Melhor focar no hábito. Uma teoria sobre a vantagem cumulativa
Quase no fim do ano passado, o aplicativo de compartilhamento de fotos da Facebook, o Instagram, líder da categoria, substituiu seu ícone original – uma retrocâmera à qual mais de 400 milhões de usuários do aplicativo estavam totalmente habituados – por um design plano, modernista, que, como explicou o chefe de design, “sugere uma câmera”. Numa época em que a Instagram via seu crescimento ameaçado pela rival Snapchat, ela justificou a troca: “Aparentemente o ícone já não refletia a comunidade, por isso pensamos em melhorá-lo”.
A avaliação da Ad Week, a bíblia do setor de marketing, foi clara em sua manchete: “O novo logo da Instagram é uma caricatura. Podemos voltar ao que era? Por favor?”. Já os designers da revista GQ assim se manifestaram no artigo “O logo que ninguém queria acaba de chegar à Instagram”: “A Instagram passou ANOS criando uma propriedade visual da marca com seu logo, instruindo os usuários como utilizá-lo, e agora, em vez de enfatizar isso, está deixando tudo ir pelo ralo”.
Ainda é muito cedo para dizer se a mudança de design terá de fato consequências comerciais para a Instagram, mas não é a primeira vez que uma empresa experimenta uma reação dessas por renovar ou relançar sua marca. O lançamento da Diet Pepsi sem aspartame pela PepsiCo foi – como o desastre da infame New Coke – uma tentativa fracassada de reinvenção que resultou em sérias perdas de receita e precisou ser revertida. No entanto, a questão que importa é: por que empresas com bom desempenho se deixam constantemente apanhar na armadilha de uma renovação radical da marca? Seria possível entender a tentação de adotar essa estratégia diante de um desastre, mas a Instagram, a PesiCo e a Coke estavam longe da beira do abismo. (É importante observar que a Snapchat, cuja fatia de mercado composta de usuários jovens é hoje particularmente robusta, vem mantendo, zelosamente, seu famoso ícone do fantasminha. A título de esclarecimento: A. G. Lafley é membro do conselho da Snap Inc.)
Acreditamos que a resposta está nas raízes de algumas interpretações errôneas sobre a natureza da vantagem competitiva. Boa parte do novo pensamento estratégico defende que o passo rápido da mudança nos negócios modernos (talvez em nenhum lugar, de forma mais óbvia que no mundo dos aplicativos) significa que nenhuma vantagem competitiva é sustentável, por isso as empresas precisam atualizar continuamente seus modelos de negócio, estratégias e formas de comunicação para responder em tempo real à explosão de opções com que os consumidores, cada vez mais sofisticados, deparam. Para manter seus clientes – e atrair novos – você precisa permanecer relevante e na crista da onda. Assim sendo, a Instagram fez exatamente o que dela se esperava: mudou proativamente.
Certamente essa é uma ideia crítica, mas muitas evidências a contradizem. Veja o caso da Southwest Airlines, da Vanguard e da IKEA, mencionadas no artigo clássico de 1996 da HBR “O que é estratégia? ”, de Michael Porter: são exemplos de vantagem competitiva de longa persistência. Duas décadas depois essas empresas ainda estão no topo de sua respectiva indústria, seguindo estratégias e conceitos de marca absolutamente imutáveis. E embora as gigantes Google, Facebook ou Amazon possam tropeçar e ser esmagadas por alguma empresa emergente e pretensiosa, a posição competitiva de cada uma certamente não é passageira. Mais perto de casa (um dos autores deste artigo pertence à família P&G), soaria muito estranho aos gestores das marcas Tide (sabão em pó) ou Head & Shoulders (shampoo) dos últimos 50 anos ouvir que suas vantagens de meio século não são ou não eram sustentáveis. (Sem dúvida nenhuma, os gestores do sabonete Dove e da maionese Hellmann´s, que estão entre os produtos da Unilever preferidos pelos consumidores há tantos anos, sentiriam o mesmo).
