexto foi crítico: até mesmo mudanças simples diminuíram a diferença de comportamento entre gêneros, fazendo com que mulheres agissem de maneira similar aos homens nas negociações, e vice-versa. Dependendo das circunstâncias, a tendência era de comportamento mais ético ou antiético.
Para as mulheres, uma lição é que frequentemente nos vemos em situações — de negociações ou em geral — nas quais a empatia motiva um comportamento justo e ético que pode não ser recíproco. Esteja preparada e vigilante quanto a essa realidade, e lembre-se que certas sugestões (como, por exemplo, caracterizando uma discussão como uma competição, mesmo que só para si mesma) podem liberar seu tigre interior.
Por outro lado, homens podem se beneficiar da sua compreensão da própria tendência à competitividade que leva a comportamento enganoso e da valorização das suas implicações na vida real. Conquistas ilícitas podem custar caro a outros. De maneira geral, tomar medidas para reduzir a competitividade e aumentar a empatia nas negociações ou em outros contextos profissionais pode aumentar a colaboração e a resolução conjunta de problemas. Quando nos vemos como participantes em interações mutuamente benéficas, é mais provável que todos saiam vencedores.
Leigh Thompson é professora na Kellogg School of Management na Northwestern University e autora de nove livros, incluindo Creative conspiracy: the new rules of breakthrough collaboration (HBR Press, 2013) e Stop spending, start managing: strategies to transform wasteful habits (HBR Press, 2016), como coautora.
Tradução: Laura Klein Toledo Silva
Fonte: HBR