No artigo, aproveitamos para incluir uma pesquisa comportamental recente para apresentar a teoria sobre o que torna a vantagem competitiva duradoura. Ela explica tanto as condutas erradas como a da Instagram, como histórias de sucesso como a do Tide. Defendemos que o desempenho é sustentado, não por oferecer aos consumidores a escolha perfeita, mas por lhes oferecer a escolha mais fácil. Por isso, mesmo que tenha sido uma proposição de valor a primeira coisa que os atraiu, não é necessariamente o que os obriga a continuar.
Por esta visão, manter os clientes fidelizados não é uma questão de adaptar-se continuamente às mudanças necessárias para permanecer com o melhor ajuste racional ou emocional. Trata-se de ajudar o consumidor a não precisar fazer mais uma escolha. Para isso é preciso criar o que chamamos de vantagem cumulativa.
Vamos começar explorando como o nosso cérebro se comporta quando compramos.
Criaturas do hábito
O senso comum sobre vantagem competitiva é que empresas bem-sucedidas assumem uma posição, miram nos consumidores-alvo e elaboram atividades para satisfazê-los da melhor forma possível. A meta é fazer com que os clientes repitam suas compras, ajustando as proposições de valor da empresa com as próprias necessidades. Ao afastar a concorrência por meio de especificidades e personalização sempre em evolução, a empresa pode atingir uma vantagem competitiva sustentável.
Uma suposição implícita nessa definição é que os clientes estão tomando decisões deliberadas, talvez até racionais. Seus motivos para comprar produtos e serviços podem ser emocionais, mas sempre resultam de uma lógica relativamente consciente. Portanto, uma boa estratégia identifica e responde a essa lógica.
Mas a ideia de que decisões de compra surgem de escolhas conscientes contraria muitas pesquisas da psicologia comportamental. O cérebro, por sua vez, não é uma máquina completamente analítica. Ele recebe informação ruidosa e incompleta do mundo exterior e, rapidamente, baseado em experiências anteriores, insere as peças que estão faltando. A intuição – pensamento, opiniões e preferências que rápida e irrefletidamente nos vêm à mente sem ser suficientemente fortes para provocar uma ação – é produto desse processo. No entanto, não é só o que é preenchido que determina nossos julgamentos intuitivos. Eles são fortemente influenciados pela velocidade e facilidade do próprio processo de preenchimento, um fenômeno que os psicólogos chamam de fluência de processamento. Quando dizemos que tomamos uma decisão porque ela “simplesmente parece boa”, o processamento que levou a ela foi fluente.
A própria fluência do processamento é produto de experiências repetidas, e ela aumenta continuamente com o número de vezes que vivemos determinada experiência. Uma exposição anterior a um objeto melhora a capacidade de perceber e identificar aquele objeto. À medida que um objeto é apresentado repetidamente, os neurônios que codificam as características não essenciais para o reconhecimento do objeto amortecem suas respostas, e a rede neural torna-se mais seletiva e eficiente na identificação do objeto. Em outras palavras, estímulos repetidos têm limiares mais baixos de identificação perceptual, requerem menos atenção para ser percebidos e são citados ou lidos com mais rapidez e precisão. Além disso, os consumidores tendem a preferi-los a novos estímulos.
Em resumo, pesquisas sobre o funcionamento do cérebro humano sugerem que a mente adora a automatização mais que qualquer outra coisa – certamente mais que se envolver em considerações conscientes. Dada uma opção, sua preferência é fazer a mesma coisa repetidamente. Se a mente desenvolve ao longo do tempo a percepção de que o Tide limpa melhor as roupas, e se o produto está disponível e acessível nas prateleiras do supermercado e nas páginas da web, a coisa mais fácil de fazer é comprá-lo uma vez mais.
Cada vez que você escolhe um produto, a vantagem dele sobre os que você não escolheu é acumulada.
Um motivo decisivo para escolher o produto líder no mercado, portanto, é o simples fato de esse ato ser a coisa mais fácil do mundo: em qualquer canal de distribuição que você comprar, ele será o produto de maior destaque. No supermercado, no atacado ou na drogaria, ele será predominante nas prateleiras. Além disso, é bem provável que você não só já o comprou como também o retirou exatamente da mesma prateleira. Ou seja, repetir uma ação é o que há de mais fácil. Não só isso: toda vez que você compra outra unidade da mesma marca isso torna o processo ainda mais fácil – e a mente agradece.
Por outro lado, cada vez é um pouco mais difícil comprar produtos que você não escolhe, e o gap continua aumentando – enquanto, obviamente, o produto escolhido preencher suas expectativas. Essa lógica funciona muito bem tanto na antiga economia como na nova. Se você escolher o Facebook como sua homepage, todos os itens da página se tornarão familiares, e o impacto será tão grande quanto estar diante de uma gôndola repleta de Tide.
Comprar a marca mais fácil e mais famosa cria um ciclo no qual a liderança compartilhada aumenta continuamente ao longo do tempo. Cada vez que você seleciona e usa um dado produto ou serviço, as vantagens sobre os produtos ou serviços que você não escolheu são acumuladas.
O crescimento da vantagem cumulativa – ausência de mudanças que forçam reavaliações conscientes – é praticamente inexorável. Há 30 anos, a marca Tide mantinha uma pequena liderança de 33% sobre 28% do Surf da Unilever no lucrativo mercado de detergentes de lavar roupa nos Estados Unidos. Lenta mas decisivamente os consumidores criaram hábitos que colocaram o Tide muito à frente do Surf. Ano após ano o diferencial do hábito aumentava e o gap da participação do mercado crescia. Em 2008, a Univeler abandonou o negócio e vendeu suas marcas para o que era, na época, uma empresa de capital privado que fabricava detergente. Atualmente o Tide é o líder absoluto no mercado de detergentes de lavar roupa nos Estados Unidos com sua fatia de mais de 40%. Seu maior competidor tem uma participação de menos de 10%. (Para uma discussão sobre como as marcas pequenas conseguem sobreviver nesse ambiente, ver quadro “O lado positivo perverso da deslealdade do consumidor”.)
O lado positivo perverso da deslealdade do consumidor
Se os consumidores são escravos do hábito, é difícil entender que sejam “fiéis”, ou seja, que se prendam a uma marca na suposição de que ela satisfaz suas necessidades racionais e emocionais. Na verdade, os consumidores são muito mais volúveis que muitos profissionais de marketing imaginam: não raro marcas que supostamente dependem de consumidores fiéis atingem os mais baixos níveis de fidelidade.A Colgate e a Crest, por exemplo, são marcas de dentifrício líderes no mercado americano: juntas detêm 75% da preferência. Os consumidores das duas marcas são fiéis 50% do tempo (a marca preferida responde por 50% de sua compra anual do produto). O creme dental Tom’s, cuja fábrica se localiza no Maine, é uma marca que domina um nicho “produto natural” de 1% do mercado. Acredita-se que ele tenha um séquito de consumidores fanáticos. Seria esperado que esse 1% fosse formado principalmente por compradores constantes. Mas na verdade, os consumidores da Tom’s são fiéis somente 25% do tempo – metade do tempo das grandes marcas.Então, por que marcas periféricas como a Tom’s sobrevivem? A resposta, talvez perversa, é que com os índices de fidelidade de 50% das grandes marcas, apenas consumidores suficientes comprarão uma vez ou outra as marcas pequenas para mantê-las no negócio. As marcas pequenas não conseguem vencer a barreira dos hábitos arraigados, e embora marcas completamente novas entrem no mercado e se tornem líderes, é altamente improvável que uma pequena marca periférica assuma com sucesso a posição de um líder consolidado.
Um complemento para a escolha
Não estamos afirmando que a escolha do cliente nunca é consciente, ou que a qualidade de uma proposição de valor é irrelevante. Ao contrário: em primeiro lugar, as pessoas precisam ter motivos para comparar. E, às vezes, uma nova tecnologia ou uma nova norma reguladora permite que a empresa reduza radicalmente o preço do produto ou que ofereça novos elementos ou uma solução completamente nova para as necessidades do consumidor de forma que isso demande deliberação da parte dele.
Portanto, opções firmes sobre onde jogar e como ganhar ainda são essenciais para a estratégia. Sem uma proposição de valor superior às das outras empresas que estão tentando atrair os mesmos clientes, nenhuma empresa terá o que oferecer.
Mas se a empresa quiser ampliar essa vantagem competitiva inicial, terá de investir para transformar sua proposição em hábito em vez de opção. Portanto, é possível definir formalmente a vantagem cumulativa como a camada que a empresa deposita sobre a vantagem competitiva inicial que torna seu produto ou serviço uma escolha cada vez mais instintivamente agradável para o consumidor.
As organizações que não criam vantagem cumulativa provavelmente serão suplantadas por concorrentes bem-sucedidos nesse quesito. Um bom exemplo é a Myspace, cujo fracasso é frequentemente citado como prova de que a vantagem competitiva é inerentemente insustentável. Nossa interpretação é um pouco diferente.
Lançada em agosto de 2003, a Myspace tornou-se o site de rede social número 1 dos Estados Unidos em dois anos, e em 2006 superou a Google para se tornar o site mais visitado de qualquer categoria no país. Entretanto, apenas dois anos depois, ela foi suplantada pela Facebook, que a destruiu competitivamente – até chegar a ser vendida em 2011 por US$ 35 milhões, uma fração irrisória dos U$ 580 milhões que a News Corp havia pago por ela em 2005.
Por que a Myspace não deu certo? Nossa resposta é que ela nem tentou atingir a vantagem cumulativa. Para começar, permitia aos usuários criar páginas web que expressavam seu próprio estilo pessoal, por isso as páginas individuais pareciam muito diferentes para os visitantes. Ela também incluiu anúncios grosseiros e indecorosos que irritaram as agências reguladoras. Quando a News Corp comprou a Myspace, aumentou o número de anúncios, entulhando ainda mais o site. Para atrair mais usuários, a Myspace introduziu o que a Bloomberg Businessweek se referiu como “um número espantoso de elementos: ferramentas de comunicação com troca instantânea de mensagens, um programa de anúncios classificados, um programa de reprodução de vídeo, um programa de reprodução de música, uma máquina virtual de caraoquê, uma plataforma de publicidade com autoatendimento, ferramentas de edição de perfil, sistemas de segurança, filtros de privacidade, lista de livros, e assim por diante”. Por isso, em vez de tornar o site uma escolha cada vez mais agradável e instintiva, a Myspace deixou seus usuários desnorteados..
A Blackberry é, talvez, o melhor exemplo de uma empresa que criou um design conscientemente destinado a gerar compulsão.
Compare esse quadro com a Facebook, que vem construindo vantagem cumulativa. Inicialmente, ela dispunha de alguns aspectos atraentes, que faltavam à Myspace, o que a tornou uma boa proposição de valor, mas o mais importante para seu sucesso foi a consistência de seu visual e da percepção que incutiu nos usuários. A Facebook não se parece com nada nem com ninguém. Quando ela expandiu o acesso para dispositivos móveis, certificou-se de que a experiência dos usuários fosse tão satisfatória quanto o era com computadores.
De tempos em tempos a Facebook introduzia mudanças no design para alavancar sua funcionalidade, e sofria severas críticas. Porém, os novos serviços não puseram em risco a comodidade e o hábito adquirido, e ela até permitia que as mudanças fossem opcionais em seus estágios iniciais. Até o nome da empresa evoca um objeto familiar, o álbum de formatura da faculdade – já a Myspace nunca propiciou nenhuma referência familiar ao usuário.
Em resumo: baseando-se na familiaridade, a Facebook usou a vantagem cumulativa para se tornar o site de redes sociais mais viciante do mundo. Isso torna ainda mais incompreensível a decisão de sua subsidiária Instagram de mudar seu ícone.
As imposições da vantagem cumulativa
O caso da Myspace e da Facebook é o exemplo perfeito de que a vantagem sustentável é tanto possível como garantida. Como então o próximo concorrente poderá melhorar e ampliar sua abordagem competitiva construindo uma camada protetora de vantagem cumulativa? Aqui estão quatro regras básicas:
- Torne-se popular logo no início. Essa ideia está longe de ser nova – ela está implícita em muitos dos melhores e mais antigos trabalhos sobre estratégia, e podemos notá-la no pensamento de Bruce Henderson, fundador do Boston Consulting Group (BCG). O foco específico de Henderson estava no impacto positivo do output cumulativo nos custos – a hoje famosa curva experimental que sugere que, à medida que aumenta a experiência de uma companhia em produzir um produto, a gestão de custos se torna mais eficiente. Ele argumentava que as empresas deviam praticar uma política de preços agressiva logo no início – “antes da curva da experiência”, no seu linguajar – e assim conquistar uma cota de mercado suficiente para permitir que as companhias tivessem custos mais baixos, cotas relativas mais altas e maior lucratividade. As implicações eram claras: a vantagem precoce no mercado é importante – e muito.
Há muito tempo os profissionais de marketing já sabem da importância de vencer logo no início. Lançada especificamente para atender ao mercado de máquinas de lavar automáticas em rápido crescimento, a Tide é uma das marcas de maior repercussão, mais bem-sucedidas e lucrativas da P&G. Quando foi apresentada, em 1946, ela imediatamente mereceu a maior carga publicitária da categoria. A P&G também garantiu que nenhuma máquina de lavar fosse vendida nos Estados Unidos sem estar acompanhada de uma caixa grátis de Tide para criar o hábito no consumidor. A Tide ganhou de imediato o concurso de popularidade logo no início e nunca mais olhou para trás.
Amostras grátis de um novo produto sempre foram uma tática popular dos profissionais de marketing. Precificação agressiva, a tática destacada por Henderson, é igualmente popular. A Samsung surgiu como líder mundial na participação de mercado no setor de smartphones equipados com a plataforma Android, fornecida gratuitamente mediante contrato de prestação de serviços. Para os negócios na internet, grátis é a tática central para criar hábitos. Praticamente todas as histórias de sucesso de larga escala da internet – eBay, Google, Twitte, Instagram, Uber, Airbnb – fornecem serviços gratuitos para que o número de usuários aumente e seus hábitos sejam fortalecidos. Por isso, provedores ou e agências de publicidade se dispõem, de bom grado, a pagar pelo acesso a eles.
- Crie design para o hábito. Como vimos, o melhor resultado se dá quando a escolha do produto se torna uma resposta automática do consumidor. Então crie o design para isso – não deixe o resultado totalmente ao acaso. A Facebook auferiu lucros espetaculares graças à sua atenção constante para com o design formador de hábito – na verdade, mais do que hábito: para bilhões de usuários checar atualizações tornou-se uma verdadeira compulsão. É claro que a empresa se beneficia com os efeitos cada vez maiores da rede. Mas a verdadeira vantagem reside no fato de que abandonar o Facebook significa eliminar um hábito poderoso.
Pioneira dos smartphones, a BlackBerry é talvez o melhor exemplo de empresa que conscientemente criou o design destinado à compulsão. Seu fundador, Mike Lazaridis, inventou o dispositivo que explicitamente torna viciante toda uma sequência padronizada de ações e percepções: senti-lo vibrar no bolso, deslizar o aparelho para fora, checar mensagens e digitar com os polegares o teclado em miniatura. Ele foi bem-sucedido: o dispositivo recebeu o apelido de CrackBerry, numa clara alusão ao crack. O hábito se tornou tão forte que mesmo depois de a BlackBerry ter sido derrubada pelos smartphones munidos de aplicativos e tela sensível ao toque, um grupo restrito de consumidores – que se recusou enfaticamente a abandonar o dispositivo – implorou, com sucesso, que a administração da empresa o ressuscitasse com o mesmo aspecto dos dispositivos da geração anterior. O aparelho recebeu o nome consolador de Classic.
Como Art Markman, psicólogo da University of Texas, demonstrou, no design criador de hábito certas regras precisam ser respeitadas. Para começar, é imprescindível manter consistentes os elementos do design do produto que podem ser vistos de longe para que os compradores possam visualizá-lo com rapidez. Cores e formas diferentes, como o laranja do Tide e o logo do Doritos, são excelentes exemplos.
E você deve buscar meios para fazer com que os produtos se ajustem aos ambientes pessoais para estimular o uso. Quando a P&G apresentou o Febreze, os consumidores gostaram da forma como ele funcionava, mas não o usavam com muita frequência. Como se observou posteriormente, parte do problema foi o recipiente moldado como uma garrafa de limpa-vidros, o que sinalizava que o produto deveria ser guardado sob a pia. O recipiente foi finalmente redesenhado para ser guardado em local mais visível, e as vendas dispararam.
Infelizmente as frequentes mudanças de design acabam destruindo hábitos em vez de reforçá-los. Procure mudanças que fortaleçam os hábitos e estimulem a recompra. O Amazon Dash Button é um ótimo exemplo: ao criar uma forma simples de as pessoas reorganizarem os produtos que utilizam com frequência, a Amazon as ajuda a formar hábitos e os preserva num canal de distribuição particular.
- Inove dentro da marca. Como já observamos, as empresas se envolvem em iniciativas para “relançar”, “reembalar” ou “recriar plataformas” com certo risco: esses esforços podem resultar em mudanças de hábitos dos consumidores. Obviamente as empresas precisam manter seus produtos atualizados, mas mudanças na tecnologia ou em outros aspectos devem ser introduzidas, idealmente, de forma que permita que qualquer nova versão de um produto ou serviço mantenha a vantagem cumulativa do antigo.
Às vezes até os mais bem-sucedidos captadores de vantagem cumulativa esquecem essa regra. A P&G, por exemplo, que aumentou a vantagem cumulativa do Tide por mais de 70 anos por meio de grandes mudanças, precisou aprender algumas lições dolorosas ao longo do caminho. Indiscutivelmente, a maior inovação de detergente de roupa depois do Tide foram os detergentes líquidos. A primeira resposta da P&G foi lançar uma nova marca chamada Era, em 1975. Sem nenhuma vantagem cumulativa por trás, o Era não conseguiu se firmar como marca apesar da crescente tendência dos consumidores de substituir o detergente em pó pelo líquido.
Reconhecendo a forte conexão dos consumidores com o Tide e sua poderosa vantagem cumulativa, a P&G decidiu lançar o Liquid Tide, em 1984, numa embalagem já conhecida e com força de marca. Ele veio a se tornar o detergente líquido dominante, em que pese sua entrada tardia no mercado. Depois dessa experiência, a P&G teve o cuidado de garantir que as inovações adicionais fossem consistentes com a marca Tide. Quando seus pesquisadores descobriram como incorporar um alvejante ao detergente, o produto levou o nome de Tide Plus Bleach. A tecnologia inovadora de limpeza a frio estava presente no Tide Coldwater, e a revolucionária forma de sachês três em um foi lançada como Tide Pods. A marca não poderia ter sido mais simples ou mais clara: este é o seu querido Tide para água fria, com alvejante, em forma de sachê. Essas inovações com toda a carga de comodidade reforçaram, em vez de diminuir, a vantagem cumulativa da marca. Todos os novos produtos preservaram o visual da embalagem tradicional do Tide – a cor laranja brilhante e o logo na forma de alvo. Nas poucas vezes na história do Tide em que esse visual foi alterado – como a introdução da embalagem azul do Tide Coldwater –, os efeitos sobre os consumidores foram bastante negativos, e a mudança foi prontamente revertida.
É óbvio que em muitos casos a mudança é necessária para manter a relevância e a vantagem. Nessas situações, as empresas inteligentes conseguem ajudar os consumidores na transição do hábito antigo para o novo. A Netflix começou como serviço de entrega de DVDs pelo correio. Provavelmente estaria hoje fora do mercado se tivesse tentado maximizar sua permanência recusando- se a mudar. Em vez disso se reinventou, com sucesso, no serviço de streming de vídeo.
Embora a nova Netflix comercialize uma plataforma totalmente diferente de entretenimento digital, envolvendo um novo mix de atividades, ela encontrou caminhos para ajudar seus clientes, acentuando o que não precisava ser mudado. Ela mantém o mesmo visual e percepção e é ainda um serviço de assinatura pelo qual as pessoas acessam lançamentos e atrações sem sair de casa. Assim, os clientes lidam com os aspectos necessários da mudança e ao mesmo tempo mantêm o hábito o mais possível. Para os consumidores, “melhorado” é muito mais apreciado e menos assustador que “novo”; no entanto, para os gestores de marca e agências de publicidade soa como “incrivelmente novo”.
- Seja simples na comunicação. Um dos pais da ciência comportamental, Daniel Kahneman classificava as tomadas de decisão inconscientes movidas pelo hábito como “raciocínio rápido”, e as tomadas de decisão conscientes como “raciocínio lento”. Aparentemente os profissionais de marketing e os publicitários vivem em geral no modo raciocínio lento. Eles são recompensados pela fama graças ao brilhantismo com que combinam e destacam os vários benefícios de novos produtos e serviços. É verdade que inúmeros anúncios brilhantes e inesquecíveis levam os consumidores a mudar seus hábitos. Se a mente consciente do raciocínio lento decidir prestar atenção, o resultado será “Uau, isso é impressionante. Mal posso esperar”.
Mas se os espectadores não estivessem prestando atenção (como ocorre na maioria dos casos), a comunicação engenhosa pode sair pela culatra. Pense na propaganda do Samsung Galaxy S5 veiculada há alguns anos. Ela começava mostrando vinhetas sucessivas de smartphones de aparência genérica que eram incapazes de (a) resistir à água, (b) impedir que uma criança acidentalmente enviasse uma mensagem constrangedora, (c) permitir troca fácil de bateria. Depois, triunfalmente, mostrava como o Samsung S5, que se parecia muito com os três telefones anteriores, tinha superado as três deficiências. Se espectadores conscientes de raciocínio lento tivessem assistido a todo o comercial poderiam se convencer de que o S5 era diferente e superior aos outros aparelhos. Mas existia a probabilidade de espectadores de raciocínio rápido inconscientemente associar o S5 às três deficiências. Ao tomarem a decisão de compra, as pessoas precisam estar influenciadas por um apelo inconsciente: “Não compre aquele que não é à prova d’água, que envia mensagens ardilosas e cuja bateria é difícil de trocar”. Na verdade, esse comercial pode até induzi-las a comprar um produto da concorrência – como o iPhone 7 –, cuja mensagem sobre ser à prova d’água é mais simples de captar.
Lembre-se: a mente é preguiçosa. Ela não quer redobrar a atenção absorvendo uma mensagem com alto nível de complexidade. Mostrar simplesmente a resistência à água do modelo Samsung S5 – ou, melhor ainda, mostrar um consumidor comprando um S5 e o vendedor garantindo que ele é 100% à prova d’água– teria sido muito mais eficiente. Teria passado às pessoas de raciocínio rápido a mensagem do que pretende que elas façam: ir a uma loja e comprar o Samsung S5. Porém, nenhum desses comerciais ganharia um prêmio dos profissionais de marketing focados na astúcia da versão publicitária.
A morte da vantagem competitiva sustentável é exagero. A vantagem competitiva está tão sustentável quanto sempre esteve. A diferença hoje é que num mundo possibilidades infinitas de comunicação e inovação, muitos estrategistas parecem convencidos de que a sustentabilidade só é viável quando a proposição de valor da empresa é o que move o consumidor ao tomar a decisão de compra. Eles esqueceram ou nunca entenderam a prevalência do inconsciente nas tomadas de decisão. Para as pessoas de raciocínio rápido, produtos e serviços mais fáceis de acessar que reforçam hábitos agradáveis de compra superarão com o passar do tempo as alternativas inovadoras que são mais difíceis de encontrar e requerem formação de novos hábitos.
Portanto, tenha cuidado para não cair na armadilha de atualizar constantemente sua marca e proposição de valor. Qualquer empresa, seja de grande empresa e bem consolidada, seja um nicho de mercado ou uma novata, pode manter sua vantagem inicial com uma excelente proposição de valor se entender e seguir as quatro regras da vantagem cumulativa.
Escrito por A.G. Lafley, CEO recentemente aposentado da Procter & Gamble, é membro do conselho da Snap Inc.. Roger L. Martin é ex-reitor da Faculdade de Administração Rotman da Universidade de Toronto. Eles são coautores de Playing to win: how strategy really works (Harvard Business Review Press, 2013). O artigo foi inspirado na pesquisa de Craig B. Wynett, diretor de ciência comportamental da Procter & Gamble.